“Furiosa: Uma Saga Mad Max”, um dos potenciais blockbusters de 2024, apresenta uma história centrada em uma mulher, mas contada sob uma perspectiva masculina.
Entre produções como “Capitã Marvel”, “The Old Guard” e “A Mulher-Rei”, observamos que a direção feminina em filmes de ação ainda é uma raridade. No entanto, existem obras — como a saga “Matrix“, dirigido pelas irmãs Wachowski — que foi premiada, alcançou um grande sucesso nas bilheterias e mudou história do cinema.
Em tramas que deveriam colocar a mulher como foco, é importante que uma esteja envolvida em todos os detalhes da história. Enquanto a Furiosa de Charlize Theron rouba a cena em “Mad Max: Estrada da Fúria” —filme de 2015 que apresenta a personagem—, no derivado sobre ela, é o antagonista, interpretado por Chris Hemsworth, que acaba se destacando.
É um reflexo do histórico problema a sub-representatividade feminina no audiovisual, especificamente em funções técnicas.
Um exemplo prático disso é o fato de que, em 96 edições do Oscar, apenas três mulheres conquistaram o prêmio de melhor direção: Kathryn Bigelow em 2010, por “Guerra ao Terror“; Chloé Zhao em 2021, por “Nomadland“; e Jane Campion em 2022, por “Ataque dos Cães“.
Com a direção de George Miller, que criou o universo pós-apocalíptico de “Mad Max” no fim dos anos 1970 e assumiu o comando de todos os filmes da franquia até então, em “Furiosa: Uma Saga Mad Max” há construção narrativa para chegar exatamente onde começa o longa anterior, “Estrada da Fúria”.
Para que isso funcione, Miller contextualiza toda a infância de sua protagonista e por mais que seja enriquecedor saber mais dessa trajetória, Dementus, personagem de Hemsworth, ganha mais atenção do que deveria.
Furiosa cresceu no Lugar Verde, em uma sociedade feminina. Separada de seu clã na infância, ela aprende que no deserto, os homens dominam, e para sobreviver, precisa ser mais esperta que eles. Capturada pela gangue de Dementus, inicia uma luta pela própria vida.
Os dois roteiristas do filme, George Miller e Nick Lathouris, conseguem devolver muito bem o arco do vilanismo. O que desperta mais curiosidade no filme é ele, sua relação com o império de Immortan Joe e toda a guerra que toma conta da Wasteland, a terra desértica da saga.
É inevitável comparar “Furiosa” com “Estrada da Fúria”. Ao interpretar a Imperatriz, que pilota a Máquina de Guerra, no filme de 2015 Charlize Theron mostrou como uma mulher pode se destacar em um dos maiores filmes de ação da última década e faz disso da forma menos estereotipada possível.
Em “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, Theron passa o bastão à Anya Taylor-Joy que entrega uma versão jovem da personagem. A produção, inclusive, é uma grande espera por sua aparição, já que metade do filme vemos a atriz mirim Alyla Browne dar vida à personagem (que cria mais empatia do que a versão jovem mulher da mesma).
Ou seja, até vermos, de fato, a Furiosa de Anya Taylor-Joy, temos um cenário completamente dominado pelo vilão de Chris Hemsworth. A protagonista é colocada ali como uma peça, quase que descartável, usada como um fio condutor.
Um outro ponto da trama que acaba sendo incoerente com a versão adulta da Furiosa é o romance introduzido desnecessariamente no filme derivado. Esse arco funciona em um blockbuster, mas só reforça a ideia de que a Furiosa de Anya Taylor-Joy dificilmente se tornaria a personagem interpretada por Charlize Theron.
A Furiosa de “Estrada da Fúria” compreende que o mundo está em ruínas principalmente por causa dos homens e não tolerará a objetificação de nenhuma mulher. Sabemos que ela passou por uma jornada para chegar a essa compreensão, e essa seria uma ótima premissa para Miller explorar na história de origem da personagem.
Partindo de um histórico em que narrativas femininas são contadas por homens, fica a ressalva de que um olhar de uma mulher poderia aprofundar a complexidade de uma heroína tão marcante dentro do universo que George Miller criou. Não é nem o caso de que o problema seja Miller, mas a falta de relevância de vozes femininas na construção de histórias sobre mulheres.
“Em ‘Furiosa: Uma Saga Mad Max’, George Miller perde uma valiosa oportunidade de inovação na narrativa de sua criação. Ao escolher não passar as rédeas para uma diretora ou mesmo co-direcionar com uma mulher, Miller mantém-se firmemente ancorado ao convencional.
Esta escolha pode ser vista como uma reflexão de um envolvimento profundamente pessoal com a história que ele originou, em vez de abrir espaço para novas perspectivas que poderiam enriquecer o universo de Mad Max.
A indústria cinematográfica ainda tem uma longa estrada para garantir que as narrativas femininas sejam contadas com a força que merecem, especificamente em filmes de ação.
noticia por : UOL