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Coluna Prestes rachou Exército, que depois renegou seu líder por elo comunista

Quando foi designado pelo governo federal para combater tropas tenentistas rebeldes no interior do Paraná, em setembro de 1924, o então general Cândido Rondon não gostou da missão, que mais tarde consideraria a mais difícil de toda a sua vida.

Expulsos de São Paulo pelas tropas governistas na esteira da Revolta Paulista de 1924 contra o presidente Arthur Bernardes e a oligarquia da “política do café com leite”, os tenentistas no Paraná logo se juntariam ao braço revolucionário gaúcho comandado por Luís Carlos Prestes, formando a Coluna Prestes.

“Combater irmãos! Que dolorosa contingência para quem, como eu, vivera sempre embalado pelo sonho de merecer o nome de pacificador”, declarou Rondon, em depoimento registrado no livro “Rondon Conta sua Vida”, de Esther de Viveiros.

Os irmãos a que o expedicionário defensor dos povos indígenas se refere são os brasileiros de modo geral, mas em particular os seus colegas de Exército. Porque os rebeldes eram jovens oficiais que lideraram o tenentismo e a Coluna Prestes. Estes, por sua vez, queriam derrubar o governo, mas, tal qual Rondon, de preferência sem matar seus camaradas.

“A ideia de Rondon era ficar ali enrolando, desgastar o moral do inimigo, deixar que ficasse sem suprimento até se render”, relata o historiador Elonir José Savian, major da reserva do Exército e autor de “Legalidade e Revolução: Rondon Combate Tenentistas nos Sertões do Paraná (1924/1925)”, publicado pela Biblioteca do Exército.

O governo mandou então outros dois generais para obter algum êxito na campanha que antecedeu a Coluna. Na verdade, conta Savian, nem os revoltosos nem os governistas queriam combater.

“Alguns eram amigos entre si. Ficavam nas trincheiras disparando para cima, conversando e enrolando. Os revolucionários queriam a adesão dos legalistas. E os legalistas queriam postergar até que os revolucionários desistissem.”

O mesmo ocorreu, até certo ponto, com a Coluna Prestes. “Ela passava, e os legalistas iam atrás, mas quase nunca entravam em confronto. A ideia era acompanhar, não entrar em combate.”

O fato é que houve sim combates, alguns cruentos, entre os rebeldes liderados por militares e os militares oficiais (além de jagunços de coronéis pelo país afora).

Seja como for, desde o seu princípio, há 100 anos, a Coluna Prestes causou cisões internas no Exército.

Após seguidas tentativas de tomar o poder, começando pelo levante do Forte de Copacabana, em 1922, os tenentistas chegaram lá com a chamada Revolução de 30. Muitos integrantes do movimento, inclusive da Coluna Prestes, ascenderam junto com Getúlio Vargas, mas também líderes militares que os combateram, como Góis Monteiro –principal garantidor do novo governo na caserna.

Ocorreu então uma união de ocasião. “Há, a partir de 1930, uma tentativa de acabar com as dissidências dentro do Exército. Então, a Coluna Prestes passou a ser esquecida oficialmente”, observa Savian.

Biógrafo do líder (“Luís Carlos Prestes, Um Revolucionário Entre Dois Mundos”, Companhia das Letras), o historiador Daniel Aarão Reis, professor titular aposentado da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que, na memória do Exército, o tenentismo teve “altos e baixos”.

“Foi muito prestigiado no contexto dos anos 20 [pelas baixas patentes], na Revolução de 30 e até meados dos anos 30. Depois, sob comando de [Eurico Gaspar] Dutra e Góis Monteiro, que não haviam participado do tenentismo, passou a prevalecer uma política disciplinar bem estrita”, explica.

Em linha com o lema cunhado por Góis Monteiro de que a política no Exército daria lugar à política do Exército, acrescenta Aarão Reis, não era possível celebrar um movimento de indisciplina e questionamento dos altos mandos militares.

“Mais tarde, no entanto, com veio nostálgico, o tenentismo seria lembrado por seus protagonistas como um movimento positivo, preocupado com a soberania nacional, o respeito aos resultados eleitorais e à honestidade no trato dos dinheiros públicos.”

Presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, o general da reserva do Exército Marcio Tadeu Bergo exprime essa aura positiva sobre o movimento que ainda vigora entre fardados, destacando que os tenentistas eram “jovens idealistas, buscando melhorias e atualizações nas estruturas do Brasil”.

“Tinham ideais e, no pensamento da época, julgavam que modificações poderiam ser implementadas pela força. Combatiam a corrupção, eleições fraudulentas, analfabetismo, lutavam pelo voto secreto, por infraestrutura, distribuição de renda. Um ideário avançado, com medidas necessárias a um país atrasado.”

Mas há uma distinção clara entre a imagem do tenentismo e a da Coluna Prestes, uma de suas mais célebres expressões –foi a maior marcha militar já realizada no país, percorrendo 25 mil km em quase três anos. Por causa justamente do oficial que acabou por emprestar-lhe o nome.

A conversão de Prestes em maior líder comunista do país mudaria o conceito da Coluna entre integrantes do Exército e arruinaria a imagem do antes admirado oficial.

Diferentemente de outros líderes da marcha, como Juarez Távora e Cordeiro de Farias –até hoje celebrados na caserna–, Prestes “vai cair em desgraça e ser renegado na história do Exército. Tipo Lamarca, ambos considerados traidores”, aponta Savian.

Ironicamente, deveu-se ao Exército a consagração do nome da marcha como Coluna Prestes, em detrimento de Coluna Miguel Costa-Prestes, como também é conhecida, graças ao seu comandante, o major da Força Pública paulista [equivalente hoje à Polícia Militar] Miguel Costa.

Prestes foi o chefe do Estado-Maior da rebelião e seu grande estrategista.

“Os oficiais de baixa patente, tenentes e capitães desenvolveram uma certa veneração por Prestes e pela Coluna. Em parte e, por algum tempo, foram os responsáveis pela denominação Coluna Prestes, apagando Miguel Costa, pois não pegava bem um oficial da Força Pública comandando oficiais do Exército”, relata Aarão Reis.

Mais tarde, completa o historiador, coube aos comunistas silenciar o nome de Miguel Costa.

“Costa aderiu ao Partido Socialista. Os comunistas não aceitariam que um chefe comunista tivesse sido dirigido por um socialista oficial da Força Pública. Assim, e por diferentes motivos, oficiais do Exército e comunistas se dariam as mãos para silenciar sobre o papel de Miguel Costa.”

No livro “Introdução à História Militar Brasileira”, de Durland Puppin de Faria, adotado pela Aman (Academia Militar das Agulhas Negras, principal escola de formação de oficiais do Exército), que reserva palavras elogiosas ao tenentismo, há, por outro lado, menção simplista e nada gloriosa à grande marcha.

“A Coluna Costa-Prestes”, escreve o autor, procurou “levantar a população contra o governo federal. Sem sucesso e depois de muitas escaramuças com forças legalistas, seus integrantes exilaram-se no Paraguai e na Bolívia”.

Procurado para comentar a imagem atual da Coluna Prestes e do tenentismo na corporação, o Exército informou que “não há posicionamento institucional sobre os temas”.

noticia por : UOL

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