O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) aprovou decisão do serviço de aborto legal do Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, vinculado à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), de encaminhar vítimas de estupro com gestações acima de 22 semanas para o pré-natal.
Em relatório de vistoria realizada em novembro de 2024 e obtido pela Folha, o Cremesp afirma que o serviço “cumpre rigorosamente a legislação referente ao abortamento legal, quanto a idade gestacional permitida para a realização da interrupção legal da gravidez, ou seja, gestações com idade gestacional máxima de 22 semanas, com fetos de até 500 g. As gestantes com idade gestacional superior a 22 semanas são encaminhadas ao pré-natal”.
O documento afirma que não há limite de idade gestacional para interrupção em casos de risco de vida para a gestante e anencefalia fetal. Na conclusão, o relatório volta a afirmar que o serviço “cumpre, criteriosamente, a legislação vigente a respeito”.
Em novembro, a Folha revelou que o órgão solicitou acesso aos prontuários de todas as pacientes que realizaram aborto legal no serviço nos últimos 12 meses. Após a publicação, Moraes proibiu o Cremesp de obter os documentos.
O Código Penal brasileiro não estabelece limite de idade gestacional para o aborto legal em nenhuma das condicionantes permitidas, que são risco à vida da gestante, anencefalia fetal e vítimas de estupro.
No entanto, a interrupção depois das 22 semanas virou foco de intensa disputa política. Em junho de 2024, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou resolução que proibiu o uso da assistolia fetal em gestações depois deste marco. O procedimento é realizado nesses casos para interromper os batimentos cardíacos do feto e é recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
A resolução foi suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas gerou insegurança entre os profissionais do hospital. Um servidor que trabalha no serviço de aborto legal no local e preferiu não se identificar afirma que os médicos não realizam a interrupção da gravidez após 22 semanas por medo de perseguição do Cremesp.
O profissional afirma que o conselho considera boa prática encaminhar mulheres vítimas de violência que têm gestações acima da marca de 22 semanas para o pré-natal.
Segundo Fernanda Hueso, coordenadora-auxiliar do Nudem (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria de São Paulo, o hospital que não realiza o aborto legal acima das 22 semanas deve encaminhar as pacientes a outro serviço, não ao pré-natal.
“O encaminhamento direto ao pré-natal, sem que sejam prestadas informações e opções legais de escolha, representa uma violação de direitos e um retrocesso na proteção às vítimas de violência sexual”, afirma a defensora.
Ela diz que, segundo a legislação, “todos os hospitais referência deveriam fazer o procedimento sem limite de idade”. Em casos que isso não é possível, o serviço deve providenciar não só o encaminhamento, mas também “a transferência sem custo ou ônus para a paciente”.
O Cremesp foi questionado a respeito do relatório de vistoria e a aprovação dada ao serviço no encaminhamento para o pré-natal.
O conselho afirmou em nota que “o assunto em questão é objeto de discussão da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] 1141, em curso perante o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ilustríssimo ministro Alexandre de Moraes, razão pela qual só irá se manifestar diretamente nos autos”.
A ADPF mencionada pelo conselho diz respeito a ação impetrada pelo PSOL em abril de 2024, quando o partido pediu que fosse declara a inconstitucionalidade da norma do CFM que proibiu a assistolia fetal acima das 22 semanas de gestação.
Procurada sobre a não-realização da assistolia e o encaminhamento ao pré-natal, a Unicamp não se manifestou.
noticia por : UOL