MUNDO

Declaração final do G20 enfrenta problemas globais num mundo ainda profundamente desigual

Declarações de fim de cúpula do G20 não são documentos vinculantes do ponto de vista do direito internacional. Contudo, são preciosos indicadores de consensos, dissensos, ausências e linguagens cuidadosamente negociadas sobre o estado das relações internacionais e de seus futuros vetores de ação. A declaração de líderes do G20 do Rio de Janeiro, nesse sentido, não é exceção.

Marcada pela presidência brasileira, o documento tem como grandes pautas: (a) o combate à fome, à pobreza e à desigualdade; (b) a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e (c) a reforma da governança global.

Ainda assim, não faltaram referências a outros problemas globais como a questão dos conflitos que hoje afligem o mundo, como Ucrânia e Oriente Médio, e até mesmo a políticas comuns a serem adotadas para a regulação da inteligência artificial.

A declaração do G20 de 2024 confirma uma tendência de esverdeamento e de incremento da preocupação ambiental e climática como linha transversal que se faz presente em todos os âmbitos do texto final. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) cravam-se no centro de gravidade da declaração, uma vez que apenas 17% da meta dos ODS estimada para 2030 foi observada até o momento.

Há uma reafirmação dos regimes jurídicos internacionais para ampliar as ações urgentes para enfrentar as crises e os desafios impostos pelas mudanças climáticas, pela perda de biodiversidade, pela desertificação, pela degradação dos oceanos e da terra, pela seca e pela poluição. Tal inserção é pulverizada por amplas referências a princípios ambientais, como o fato de que as desigualdades que hoje afligem o mundo possuem uma dimensão intergeracional.

Naturalmente, por se tratar de um grupo de Estados de economias e panoramas sociais diversos, as maiores economias do mundo não falharam em reafirmar o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais.

O excepcionalismo de que um tratamento diferente deve ser dado a países diferentes descontenta parte do Norte Global [nações desenvolvidas], mas é um ponto de inflexão dos Estados do Sul [países em desenvolvimento]. Mesmo diante da divisão, reconhece-se que os problemas comuns que afligem o mundo só podem ser enfrentados por meio de um concerto multilateral e de iniciativas compartilhadas.

No fundo, existe uma distância que parece se agudizar entre os Estados desenvolvidos e em desenvolvimento dentro do próprio G20 que, apesar de reafirmar-se como o principal fórum para a cooperação econômica internacional, enfrentará desafios profundos na harmonização dos interesses desses mesmos países —problemas pelos quais também passa o Brics em sua modalidade expandida.

Nesse sentido, outra vitória do Sul Global na declaração é o reconhecimento de uma necessidade de reforma das instituições globais de modo a torná-las mais representativas, eficazes, transparentes e responsáveis, “refletindo as realidades sociais, econômicas e políticas do século 21”.

A mensagem é clara: o velho modelo quase oligárquico do concerto internacional pós-1945 não parece agradar a todos os membros do G20 e seus aliados. Daí a importância dada a reforçar a Assembleia-Geral da ONU, que tem ganhado força em resoluções e pedidos de opiniões consultivas.

Cheia de boas intenções, a declaração dos líderes do G20 deve aguardar o teste do tempo para verificar se as medidas propostas vão conseguir encontrar lastro na realidade. O problema é que tempo é uma especiaria valiosa num mundo que escala sua temperatura em virtude das já incontornáveis mudanças climáticas.

noticia por : UOL

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