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'Fale Comigo', da A24, contorna fim chocho causando mal-estar

Desde “Hereditário”, muitos filmes de terror passaram a tratar do luto. Não que eles nunca tenham abordado o tema antes, mas os looks de funeral se multiplicaram nos figurinos de Hollywood de uns cinco anos para cá.

Sucesso nas bilheterias americanas, o australiano “Fale Comigo” também trata da perda de um ente querido, mas prova que o assunto ainda não está morto e enterrado.

Com um orçamento de apenas US$ 4,5 milhões —em torno de R$ 22,4 milhões —, o primeiro longa-metragem dos gêmeos de 30 anos Danny e Michael Philippou já faturou mais de US$ 24 milhões, o equivalente a R$ 117 milhões. “Fale Comigo” também conquistou o posto de segunda maior estreia de um filme distribuído pela A24, atrás apenas do próprio “Hereditário”.

Os irmãos nascidos em Adelaide, sul da Austrália, têm um canal no YouTube chamado “RackaRacka”, com quase 7 milhões de inscritos. Seus vídeos misturam comédia e terror, com efeitos especiais até que realistas. Os dois também trabalharam em produções de cinema, muitas vezes de graça, para conhecer a rotina de um set profissional.

O estágio foi proveitoso. “Fale Comigo” teve a sua estreia no Festival de Sundance deste ano e a A24 já encomendou uma sequência. Em entrevistas, os diretores dizem que também filmaram um prequel no estilo “desktop horror”, em que a ação acontece em telas, como “Cuidado com Quem Chama” ou “Amizade Desfeita”, mas ainda não há planos para o seu lançamento.

Agora nos cinemas do Brasil, “Fale Comigo” trata de um grupo de adolescentes que faz uma espécie de sessão espírita da geração Z —com o adendo de que o ritual é uma tendência do TikTok e envolve uma mão embalsamada e coberta de gesso. As origens da mão são especuladas pelos jovens, mas o que importa mesmo é como ela funciona.

Quem for corajoso o suficiente deve cumprimentar a mão decepada e dizer as palavras “fale comigo”. No mesmo instante, um espírito aleatório se faz presente e pode, por apenas 90 segundos, possuir o corpo de quem estiver participando da brincadeira. Passar do tempo estipulado, porém, é perigoso.

No terror, a descoberta da vida após a morte não rende uma ampla cobertura jornalística ou a comoção da comunidade científica. A mão é como a fita VHS de “O Chamado”. Muito antes que algum adulto responsável se dê conta do que está acontecendo, todos os adolescentes já ouviram falar da lenda urbana.

Por causa das redes sociais, no entanto, a invocação desperta o FOMO, acrônimo de “fear of missing out” ou o medo de não fazer parte de algo. Para se enturmar com os mais descolados ou fazer um vídeo viral, vale até comungar com os mortos. Afinal, é mais grave ser um excluído do que lidar com almas penadas.

Interpretada pela competente Sophie Wilde, Mia perdeu a mãe e não tem boa relação com o pai. Ela passa a maior parte do tempo com a amiga Jade, como se já fosse de casa, mas há uma leve tensão entre elas. Mia é também uma garota negra vivendo com uma família branca, e com um grupo de amigos brancos, o que reforça a sua solidão.

“Fale Comigo” não é só mais um filme de terror sobre o luto, mas trata do desejo angustiante por conexão, do desespero em pertencer —um sentimento que é ainda mais agudo na adolescência e pode levar à autodestruição. O final não chega a ser uma reviravolta, mas provoca um mal-estar que outras produções muito mais caras não conseguiram criar.

Além do tom melancólico, os irmãos Philippou investem numa violência brutal —com um design de som aflitivo— e uma bizarrice ocasional que é muito bem-vinda, como a do fantasma que gosta de chupar os pés dos vivos enquanto eles dormem. “Fale Comigo” até pode perder o gás do meio para o fim, mas não te faz esquecer do edredom à noite.

noticia por : UOL

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