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'Domo de Ferro' que Trump quer nos EUA inclui bases com lasers no espaço

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ordenou nesta semana o desenvolvimento do mais ousado escudo antimísseis da história do país, projetado para destruir mísseis hipersônicos e impedir a aniquilação nuclear.

Trump o apelidou de “Domo de Ferro americano” —uma referência ao renomado sistema de defesa antiaérea de Israel. Mas os planos para o sistema americano, que incluem a instalação de bases com armas a laser no espaço, estão muito mais próximos de um projeto proposto por Ronald Reagan em 1983, no auge da Guerra Fria, chamado de Guerra nas Estrelas.

Caso vá em frente, a versão trumpista do Guerra nas Estrelas custaria centenas de bilhões de dólares. Também enfrentaria desafios tecnológicos imensos.

Além disso, especialistas alertam que a iniciativa poderia levar a China e a Rússia a tomarem medidas que anulariam os efeitos do “Domo de Ferro americano”. Essa possibilidade foi um dos motivos pelos quais a ONG americana Boletim dos Cientistas Atômicos moveu o seu Relógio do Juízo Final para um segundo mais perto da 0h na semana passada.

Qual é o plano de Trump para o sistema antimísseis?

O decreto que o presidente dos EUA assinou em 27 de janeiro dá ao seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, um prazo de 60 dias para elaborar um plano para defender os EUA de ataques de mísseis balísticos, hipersônicos e de cruzeiro avançados.

O texto delineia um sistema amplo e extraordinariamente caro com esse fim. A tecnologia em que ele se baseia é muito mais avançada do que a israelense.

O Domo de Ferro do Oriente Médio defende áreas relativamente pequenas de mísseis de curto alcance que voam a baixa altitude e não são nucleares. A iniciativa americana, por sua vez, tem como objetivo interceptar mísseis balísticos intercontinentais, que viajam 100 vezes mais longe e 7 vezes mais rápido. Isso sem falar que o território dos EUA é quase 450 vezes maior que o de Israel.

O decreto ainda exige instalar interceptores no espaço sideral. Eles consistiriam em uma rede de satélites, alguns dos quais equipados com armas a laser, protegida por uma segunda linha de interceptores de menor altitude, para o caso de as armas falharem.

O documento assinado por Trump também requere equipamentos capazes de “derrotar ataques de mísseis antes de seu lançamento” —em outras palavras, um sistema que destrói não só a flecha, como também o arqueiro.

Analistas dizem que um escudo antimísseis à prova de tudo, baseado no espaço, é praticamente impossível.

Como funcionaria o escudo?

Detectar, interceptar e destruir mísseis nucleares balísticos quando eles estão na sua chamada fase de propulsão —o período de 3 a 5 minutos que antecede o momento em que eles entram em órbita— exigiria feixes de laser que atingissem alvos localizados a centenas de quilômetros deles. Não existe nenhuma tecnologia que faça isso atualmente.

Isso se deve em parte a um fenômeno chamado aquecimento térmico, que leva a energia de um laser a aquecer a atmosfera ao seu redor e, com isso, reduzir a potência de seu feixe. As perdas causadas por esse fenômeno são pequenas no espaço, onde praticamente não há gases, mas se tornam muito maiores quando o feixe atinge a atmosfera terrestre.

Os satélites que disparam os lasers ainda dependeriam de uma fonte de energia a ser definida, talvez reatores nucleares em miniatura ou um sistema avançado de painéis solares. “Isso não é impossível, mas exigiria um grande esforço de pesquisa e investimento que não poderia ser concluído a curto prazo”, afirma Fabian Hoffmann, especialista em mísseis do Projeto Nuclear de Oslo.

Quanto ele poderia custar?

Trump precisaria convencer o Congresso americano a bancar os custos do projeto.

Um relatório de 2012 da Academia Nacional de Ciências declarava que “mesmo um sistema de defesa simples e com capacidade limitada” baseado no espaço exigiria 650 satélites, o que custaria, no total, US$ 300 bilhões (R$ 1,8 trilhões).

Também alertava para o fato de que esse sistema de defesa seria vulnerável a armas antissatélite —caso das armas nucleares baseadas no espaço que, segundo a inteligência dos EUA, a Rússia desenvolveu recentemente.

“Defesas antimísseis baseadas no espaço foram repetidamente abandonadas porque são caras, muito desafiadoras tecnicamente e fáceis de derrotar”, diz Laura Grego, diretora de pesquisa do Programa de Segurança Global da ONG Union of Concerned Scientists, algo como união dos cientistas em alerta.

Um sistema terrestre seria mais prático?

Existem tecnologias de defesa antiaérea eficazes. A Ucrânia, por exemplo, foi bem-sucedida ao usar sistemas como o americano Patriot e o alemão Iris-T para destruir mísseis balísticos e hipersônicos russos que se aproximaram de seu território.

O problema, de novo, é o custo. Os EUA já têm um programa de defesa antimísseis baseado em terra de US$ 60 bilhões (R$ 350 bilhões), o GMD. Ele consiste em 44 interceptores que, localizados no Alasca e na Califórnia, foram projetados para derrubar mísseis de longo alcance quando eles estão na fase intermediária de suas trajetórias.

Como cada um desses interceptores custa mais de US$ 50 milhões (R$ 290 milhões), expandir o sistema para cobrir todos os EUA seria extremamente caro. “Não dá para posicionar defesas ativas para proteger todas as cidades, a infraestrutura crítica e as instalações militares”, diz Stacie Pettyjohn, do think-tank Center for a New American Security, centro para uma nova segurança americana.

Além disso, uma análise técnica de 2000 descobriu que mesmo um país menos desenvolvido como a Coreia do Norte poderia usar iscas e outras estratégias para confundir os interceptores, que são guiados por calor.

“Apesar de terem sido desenvolvido ao longo de décadas, os atuais sistemas de defesa antimísseis dos EUA talvez não sejam capazes de se proteger contra ameaças de Estados desonestos”, afirma Zhao Tong, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace, fundação Carnegie para a paz internacional.

“Estabelecer uma defesa abrangente contra os arsenais de mísseis da Rússia e da China, que são muito maiores, exigiria gastos astronômicos se não houvesse avanços tecnológicos sem precedentes”, acrescenta.

Como os adversários nucleares dos EUA poderiam reagir?

Mesmo um Guerra nas Estrelas 2.0 parcialmente bem-sucedido tiraria da Rússia e da China sua capacidade de retaliação. Isso poderia levar os países a embarcar em uma corrida armamentista acelerada para manter a paridade nuclear.

“Uma [potência nuclear] mostrar que tem tanto habilidade para se defender como para lançar o primeiro ataque é algo desestabilizador”, diz Manpreet Sethi, diretor do programa nuclear do Centre for Air Power Studies, algo como centro para estudos de estratégia aérea e defesa, em Nova Déli.

“Isso representa uma ameaça que grandes potências rivais não podem e não vão ignorar”, faz coro Eric Heginbotham, especialista em questões nucleares chineses do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. “Nossa intenção pode ser defensiva, mas independentemente disso, se nossas capacidades [militares] forem reais, elas serão consideradas uma ameaça crítica.”

Os oponentes dos EUA poderiam retaliar facilmente. A Rússia, por exemplo, poderia carregar os mísseis balísticos que já tem com mais ogivas nucleares, ou atacar locais mais frágeis em termos de defesa.

“Os adversários poderiam simplesmente redirecionar ataques para uma série de centros populacionais desprotegidos —tornando inútil a defesa de locais estrategicamente selecionados”, aponta Zhao.

Analistas argumentam que uma abordagem mais sóbria envolveria os EUA se juntarem à causa da limitação dos arsenais nucleares já existentes, algo que Trump apoiou em um discurso recente do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

As ameaças de mísseis convencionais poderiam, por sua vez, ser abordadas reforçando sistemas de menor altitude, baseados em terra ou em navios dos EUA.

O custo ainda seria enorme, mas a abordagem seria tecnicamente viável e poderia evitar uma nova corrida armamentista. “Os EUA deveriam se concentrar em fortalecer as defesas antimísseis de camada inferior enquanto se esforçam para manter o equilíbrio de poder atual no campo nuclear”, diz Hoffmann.

O projeto é potencialmente lucrativo para a SpaceX de Elon Musk?

O fato de parte do programa ser baseado no espaço exigiria o lançamento de centenas de satélites transportadores, um mercado atualmente dominado pela SpaceX de Elon Musk.

Embora o governo dos EUA trabalhe com outras empresas que também fazem esse serviço, os foguetes de Musk conseguem transportar quantidades maiores de carga útil e de volume e são consideravelmente mais baratos do que a maioria de seus concorrentes.

Eles também estão sendo lançados com muito mais frequência, tendo sido enviados para o espaço a cada três dias, em média, no ano passado.

“Muitas pessoas têm dinheiro a ganhar”, afirma Grego, da Union of Concerned Scientists.

Mas nem tudo seria lucro para Musk. A SpaceX já tem US$ 20 bilhões (R$ 117 bilhões) em contratos com o governo, e provavelmente teria que diminuir a quantidade de sistemas Starlink programados para serem lançados. Mas a constelação que provê internet por satélite para 2,6 milhões de usuários no mundo é a maior fonte de receita da empresa.

Tudo isso, supondo-se que o projeto apoiado por Trump, descrito por Grego como uma fantasia, será aprovado pelo Congresso e seguirá em frente.


Felicia Schwartz
, Joe Miller
, Steff Chavez
, John Paul Rathbone
, Ian Bott
, Michael Peel
e Kathrin Hille

noticia por : UOL

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