Um relatório da Polícia Federal aponta suspeitas de que ex-integrantes da cúpula da Segurança Pública e do Ministério Público da Bahia atuaram para interferir em investigações de interesses de desembargadores que se tornaram alvos da Faroeste, a maior operação sobre venda de decisões judiciais do Brasil.
Esse relatório, assinado em 31 de julho pelo delegado federal Pancho Riva Gomes e obtido pela Folha, aponta os investigados como suspeitos de participar de organização criminosa e de outras irregularidades.
O principal mencionado é Maurício Teles Barbosa, delegado da PF que foi secretário da Segurança Pública da Bahia de 2011 a 2020, nos governos dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa. Atualmente, Wagner é líder do governo Lula (PT) no Senado, e Rui Costa é ministro da Casa Civil.
Durante a gestão de Barbosa, as estatísticas de homicídios no estado se elevaram e sua gestão antecipou a atual crise da segurança na Bahia, o estado com maior número absoluto de mortes violentas do Brasil desde 2019.
Barbosa foi exonerado da secretaria em meio às investigações da Faroeste e denunciado em 2021 sob acusação de participar de organização criminosa e de obstrução de Justiça. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) ainda não julgou se aceita a denúncia contra ele e, por isso, Barbosa não é réu.
Em 2023, segundo o UOL, o ex-secretário chegou a ser recrutado pela PF para uma missão oficial em Brasília.
Maurício Barbosa, de acordo com a investigação da Polícia Federal, é suspeito de atuar em favor de um grupo de desembargadores ligado a Adailton Maturino, empresário que ficou conhecido como “falso cônsul” por se apresentar sem autorização do Itamaraty como cônsul honorário da Guiné-Bissau.
Maturino é suspeito de ter bancado decisões favoráveis de desembargadores em um esquema de grilagem no oeste da Bahia, na divisa com o Piauí e Tocantins. Em 2018, ele recebeu a homenagem de “amigo da PM” de Maurício Barbosa.
O relatório da PF apresentado em julho tem como base quebras de sigilo, delações premiadas (inclusive de uma desembargadora que chegou a ser presa, Sandra Inês Rusciolelli) e depoimentos de pessoas que trabalharam com o ex-secretário.
A PF aponta suspeitas de que os desembargadores ligados a Maturino acionaram a alta cúpula da Segurança da Bahia para que fossem criadas operações policiais contra o grupo que disputava terras com o falso cônsul.
Em depoimento, um delegado da Polícia Civil, Jorge Figueiredo, disse que Barbosa e sua chefe de gabinete, Gabriela Caldas Macedo, solicitaram a instauração de investigação contra um grupo adversário de Maturino, sob a justificativa de que se tratava de uma organização criminosa no oeste da Bahia que grilava terras.
Figueiredo à época estava no Draco (Departamento de Repressão ao Crime Organizado). Ele afirma que chegou a participar de uma reunião com a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, então presidente do TJ e uma das pessoas ligadas ao falso cônsul, sobre o tema.
Maria do Socorro também ficou presa de 2019 a 2021. Ela sempre negou irregularidades. A defesa de Maturino também sempre negou que ele tenha cometido qualquer crime.
Segundo o relato do delegado Figueiredo, Maria do Socorro disse que contava com o apoio da Polícia Civil para debelar supostos crimes que ocorriam no oeste baiano.
A operação se chamou Oeste Legal. Enquanto ocorria, relatou Figueiredo, Barbosa fazia “ingerência sobre a investigação”, questionando se ele “não poderia representar pelas prisões dos envolvidos”. O delegado pediu apenas buscas e apreensões.
Depois, Figueiredo soube que Maurício Barbosa não estava satisfeito com o andamento das investigações e acabou isolado e exonerado de suas funções, e sua equipe, dissolvida.
A pedido de Barbosa, segundo a PF, houve ainda uma outra operação, chamada Fake News, que mobilizou a estrutura da Polícia Civil contra pessoas que elaboraram um panfleto que falava sobre a relação de Adailton Maturino com os desembargadores.
Tanto a operação Oeste Legal com a Fake News foram arquivadas por “ausência de indícios concretos relacionados à autoria delitiva”.
Outra frente apontada pelo relatório são as relações entre a chefia do Ministério Público da Bahia à época e a Secretaria da Segurança Pública comandada por Barbosa.
Em 2016, integrantes do Gaeco (grupo de combate ao crime organizado) do Ministério Público da Bahia deflagraram uma operação chamada Immobilis, contra Adailton Maturino e sua esposa, Geciane.
Isso aconteceu antes mesmo da primeira fase da Faroeste, cuja primeira etapa é de 2019.
Os indícios apontam que Maturino já sabia da Immobilis antes de ela acontecer, já que ele ligou para a desembargadora Maria do Socorro, para outro desembargador e para um homem de confiança de Maurício Barbosa na noite anterior à operação.
No dia da operação, Maturino fugiu. Mais tarde, conseguiu um habeas corpus em seu benefício.
O relatório aponta que, 20 dias antes da Immobilis, a chefe de gabinete de Barbosa, Gabriela Macedo, pediu informações por WhatsApp —meio não oficial— sobre a investigação sigilosa do Ministério Público para a chefe do órgão à época, Ediene Lousado.
Ediene encaminhou as informações: ela não só informou que havia a investigação, como disse ainda que tinha uma interceptação telefônica sobre Maturino.
Como a Folha revelou, Ediene Lousado chegou a pedir ao então corregedor nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, orientações sobre a possibilidade de o órgão abrir uma apuração contra um promotor que atuava na Operação Faroeste.
Procurado, o advogado de Maurício Barbosa, Sérgio Habib, disse que não tem conhecimento do relatório, mas que as acusações “não têm a menor procedência”.
“Essa investigação não pode ser levada em consideração, porque já existe uma denúncia em mãos do ministro Og Fernandes, do STJ, para ele decidir se marca uma data de julgamento sobre o recebimento ou não da denúncia”, afirma Habib.
“Essa investigação não tem a menor relevância no caso da Faroeste, porque surgiu depois de o Ministério Público ter apresentado a acusação.”
Em nota após a publicação da reportagem, a defesa de Barbosa acrescentou que o ex-secretário “à época não tinha qualquer atuação e interferência nesses inquéritos” e que voltou ao cargo na Polícia Federal por decisão do próprio STJ.
Também criticou o “vazamento de uma investigação criminal que tramita sob sigilo” e pediu apuração de responsabilidades.
Disse que foram “construídas narrativas sem qualquer base em fatos verídicos e que somente apresentam um lado das versões” produzidas por “desafetos que num determinado momento tiveram seus sórdidos propósitos desatendidos”.
Em depoimento à PF, Maurício Barbosa disse que a relação tanto com a desembargadora Maria do Socorro como com a procuradora Ediene Lousado era meramente institucional e negou ter mantido contato com Adailton Maturino.
Ele afirmou que não fez ingerências nas investigações da Polícia Civil e que a exoneração do delegado Figueiredo do Draco foi em função do desempenho insatisfatório que ele teve em contornar uma “greve branca” de policiais que estavam sob o seu comando.
A Folha também procurou a defesa de Ediene Lousado, que não se manifestou, e não conseguiu localizar a defesa de Gabriela Macedo.
À PF Lousado também disse que sua relação com Barbosa era institucional. Sobre as mensagens com Gabriela Macedo relacionadas a Adailton Maturino, ela inicialmente negou e, depois de confrontada com as informações, disse que a Operação Faroeste ainda não havia acontecido e que “a troca de informações entre as instituições era comum”.
noticia por : UOL