O Congresso americano tem até a meia-noite deste sábado (30) para evitar uma paralisação do governo, e tudo indica que não vai conseguir.
Nos Estados Unidos, o ano fiscal começa dia 1º de outubro. Este é o prazo para que o Legislativo aprove 12 projetos de leis orçamentárias autorizando gastos por agências federais. Sem eles, não há como pagar salários de funcionários públicos e militares, conceder empréstimos para pequenos negócios, manter parques nacionais abertos e até emitir certidões de casamento.
A paralisação, porém, não atinge serviços essenciais, como os de saúde, e não afeta o pagamento de juros pelo Tesouro. Segundo David Wessel, diretor do Centro Hutchins de Política Fiscal e Monetária, o orçamento sujeito à aprovação do Congresso compreende cerca de 25% do total dos gastos federais.
Ainda assim, uma paralisação é suficiente para afetar o PIB (Produto Interno Bruto) e provocar um prejuízo bilionário.
Segundo estimativas da EY, cada semana de paralisação significa uma redução em 0,1 ponto percentual da atividade econômica no quatro trimestre, ou US$ 6 bilhões por semana. A projeção do Goldman Sachs é um pouco mais pessimista: recuo de 0,2 ponto percentual do PIB.
O grande imbróglio nas discussões neste ano são cerca de 20 republicanos radicais na Câmara, que exigem cortes de gastos mais profundos e se opõem ao envio de mais recursos à Ucrânia, em guerra com a Rússia. Eles também criticam um acordo fechado pela liderança do partido com a Casa Branca para elevar o teto da dívida, fechado no primeiro semestre.
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O presidente da Casa, o republicano Kevin McCarthy, é contrário a uma paralisação, e tenta negociar ao menos uma resolução de continuidade —conhecida como CR na sigla em inglês, o instrumento visa financiar o governo temporariamente, enquanto as leis orçamentárias não entram em vigor.
Diante do impasse entre os deputados, o Senado também formula sua própria CR, mas analistas afirmam que a chance de o texto ser aprovado em plenário antes deste domingo (1º) é praticamente nula.
Cada Casa é dominada por um partido por uma margem pequena. A oposição domina a Câmara por uma diferença de nove votos, enquanto os democratas são maioria no Senado por apenas um voto —eram dois contando a senadora Diane Feinstein, morta na última sexta (29).
A tentativa mais recente do presidente da Câmara de achar uma solução ocorreu nesta sexta (29), quando ele levou ao plenário uma CR para financiar o governo por 30 dias, prevendo cortes expressivos de gastos, nenhum centavo para a Ucrânia e a retomada da construção do muro com o México.
A barreira contra a entrada de imigrantes foi justamente incluída para conquistar o apoio da ala barulhenta do partido, mas fracassou no intento. Os deputados se uniram aos democratas, que votaram em bloco contra a CR. O placar final foi 232 a 198.
Na manhã deste sábado, McCarthy anunciou que vai levar a votação uma nova resolução temporária, com vigência de 45 dias, incluindo uma provisão para desastres naturais —uma demanda da Casa Branca. O republicano resolveu também adotar uma tramitação acelerada, que exige dois terços dos votos para ser aprovada.
No Senado, a CR sendo fechada mantém os gastos no nível atual por mais seis semanas, além de prever o repasse de US$ 6 bilhões à Ucrânia e mais US$ 6 bilhões para um fundo voltado a desastres naturais domésticos. Ainda que passe na Casa, a resolução precisa também de chancela da Câmara.
“Depois de uma reunião com deputados republicanos nesta noite [de sexta], está claro que o projeto de lei equivocado do Senado não tem como avançar e está morto na chegada”, postou McCarthy no X, ex-Twitter.
“A Câmara vai continuar a trabalhar contra o relógio para manter o governo funcionando e priorizar as necessidades do povo americano”, afirmou.
McCarthy navega em um terreno turbulento —o mesmo grupo de radicais faz duras críticas a ele e ameaça derrubá-lo de seu cargo de liderança. Por isso, o republicano tenta não bater de frente com esta ala, ao mesmo tempo que busca costurar um acordo com os democratas.
A Câmara vai continuar a trabalhar contra o relógio para manter o governo funcionando e priorizar as necessidades do povo americano
“A votação [desta sexta] mostrou que as pessoas não têm fé que Kevin McCarthy ia fazer a coisa certa. Nós aprovamos [a elevação do] teto da dívida. Ele foi e negociou um valor significativamente maior com o presidente [Joe] Biden. As pessoas não têm fé, no que diz respeito a negociar, que ele vai fazer a coisa certa”, disse à CNN o deputado Ken Buck, um dos republicanos da ala extremista.
A Casa Branca, por sua vez, vem denunciando a oposição no Congresso como traidora do acordo fechado em maio, no qual ambos os partidos negociaram uma elevação do limite de endividamento do governo, necessário para evitar uma crise sem precedentes.
Desde sexta, o perfil no twitter do Executivo vem postando de hora em hora quanto tempo falta para o governo paralisar, culpando os republicanos pelo impasse.
“Se a Câmara fracassar em cumprir sua função mais básica, se ela fracassar em financiar o governo até amanhã [sábado], ela vai ter falhado nossas tropas”, disse Joe Biden nesta sexta durante um evento com militares.
Paralisações passadas
Caso a paralisação se confirme, ela não será a primeira. Em quatro outros momentos o governo ficou sem fundos por mais de um dia útil.
De acordo com Wessel, em 1995-1996, houve duas paralisações, totalizando 26 dias, em razão da falta de acordo entre o então presidente, Bill Clinton, e o Congresso controlado pelos republicanos sobre o nível de gastos.
Em 2013, durante o governo Barack Obama, houve uma paralisação de 16 dias porque republicanos se negavam a prever recursos para a legislação de saúde do democrata.
Entre o final de 2018 e o início de 2019, foi a vez de os democratas baterem o pé contra o repasse de recursos para construção do muro na fronteira com o México, uma promessa de campanha de Donald Trump. A paralisação foi parcial, uma vez que 5 dos 12 projetos de lei orçamentárias foram aprovados, e durou 35 dias.
O ex-presidente, provável adversário de Biden nas eleições do ano que vem, tem inclusive pressionado o partido a ir pelo caminho da paralisação.
Washington se prepara para shutdown
Embora a paralisação afete todo o país, o impacto é especialmente duro na capital americana, Washington, cidade que concentra agências e funcionários públicos federais.
Um contingente dos profissionais, classificados como essenciais, continuará trabalhando, caso de controladores de tráfego aéreo, mas centenas de milhares –a estimativa é mais de 400 mil, incluindo aqueles nos estados vizinhos de Maryland e Virginia– serão mandados para a casa enquanto o impasse não for resolvido. Nesse período, eles ficarão sem pagamentos. Os salários são pagos retroativamente, após o fim da paralisação.
Para se organizar, quadros do governo criam grupos no WhatsApp onde trocam informações sobre como se preparar e até o que aproveitar para fazer com o inesperado tempo livre.
A Folha entrou em um desses grupos, sob condição de não revelar o nome dos participantes. Nele, funcionários públicos dão dicas como ir ao mercado e estocar alimentos, buscar um trabalho em tempo parcial, cortar gastos com lazer, e aproveitar o período para fazer exercícios ou turismo pela cidade.
Um dos membros afirma que o tempo livre extra até vem a calhar, embora diga que a falta de pagamentos “não é divertida”.
Além dos funcionários públicos, empresários da cidade também temem o impacto da queda na circulação —e do fluxo de dinheiro no bolso— dos funcionários públicos. Outros veem no shutdown uma oportunidade de publicidade. Uma pizzaria, por exemplo, prometeu fornecer milhares de pizza de graça para empregados e terceirizados do governo. Todo dia, o restaurante vai fazer um sorteio entre os que se inscreverem na promoção.
Outros oferecem descontos em refeições e happy hours, e itens extras para quem provar ser funcionário federal. O restaurante Any Day Now, por exemplo, vai começar oferecendo um desconto de 10% no total da conta, ampliado em 1 ponto percentual por dia que a paralisação se estender —o que mostra um otimismo do local com o Congresso.
noticia por : UOL