De conserto grátis de bicicletas para estimular esse meio de transporte a cantinas escolares livres de produtos ultraprocessados, 74 cidades pelo mundo estão desenvolvendo ações de saúde pública para se tornarem mais saudáveis. No Brasil, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Fortaleza (CE) integram a lista.
Esses municípios fazem parte de uma rede global, chamada de PHC (Partnership for Healthy Cities), que busca reduzir o impacto das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e outras lesões, que juntas respondem por mais de 80% das mortes passíveis de prevenção, por meio de adoção de políticas urbanas de saúde.
Na semana passada, representantes de mais de 50 delas estiveram reunidos na Cidade do Cabo, na África do Sul, para a troca de experiências e o compartilhamento de resultados e de desafios que enfrentam.
Os projetos atuam na prevenção de doenças como câncer, diabetes, doenças cardíacas e pulmonares e lesões causadas pelos acidentes de trânsito e overdoses.
O Brasil, por exemplo, apresentou resultados de projetos focados no combate ao tabagismo, em especial os cigarros eletrônicos que ganham cada vez mais adesão entre os jovens e no monitoramento da qualidade do ar. Mas há outras iniciativas em curso, como ações para proibir o consumo de produtos ultraprocessados nas escolas.
A iniciativa é apoiada pela Bloomberg Philanthropies em parceria com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Vital Strategies, uma organização global de saúde.
“Muitos gestores públicos ainda acreditam que prover saúde é só ter bons hospitais e outros serviços, quando na verdade temos que atuar firmemente na prevenção de fatores que levam as pessoas a adoecerem”, afirma Etienne Krug, diretor do departamento de determinantes sociais da saúde da OMS.
Segundo ele, todas as ações envolvidas nessa parceria de cidades saudáveis estão amparadas em dados científicos que mapeiam os problemas e as pessoas mais afetadas e, depois, o impacto que as intervenções causam sobre elas.
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Krug diz que a iniciativa enfrenta desafios, como a ignorância da população sobre fatores de risco e a resistência na mudança de hábitos, além da pressão da indústria do tabaco, de bebidas, de alimentos ultraprocessados, veículos automotivos, entre outras, já que ações contrariam interesses financeiros.
“Os governos precisam criar regulamentos e leis que enfrentem isso e apoiem a saúde, que é o mais primordial.”
Ariella Rojhani, diretora do PHC da Vital Strategies, diz que a iniciativa dá suporte para que os governos municipais tenham políticas bem definidas para mitigar os conflitos de interesses que possam contrapor as ações de saúde pública.
“É muito difícil, especialmente quando companhias privadas, que têm interesses comerciais, subsidiam programas, equipamentos públicos.”
Kelly Larson, líder em prevenção de acidentes da Bloomberg Philanthropies, diz que outra importante ação apoiada pela PHC é a redução do limite da velocidade nas vias urbanas.
“O excesso de velocidade é responsável por metade das mortes de motociclistas e motoristas. Se reduzirmos o limite, veremos a redução de mortes também.”
Segundo ela, as evidências científicas mostram que 30 km/h é a velocidade ideal para as ruas urbanas, e 50 km/h nas vias expressas.
Larson reconhece, no entanto, que a medida é impopular. “Há muita pressão política. As pessoas não querem reduzir a velocidade. Mas isso salva vidas e nós sempre encorajamos os líderes políticos a adotar a medida.”
Uma outra ação é pressionar a indústria automobilística para produzir veículos mais seguros. “Cerca de 80% dos países no mundo não possuem padrões federais de segurança. O carro vendido nos Estados Unidos tem airbags, dispositivos para a proteção de pedestres, muito mais proteção do que veículos vendidos para outros países.”
No projeto, cada cidade seleciona uma de 14 intervenções que comprovadamente previnem as DCNTs e acidentes e tem apoio financeiro e técnico para a criação e implementação de suas políticas públicas.
Entre as ações pelo mundo, há algumas que o Brasil já adota, como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança e do capacete e a proibição do cigarro em ambientes fechados, temas que ainda são desafios em outros lugares.
Há outras políticas bem inovadoras e de baixo custo. Em Freetown, na Serra Leoa, por exemplo, que enfrenta altas taxas de AVC (Acidente Vascular Cerebral), enfermeiros e nutricionistas capacitam vendedores de mercados sobre os perigos do excesso de sal e eles, por sua vez, partilham dicas com os clientes, incluindo como cozinhar pratos tradicionais substituindo o sal por outros temperos.
O município de Córdoba, na Argentina, aprovou uma lei proibindo a venda de bebidas açucaradas e produtos ultraprocessados nas escolas e está numa cruzada para tornar esses ambientes mais saudáveis, envolvendo diretores, professores, pais de alunos e os cantineiros. Ao menos 40% dos escolares do país estão com sobrepeso ou obesidade, segundo uma pesquisa nacional.
“A primeira medida foi assegurar água potável, na temperatura adequada [fria] e de forma gratuita. Depois a conscientização. Muitos ainda desconhecem os malefícios dos ultraprocessados”, diz Angel Fiore, diretor de qualidade de alimentos de Córdoba.
Para estimular o uso da bicicleta como meio de transporte, Santiago de Cali, na Colômbia, passou a oferecer consertos gratuitos às pessoas que estavam com suas bikes quebradas e sem dinheiro para arrumá-las. Cidades brasileiras como São Paulo e Fortaleza também desenvolvem ações para promover a mobilidade segura e ativa.
Fortaleza também está monitoramento a qualidade do ar e avaliando o impacto dos poluentes na saúde. Segundo Victor Macedo, vice-presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza, havia um paradigma de que esse não era um problema importante na cidade, mas os dados mostraram um cenário diferente.
Em conjunto com a Universidade Federal do Ceará, a prefeitura desenvolveu 30 monitores de baixo custo para avaliar a qualidade do ar.
A cidade está dentro da média de emissão de materiais particulados aceitável pela OMS (15 microgramas por metro cúbico), mas nos horários de pico os valores dobram (chegam a 30).
As crianças são as mais afetadas pela poluição urbana. Segundo Macedo, a principal causa de internação infantil até os dez anos no município são os problemas respiratórios.
“Estamos cruzando esses dados com os locais onde eles ocorrem de maneira mais grave para direcionar das políticas públicas de mobilidade, de meio ambiente e de saúde para mitigar esses problemas.”
Com o Rio de Janeiro, a parceria envolve ações antitabagistas. Entre elas, está o aumento da fiscalização nos pontos de venda, banindo, por exemplo, propaganda irregular. As intervenções também incluem cigarros eletrônicos e narguilés. Agora, eles aparecem ao lado dos cigarros nos cartazes de “proibido fumar”.
“Muitas pessoas ainda acham que os DEFs [dispositivos eletrônicos para fumar] são vapores de água, que não fazem mal à saúde, e por isso podem ser usados em ambientes fechados”, conta Aline Pinheiro Borges, presidente do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro.
Como os DEFs são ilegais no país, têm sido feitas em conjunto com a Secretaria Municipal de Ordem Pública do Rio. A proposta agora é analisar as substâncias contidas nesses dispositivos contrabandeados.
“Muitos pensam que são isentos de nicotina, mas a gente sabe que eles utilizam sais de nicotina com concentrações muito maiores, que viciam mais rápido. O impacto à saúde é muito maior”, diz Borges.
A repórter Cláudia Collucci viajou para Cape Town a convite da PHC (Partnership for Healthy Cities)
noticia por : UOL