Páginas de inclinação conservadora investem mais dinheiro e veiculam mais anúncios de publicidade patrocinada no Facebook e no Instagram do que progressistas no Brasil, de acordo com dados disponibilizados pela Meta (empresa dona das duas redes sociais) e analisados por uma entidade que pesquisa comunicação digital.
O volume de recursos aplicado pelos 20 maiores anunciantes conservadores, de 2020 a 2024, é 3,3 maior que o gasto por progressistas, nas contas do levantamento feito pelo projeto Brief, iniciativa ligada à Quid, uma organização da sociedade civil brasileira que se define como laboratório de comunicação de causas.
Para obter um retrato do que chamam de “disputa da opinião pública” e “embate comunicativo” nas redes, os pesquisadores se concentraram no conjunto de anunciantes que classificaram como “sociedade” e abrange páginas de ONGs, veículos de imprensa e produtores de conteúdo.
Ficaram de fora da análise as categorias “poder” (partidos, políticos e governos) e “mercado” (empresas, associações e canais comerciais).
O objetivo foi mergulhar na “disputa por corações e mentes”, excluindo páginas de cunho puramente eleitoral, vendas e promoção de marcas. Os anúncios podem ser segmentados pelos contratantes para que atinjam perfis específicos de usuários das redes sociais.
O ranking dos 20 maiores anunciantes envolvidos na guerra cultural dos campos ideológicos é encabeçado pela produtora Brasil Paralelo, referência no ramo de conteúdo voltado para a direita.
A empresa gastou R$ 26,6 milhões para impulsionar 75.391 anúncios entre agosto de 2020 e agosto deste ano —período para o qual há dados disponíveis na biblioteca de anúncios da Meta.
A segunda colocada, com cifras mais modestas, é a revista Oeste, também de tendência conservadora, que aplicou R$ 4,3 milhões em 2.194 publicações. Em terceiro aparece uma organização rotulada pelo estudo como progressista, o Greenpeace Brasil, com R$ 4,1 milhões e 5.879 anúncios.
No universo dos 20 principais anunciantes, os gastos foram de R$ 33,8 milhões por conservadores, R$ 10,3 milhões por progressistas e R$ 1,8 milhão por páginas classificadas como de centro.
Para o cientista social Ricardo Borges Martins, coordenador do levantamento, a predominância de conservadores no universo analisado é um indicativo de que esse segmento eleva o potencial de influenciar o debate público combinando alto investimento e sofisticação de estratégias.
Uma das táticas observadas nos anunciantes desse campo é que eles trabalham com uma quantidade maior de anúncios. As páginas criam diversos conteúdos similares, com pequenas variações, que são testados para descobrir qual tem melhor performance e deve receber um investimento superior.
“Há uma disposição maior do conservadorismo de entrar no debate público abordando diferentes temas, enquanto o lado progressista tem organizações que tendem a permanecer em suas pautas”, afirma ele, que define o próprio Brief como integrante do segundo grupo, mas diz que o levantamento levou em conta números fornecidos pela Meta e se norteou por critérios técnicos, sem interferência na base de dados.
A Brasil Paralelo, que os pesquisadores descrevem nas conclusões como uma produtora que pratica “revisionismo histórico” e apresenta “narrativas que contradizem pesquisas científicas estabelecidas”, figura no estudo como recordista absoluta de gastos no Brasil com conteúdo patrocinado na Meta.
O valor gasto pela produtora é maior do que o de todos os anunciantes, independentemente de categoria.
Seus R$ 26,6 milhões ultrapassam os R$ 11,3 milhões investidos pela Secretaria de Comunicação Social do governo federal, que é a segunda colocada geral, e os R$ 10,6 milhões da Ambev, empresa de bebidas e terceira no ranking.
Para efeito de comparação, o estudo mostra que a produtora despendeu muito mais do que a figura política que canalizou mais dinheiro para anúncios pagos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que colocou R$ 2,8 milhões em impulsionamento e alcançou o topo da categoria “poder”.
Em número de anúncios, a diferença para os demais contratantes de propaganda na Meta também é grande. Os 75 mil veiculados pela Brasil Paralelo superam com vantagem os 52 mil da segunda colocada no ranking geral, uma página voltada para concurseiros chamada Meu Preparatório.
O montante da produtora é tão superlativo que os responsáveis pelo levantamento simularam uma análise sem os dados dela, para conferir se a conclusão sobre a correlação de forças estaria distorcida. Mas, mesmo se os líderes Brasil Paralelo e Greenpeace forem excluídos, o predomínio dos conservadores se mantém, com um investimento de R$ 7,2 milhões, ante R$ 6,2 milhões dos progressistas.
O papel dos algoritmos na distribuição dos conteúdos não foi contemplado pelo levantamento, mas o coordenador afirma que conservadores e atores da extrema direita aparentam ter “uma compreensão melhor da dinâmica das redes sociais” do que o setor progressista.
“Eles têm se mostrado mais capazes de entregar conteúdos que impulsionam os algoritmos”, diz Martins.
Procurada, a Brasil Paralelo rebateu as descrições do estudo sobre a produtora e disse em nota que seus conteúdos “sempre rechaçaram qualquer linha extremista, seja ela à direita ou à esquerda” e se pautam pela “defesa ao império da lei, à democracia, à defesa da vida, da propriedade privada e do debate com alas de diferentes entendimentos”.
“O processo da empresa é rigoroso com a busca da verdade, sempre checando fatos, promovendo erratas quando necessário e se atendo ao melhor da historiografia e material de pesquisa disponível.”
A empresa também mencionou a linha progressista do Brief e afirmou que as opiniões do projeto “não buscam isenção do ponto de vista ideológico, mas, sim, o exercício de uma tese de poder”.
A produtora não respondeu diretamente às perguntas da Folha sobre suas estratégias de impulsionamento, limitando-se a dizer que seu modelo comercial é “orientado por honestidade editorial, satisfação do cliente e um desejo de um Brasil próspero, pacífico, democrático e plural”.
Maiores anunciantes na biblioteca de anúncios da Meta
1º – Brasil Paralelo – R$ 26,6 milhões – 75.391 anúncios
2º – Revista Oeste – R$ 4,3 milhões – 2.194 anúncios
3º – Greenpeace Brasil – R$ 4,1 milhões – 5.879 anúncios
4º – ICL (Instituto Conhecimento Liberta) – R$ 1,8 milhão – 6.109 anúncios
5º – Ranking dos Políticos – R$ 1,3 milhão – 1.324 anúncios
6º – Paulo Guedes – R$ 789,7 mil – 212 anúncios
7º – Vai Lá e Vota – R$ 769,8 mil – 71 anúncios
8º – Oxfam Brasil – R$ 759,2 mil – 4.106 anúncios
9º – Safernet Brasil – R$ 754,4 mil – 114 anúncios
10º – Todos pela Educação – R$ 694,2 mil – 379 anúncios
Divisão dos gastos entre os 20 maiores anunciantes
R$ 33,8 milhões
foi o total gasto pelos conservadores
R$ 10,3 milhões
foi o total gasto pelos progressistas
R$ 1,8 milhão
foi o total gasto pelos de centro
Fonte: dados da biblioteca de anúncios da Meta (ago.2020 a ago.2024) tabulados pelo projeto Brief
noticia por : UOL