No Brasil, a ideia de que ter um diploma é a chave para garantir sucesso na carreira é senso comum —e desistir da graduação voluntariamente ainda é um tema sensível.
Mas o diploma, apesar de desejado, é reservado a poucos. De acordo com dados do IBGE, o percentual de pessoas com 25 anos ou mais com ensino superior completo era de 19,2% em 2022.
O Mapa do Ensino Superior, do Instituto Semesp, indicou, ainda, que, nos últimos anos, o ensino superior tem perdido força. O relatório analisou dados de 2017 a 2021 que apontam que 55,5% dos alunos desistiram da universidade e apenas 26,3% concluíram os cursos.
A decisão de desistir do ensino superior, na maioria das vezes, transita em três principais “faltas”: de interesse, de tempo de conciliar os estudos com a rotina de trabalho, e de dinheiro. O estudo do Instituto Semesp ainda mostra que, apesar da ensino superior privado corresponder a 80% da oferta, o número de bolsas concedidas pelo Fies e Prouni tem caído a cada ano.
Desistir do curso superior não é fácil e um dos momentos mais temidos pode ser o de comunicar a família. O carioca Derek Macedo França, 33, lembra que quando decidiu trancar a faculdade de matemática, que cursava na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a família ficou desapontada.
Ele diz que ouviu dos pais reclamações como “você conseguiu entrar em uma faculdade pública, muitos não conseguem”.
Derek lamenta que todas as pessoas sejam colocadas na mesma esteira, como se todas fossem iguais. “Os jovens são diferentes, mas sofrem pressão em casa. Muita gente estuda qualquer curso só por fazer. Ainda bem que consegui enxergar isso antes e larguei meu curso”, diz ele.
Ele entrou na universidade logo após a escola e no início do curso já começou a trabalhar como professor. Ao tentar conciliar as duas cargas horárias, viu que pouco do que aprendia na universidade aplicava na sala de aula.
Foi quando se encontrou com um colega fardado de bombeiro. Conversa vai, conversa vem, o amigo falou sobre a profissão. A fome se uniu à vontade de comer e no início de 2012, já no terceiro ano da graduação, ele decidiu largar o curso e prestou concurso para o Corpo de Bombeiros.
Hoje, atua como professor dentro do Corpo de Bombeiros e afirma que tem uma carreira gratificante. “Sou grato ao início da minha carreira que aprendi a ensinar, ao que aprendi na faculdade e também professores com os quais trabalhei na época. Isso tudo me fez trabalhar na área que gosto”, diz ele.
A decisão, porém, nem sempre é acompanhada de tanta certeza. Julia Nascimento, 27, teme que a falta de diploma afete sua chance de ser promovida no trabalho.
Ela cursou faculdade de letras com ênfase em alemão na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em meio à graduação, trancou o curso e retomou quando faltava apenas fazer o TCC (trabalho de conclusão de curso) e cumprir algumas horas extras. Porém, desistiu.
“É sempre um peso negativo”, diz. Ela critica o fato de que, em geral, o aluno é “cuspido da escola para faculdade sem conhecer nada” e já é obrigado a escolher uma profissão que vai determinar seu futuro.
“Quando eu desisti, minha vida andou”, diz ela. “Minha família perguntava, isso me atormentava e durante uma conversa informal dei a entender que tinha largado o curso.”
“Eu sabia que eles iam ficar tristes. É um tópico oculto nas conversas de família”, afirma. Hoje ela trabalha em um escritório de advocacia como analista de processos e a língua estrangeira faz diferença, pois muitos dos clientes falam alemão. Mas diz temer o futuro.
“Acho que para ter um aumento talvez isso pese. Eu também gostaria de morar fora do país e, para isso, ter um curso superior faria diferença no processo”, diz ela, que avalia fazer curso tecnólogo, que é considerado ensino superior pelo MEC (Ministério da Educação), mas dura entre dois e três anos.
Outro fator que pode influenciar na evasão da graduação é o cenário de empregos no qual os recém-formados são inseridos. Uma pesquisa da Geofusion, divulgada no fim do ano passado, cruzou dados do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho para investigar a transição dos recém-formados para o mercado de trabalho no Brasil.
O estudo, que usou como base dados de 2018, demonstrou que uma em cada dez pessoas formadas consegue ingressar no mercado de ensino superior.
Para a pesquisadora Isabela Cavalcanti de Albuquerque, o mercado tem aumentado os requisitos de vagas que seriam destinadas a quem cursou até o ensino médio. Assim, diz, é comum que um profissional que investiu na formação saia da universidade ganhando menos do que pagava na mensalidade.
“Isso também achata a régua para quem não tem graduação”, lamenta Albuquerque.
Há, ainda, especialistas que atribuem a falta de interesse a outros fatores, como o acesso a redes sociais e a vontade de criar o próprio negócio ainda cedo. A gestora de carreiras e neurocientista Andrea Deis avalia que parte da nova geração é influenciada pela ideia de que não é necessário uma educação formal para entrar no mercado de trabalho.
Mas ela alerta que, apesar de conseguir ganhar dinheiro, é uma geração que descobre a dificuldade técnica depois de fundar um negócio. “Eles começam muitas vezes de forma desorganizada, não sabem liderar ou fazer planejamento financeiro e, quando vão pedir ajuda, já é tarde demais.”
Claro que falta de identificação e escolha errada de curso influenciam nas decisões, mas a questão financeira sempre foi e ainda é a principal motivação para desistir de um curso.
Sergio Ricardo Sobrinho, 57, é dono de um centro automotivo em Jundiaí, interior de São Paulo, mas seu sonho era se tornar engenheiro agrônomo.
Após o colégio, ele ingressou na faculdade em Santo Antonio do Pinhal (SP) e começou a estudar o que mais amava.
Na época, o pai tinha acabado de se aposentar e estava bem financeiramente para manter os três filhos em faculdades privadas, mas a família não contava com o confisco das poupanças durante o governo Collor em 1990.
Quando isso aconteceu, o pai teve grande parte dos investimentos congelados. Com isso, passou a revender produtos para manter a família. Sergio acompanhava a rotina cansativa do pai e começou a ajudar em casa. “Fomos dormir bem de grana e acordamos com nada”, lembra.
Em determinado momento, ele notou que a situação não estava boa e decidiu abandonar os estudos. “Meu pai ficou insatisfeito, triste, não morreu feliz com essa decisão”, diz Sergio, que apesar disso conseguiu juntar dinheiro, abriu um negócio e passou a ajudar ainda mais dentro de casa.
“Não tenho dúvida de que teria sido um ótimo agrônomo, mas aprendi a gostar de trabalhar com aquilo que eu também amava, carros, e essa oportunidade abriu minha cabeça”, afirma Sergio.
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