Maior medalhista do Brasil na história das Olimpíadas com cinco pódios —sendo ouro em Atlanta-1996 e Atenas-2004—, o velejador Robert Scheidt não está competindo nos Jogos Olímpicos pela primeira vez desde Atlanta-1996.
Aos 51 anos, o paulistano diz ter completado seu ciclo olímpico em Tóquio-2020, tendo inclusive estendido sua trajetória para muito além da média de idade dos atletas que competem em sua classe na vela, que costuma oscilar entre 25 e 30 anos.
“Não é que eu tenha largado a vela totalmente, continuo velejando, porque é a coisa que mais gosto de fazer, mas quanto à minha decisão de deixar as Olimpíadas, estou extremamente tranquilo e em nenhum momento questiono se gostaria de estar lá”, afirma Scheidt à Folha.
Ele fala também sobre a possibilidade de ter o recorde de maior medalhista olímpico do país superado na França. A ginasta Rebeca Andrade e o canoísta Isaquias Queiroz têm quatro medalhas cada e ainda podem ultrapassá-lo a depender dos respectivos desempenhos em Paris.
Scheidt reconhece que gosta de ser o brasileiro mais vitorioso em Olimpíadas, título que mantém desde Londres-2012, mas ressalta que ficará feliz e parabenizará o atleta que vier a superá-lo.
“Se eles conseguirem, espero que daqui a 5, 10, 15 anos, outro atleta brasileiro consiga ir lá e ganhar 10 medalhas olímpicas ou até mais. É assim que tem que ser, esse é o percurso que tem que acontecer, é o ciclo da vida”, diz o velejador, que acaba de lançar sua biografia “Robert Scheidt — O Amigo do Vento”.
Na entrevista, ele comenta também sobre os momentos mais marcantes vividos ao longo de sete Olimpíadas, e quais as melhores estratégias a serem adotadas pelos velejadores brasileiros em Marselha, onde estão sendo realizadas as competições de vela nos Jogos de Paris.
“Muita gente acaba tentando um algo extra ou excedendo no risco ou buscando uma manobra diferente, uma tática diferente porque está nas Olimpíadas e acha que aquilo é necessário e isso acaba gerando erros que poderiam ser evitados. Então a simplicidade seria a minha maior dica.”
Paris-2024 é a primeira edição das Olimpíadas que o você não disputa desde Atlanta-1996. Qual é o sentimento de não competir nos Jogos pela primeira vez em quase 30 anos? Bom, eu já terminei o ciclo de Tóquio-2020 aos 48 anos, fui oitavo colocado na classe Laser, que é uma classe onde a faixa média de idade gira entre 25 e 30 anos, então já consegui alongar minha carreira muito mais do que a grande maioria dos atletas da categoria. Outra coisa que também não possibilitou de eu ir ainda mais longe na minha carreira olímpica foi a retirada da classe Star dos Jogos Olímpicos. A classe Star foi retirada dos Jogos após 2012 e tive que voltar a competir na classe Laser, que eu já tinha deixado de competir desde Atenas-2004, então acabei tendo que voltar à classe que eu competia individualmente para o ciclo do Rio e de Tóquio. Não digo que seria impossível participar de Paris-2024, até seria, mas acho que seria muito difícil eu me colocar lá com chances de brigar por uma medalha olímpica.
Estou bem tranquilo com a minha decisão de não seguir nesse caminho, acho que tem outras coisas que posso fazer dentro da vela, barcos grandes, passar minha experiência para os jovens, continuar velejando localmente no Brasil. Não é que eu tenha largado a vela totalmente, continuo velejando, porque é a coisa que mais gosto de fazer, mas quanto à minha decisão de deixar as Olimpíadas, estou extremamente tranquilo e em nenhum momento questiono se gostaria de estar lá.
Quais foram os momentos mais marcantes que você viveu nas Olimpíadas? Todas as Olimpíadas tem uma história diferente, foram muitos momentos muito especiais, a primeira medalha de ouro olímpica, o bicampeonato olímpico. Até quando perdi a medalha de ouro para o inglês [Ben Ainslie] nas Olimpíadas de Sydney, é uma coisa que marcou muito para o lado da derrota, mas não deixa de ter sido uma experiência. De ter sido o porta-bandeira em Pequim-2008, de ter superado um problema físico antes de Pequim e ter conseguido competir apesar do mau estado físico, de ter voltado a competir no Rio de Janeiro na classe Laser e de ter saído de casa com quase uma medalha de bronze, por muito pouco que não ganho a sexta medalha olímpica, então foram muitos momentos marcantes. Também conheci a minha esposa no ciclo de Pequim, no ano antes das Olimpíadas, então é difícil dizer.
Seu recorde de maior medalhista olímpico do Brasil pode ser batido em Paris pela Rebeca Andrade e pelo Isaquias Queiroz. Caso isso ocorra, como será deixar de ser o maior medalhista olímpico do país? É difícil negar que gosto de ter esse título de maior medalhista olímpico da história do Brasil, mas não é isso que me motivou a seguir no olimpismo. A gente não pode se apegar a esse recorde, mais cedo ou mais tarde esse recorde vai ser quebrado e é assim que tem que ser no esporte. Se a Rebeca Andrade ou o Isaquias Queiroz conseguirem chegar na quinta, na sexta ou na sétima medalha olímpica nesses Jogos, vou ficar muito feliz por eles, dar os parabéns. E que bom que alguém do Brasil consiga atingir um número tão expressivo e superar a minha marca, mas isso não apaga de jeito nenhum o que fiz, pelo contrário. E se eles conseguirem, espero que daqui a 5, 10, 15 anos, outro atleta brasileiro consiga ir lá e ganhar 10 medalhas olímpicas ou até mais. É assim que tem que ser, esse é o percurso que tem que acontecer, é o ciclo da vida.
Qual sua expectativa para o desempenho do Brasil na vela em Paris? Acho que é uma equipe forte, com categorias novas entrando, o IQFoil, o Kite, em que temos uma grande força com o Matheus Isaac e com o Bruno Lobo, podem surpreender na Olimpíada. Martine Grael e Kahena Kunze são a dupla atual bicampeã olímpica [as brasileiras não tem mais chance de medalha em Paris-2024]. Acho que a equipe é boa, mas o resultado a gente nunca pode garantir, nas Olimpíadas tudo pode acontecer, muitas vezes os favoritos não ganham, acontecem zebras, vai depender muito da inspiração, da execução desses atletas em Marselha.
Qual o recado poderia passar aos atletas que vão velejar em Paris-2024? Acho que uma coisa muito importante é não alterar a maneira que a gente compete por ser a Olimpíada. Muita gente acaba tentando um algo extra ou excedendo no risco ou buscando uma manobra diferente, uma tática diferente porque está nas Olimpíadas e acha que aquilo é necessário e isso acaba gerando erros que poderiam ser evitados. Então a simplicidade seria a minha maior dica, de estar o mais bem preparado possível e encarar as regatas.
Quais foram os maiores diferenciais que fizeram com que você tivesse todo o destaque que alcançou no esporte? Tinha sempre um sonho, desde criança, de ir para as Olimpíadas. Esse sonho se forjou ao ver grandes atletas ganhando medalhas como o Joaquim Cruz, o Torben e o Lars Grael, foram atletas que me inspiraram para um dia me tornar um atleta olímpico. Depois vem todo o planejamento, a dedicação, a disciplina, a abdicação de certos prazeres, um compromisso que você tem que fazer com a sua performance, em ser o melhor atleta que você pode ser, de se entregar para aquilo, coloquei aquilo como o objetivo maior da minha vida e consegui moldar minha vida em torno daquele sonho e acho que essa entrega fez uma grande diferença.
Depois tive pessoas que me ajudaram muito como os treinadores, minha família, foram fatores importantíssimos. E tive um corpo que suportou o estresse desses treinamentos todos, não tive grandes lesões, o que me possibilitou realizar grandes sonhos na vela. Mas acima de tudo, nunca foi uma profissão, nunca fiz isso para ser famoso ou ganhar dinheiro, fiz porque realmente queria saber onde conseguiria chegar, a desenvolver meu potencial ao máximo e a lutar por conquistar coisas grandes no esporte, isso que me motivou. A motivação desse tipo, intrínseca, simples e com propósito, acho que ajuda muito à essa entrega, ao processo de você ser cada dia melhor.
Você acaba de lançar sua biografia “Robert Scheidt — O Amigo do Vento”. Quais os principais momentos retratados na obra? O lançamento do livro foi um passo importante, um projeto que nasceu quatro anos atrás, na época da pandemia, em que comecei a pensar nessa obra e me reuni com o Rafael De Marco [autor do livro], que foi uma pessoa importantíssima, que conseguiu traduzir todas essas histórias, toda essa trajetória antes das Olimpíadas, passando pelas Olimpíadas e o final da carreira, em palavras, em histórias, em capítulos, em um texto que ficou agradável para o leitor que conhece a vela e também para o que não conhece. A aceitação tem sido muito positiva, não só pela comunidade da vela, como também pela comunidade do esporte e a comunidade geral que aprecia o esporte como meio de vida, como saúde. Não posso dar muitos detalhes, mas convido vocês a lê-la, que acho que vão entender muitas coisas da trajetória de um atleta. E também têm algumas histórias que nunca havia contado para nenhum jornalista, só pessoas íntimas sabiam e agora abri no livro.
noticia por : UOL