Diante do palácio presidencial em Brasília, um triunfante Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contemplou o complexo ato de equilíbrio à sua frente.
“O mundo espera que o Brasil seja novamente um líder na luta contra a crise climática”, disse à multidão em sua posse em janeiro do ano passado. “E um exemplo de um país social e ambientalmente responsável, capaz de promover o crescimento econômico.”
A eleição que devolveu Lula ao poder foi descrita como crucial para o destino do planeta. Seu rival derrotado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, foi acusado de fechar os olhos para a destruição crescente da Amazônia —maior floresta tropical do mundo e uma fortaleza contra o aquecimento global devido à capacidade de absorver e armazenar grandes quantidades de dióxido de carbono.
Lula, que já esteve no cargo entre 2003 e 2011, se apresentou como um campeão ambiental. Neste mandato, já alcançou uma queda significativa no desmatamento da Amazônia e delineou amplos planos para a economia verde.
No entanto, uma tensão incômoda está no centro das aspirações do governo para a liderança climática global: o petróleo.
Enquanto o Brasil busca bombear volumes crescentes de petróleo de plataformas offshore, o governo quer levar o país do oitavo para o quarto lugar no ranking de produção de petróleo no mundo. Lula vê o setor como um pilar central do crescimento econômico do Brasil.
Há um incentivo para identificar novos depósitos sob o leito marinho —incluindo um plano controverso para perfurar petróleo em águas profundas na Foz do Amazonas.
Para ativistas, as propostas entram em conflito com as alegações de sustentabilidade de Lula. “Não há coerência alguma”, diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da organização Observatório do Clima. “Você não pode ser um líder em meio ambiente e clima e ao mesmo tempo se tornar um mega produtor de petróleo.”
Enquanto o Brasil se prepara para sediar a conferência climática da ONU do próximo ano, a questão ameaça ofuscar o momento culminante da diplomacia ecológica de seu governo de esquerda.
Enquanto Lula apostou sua reputação internacional no meio ambiente, em casa ele precisa cumprir as promessas de aliviar a pobreza. Muitos em seu partido e além veem as riquezas petrolíferas do Brasil como um ingrediente-chave para o desenvolvimento nacional.
Aqueles a favor de explorar a riqueza de hidrocarbonetos dizem que, mesmo com a expectativa de queda do consumo global de petróleo durante a transição energética, ele ainda fará parte da mistura mundial por décadas. Eles argumentam que os lucros das vendas de petróleo e gás podem ajudar a financiar a transição brasileira, impulsionando suas credenciais de baixo carbono.
O país lidera o G20 em eletricidade renovável, que forneceu 89% de sua energia em 2023, de acordo com o think tank de energia Ember. O governo Lula se comprometeu a acabar com o desmatamento até 2030 e revisou para cima suas metas de redução de emissões.
“Não há contradição em nossa política nacional de energia”, diz o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que argumenta que o Brasil deve ser “pragmático”.
“Estamos colocando a política de transição em prática, mas não podemos pagar o preço sozinhos. Por que os Estados Unidos e a Arábia Saudita podem continuar sendo fornecedores de petróleo e não o Brasil? É uma discrepância e muitas vezes há uma demanda hipócrita de países que não têm petróleo, como a França.”
Uma série de eventos climáticos extremos no Brasil ao longo do último ano, ligados por cientistas às mudanças climáticas —incluindo secas, inundações e ondas de calor— têm injetado maior urgência no debate. Incêndios florestais massivos espalharam fumaça por grandes áreas do país nas últimas semanas.
Carlos Nobre, cientista de sistemas terrestres da USP (Universidade de São Paulo), diz que com o aumento das temperaturas globais ocorrendo mais rapidamente do que previsto anteriormente, “não faz sentido” buscar novas explorações de hidrocarbonetos, no Brasil —ou em qualquer outro lugar.
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A conexão pessoal de Lula com o petróleo remonta ao seu primeiro mandato, quando a Petrobras descobriu o pré-sal na costa do Rio de Janeiro em 2006. Anunciada como uma das maiores descobertas deste século, Lula declarou que isso provava que “Deus é brasileiro”.
Enquanto o dinheiro do petróleo ajudou a financiar programas sociais nos governos liderados pelo PT, a euforia não durou. Primeiro, uma queda nas commodities interrompeu o boom econômico do Brasil.
Depois, o escândalo de corrupção centrado na Petrobras levou à prisão dezenas de empresários e políticos, incluindo Lula, cujas condenações foram anuladas em 2021. Sob o governo do PT, a empresa também sofreu interferência política e má gestão.
Hoje, o petróleo é a segunda maior exportação do Brasil, depois da soja, sendo a China de longe o maior comprador. O setor representa cerca de 10% do PIB.
A produção diária foi de 3,2 milhões de barris em junho, cerca de 3% do total mundial. A maior parte vem do pré-sal, dominado pela Petrobras em parcerias com grandes empresas como Shell, TotalEnergies e Cnooc, da China.
“Não era sempre uma conclusão óbvia que o Brasil se tornaria uma superpotência do petróleo”, diz Schreiner Parker, da consultoria Rystad Energy. “Os custos de desenvolvimento dos ativos do pré-sal eram enormes, exigindo um grande investimento de capital. Estamos começando a ver os frutos disso agora.”
Especialistas em energia dizem que o fornecimento futuro de petróleo precisará ser barato e ter uma pegada de carbono menor para permanecer competitivo com as energias renováveis em meio a impostos sobre carbono e uma eventual queda na demanda. Os defensores do pré-sal dizem que ele é idealmente adequado.
Plataformas flutuantes conectadas a poços em águas profundas desfrutam de enormes economias de escala que reduzem os custos unitários. O processo para extrair um barril de petróleo do pré-sal emite de 8kg a 9kg de CO2, cerca da metade da média global, segundo a Rystad.
“Se o mundo demandar petróleo, [o Brasil] pode dizer, ‘Por que eu não deveria ser o produtor quando temos emissões realmente boas em comparação com outros produtores?'” diz Francisco Monaldi, especialista em energia da América Latina na Universidade Rice em Houston.
Com a previsão de pico na produção de petróleo do Brasil até o início da próxima década, que será seguida por queda, tanto a Petrobras quanto Brasília anseiam a reposição das reservas.
A grande esperança é a margem equatorial: um trecho de 2.200 km do Atlântico ao largo da costa norte do país, em alguns dos estados mais pobres do Brasil.
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As cinco bacias dentro desta nova fronteira podem conter 10 bilhões de barris recuperáveis de petróleo, exigindo um investimento de R$ 308 bilhões, estimou o Ministério de Minas e Energia. Isso poderia aumentar as reservas provadas do Brasil em mais de um terço e resultar em R$ 1,1 trilhão em receitas fiscais, estimou. Silveira chamou isso de “um passaporte para o futuro”.
A Petrobras dedicou dois quintos de seu orçamento de exploração de R$ 41,2 bilhões ao longo de cinco anos à zona. Ela começou a perfuração exploratória em águas profundas em uma das bacias este ano e confirmou a presença de petróleo.
No entanto, existem obstáculos para a seção mais valorizada: a bacia da foz do rio Amazonas.
“Acredita-se que seja uma das regiões mais promissoras na Margem Equatorial Brasileira, pois compartilha geologia com a vizinha Guiana, onde a ExxonMobil está desenvolvendo campos enormes”, diz Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
No entanto, os reguladores rejeitaram, no ano passado, um pedido da Petrobras para obter a licença para perfurar um poço exploratório lá, em um bloco que a empresa diz estar a 500 km da foz do rio e a 160 km da costa do Amapá. O caso se tornou um ponto de conflito mais amplo.
Ativistas afirmam que a perfuração representa riscos para áreas biodiversas e ecologicamente sensíveis próximas ao estuário, que também abriga comunidades pesqueiras, manguezais, recifes de coral e golfinhos. Eles alertam que qualquer vazamento poderia ser levado longe pelas correntes.
O Ibama citou a falta de estudos aprofundados sobre a adequação da região para a produção de petróleo, possíveis impactos nas populações indígenas devido a voos e planos insuficientes para proteger a vida selvagem em caso de vazamentos. Um recurso da Petrobras está sob consideração.
Analistas do setor destacam a longa experiência e expertise da Petrobras em alto mar. A empresa, que recusou pedidos de entrevista, do FT insiste que pode conduzir a atividade com segurança e afirmou que não pretende perfurar em regiões costeiras ou próximas a áreas sensíveis.
Sua nova CEO, Magda Chambriard, disse recentemente que 10 anos já foram perdidos desde que o bloco em questão foi leiloado em 2013.
TotalEnergies e BP tinham interesse na bacia, mas desistiram após abandonar esforços para obter licenças. “Não é crível que três grandes empresas de petróleo não estejam cumprindo seu papel em termos de licenciamento”, disse Chambriard em junho.
Com o desenvolvimento esperado para levar vários anos a partir da primeira aprovação de perfuração, o medo é que o momento possa escapar. As perspectivas offshore do Brasil levam mais tempo e mais capital para serem implementadas em comparação com as jazidas de xisto dos EUA ou da Argentina, observa Monaldi.
“Até que desenvolvam a Margem Equatorial, pode ser que a demanda por petróleo tenha enfraquecido e poucos investidores estejam dispostos a arriscar ativos encalhados.”
Os funcionários insistem que o pedido de perfuração na Foz do Amazonas seja decidido com base em critérios técnicos e não políticos. Mas para aqueles dos dois lados do debate, isso será um teste decisivo da credibilidade ambiental de Lula ou de seu compromisso em impulsionar o progresso econômico.
“O que não podemos dizer é que, a priori, vamos desistir de explorar essa riqueza, que, se as previsões forem verdadeiras, será muito grande para o Brasil”, disse o presidente em junho. “É contraditório? É, porque estamos investindo muito na transição energética. Mas enquanto a transição energética não resolver nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo.”
Dentro do governo, existem visões diferentes. Uma abordagem mais cautelosa é dada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que já pediu um “teto” para a exploração de petróleo.
“Mesmo que consigamos eliminar as emissões de CO2 devido ao desmatamento, se o mundo não parar de emitir CO2 devido ao uso de carvão, petróleo e gás, as florestas serão destruídas da mesma forma. Então é um desafio para a humanidade”, diz ela.
Silva evita declarar uma posição sobre a nova frente de petróleo no Atlântico. Ela diz que o debate não pode ser reduzido a um país e pede que as nações ricas ajudem a financiar a transição verde do mundo em desenvolvimento, mas é clara sobre as obrigações coletivas: “Um compromisso foi feito durante a COP28 [em 2023], juntamente com todos os países signatários, de que devemos fazer a transição para o fim do uso de combustíveis fósseis.”
Na mesma cúpula climática da ONU, o Brasil enfrentou protestos de ativistas depois de anunciar que iria se aproximar do cartel de petróleo da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) como observador e não sujeito às suas cotas de produção. Lula justificou isso como uma forma de influenciar os países produtores de petróleo a investir mais em energias renováveis.
O Brasil já direciona parte das receitas do pré-sal para um fundo de gastos sociais e isso poderia ser expandido para incluir projetos ecológicos, diz o ministro Silveira.
“Se [Lula] destinar uma quantidade significativa desses recursos para reduzir as emissões da agricultura e do desmatamento, ele poderia alcançar um resultado líquido melhor”, diz Monaldi, referindo-se à origem da maioria dos gases de efeito estufa do Brasil.
Mas, dadas as finanças públicas tensas do país, para ser credível, serão necessários limites claros sobre como os recursos serão utilizados, acrescenta ele.
A Petrobras diz que está investindo em alternativas mais verdes, tendo dobrado seu valor para projetos de baixo carbono para R$ 63,3 bilhões ao longo de cinco anos. Mas os críticos argumentam que a quantia é insignificante em comparação com os R$ 401,9 bilhões dedicados à exploração e produção no mesmo período.
Ao inspecionar um trator capotado coberto de lama, Otavino Vedovatto relatou o impacto do pior desastre natural na história do Rio Grande do Sul alguns meses atrás.
Inundações extremas destruíram campos de arroz em sua fazenda em Eldorado do Sul. Todos os frangos e porcos se afogaram e máquinas foram danificadas.
“A natureza nos deu sinais”, diz o morador de 57 anos de um assentamento estabelecido pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). “Ela está cobrando um preço pelas ações dos seres humanos.”
Foi a quarta inundação significativa a atingir a região em menos de um ano. Uma estimativa colocou a conta de reconstrução em R$ 110 bilhões e há avisos de que lares, empresas e cidades inteiras em risco de futuras ocorrências podem precisar se mudar.
A mudança climática tornou as chuvas mais prováveis no estado, de acordo com um estudo do World Weather Attribution, que fez descobertas semelhantes em relação a uma seca excepcional na bacia do rio Amazonas e incêndios nas áreas úmidas tropicais do Pantanal.
Enquanto isso, o recurso pendente de perfuração pela Petrobras continuará pairando sobre a contagem regressiva para a COP30, que deve ocorrer em Belém em novembro de 2025. Embora um oficial do ministério do meio ambiente tenha sugerido que a decisão possa ser adiada até depois da conferência, o ministro de Minas e Energia disse ao FT que acredita que a questão será resolvida este ano.
“Para o Brasil liderar a COP30, não poderia ser um país ainda defendendo o aumento de emissões por combustíveis fósseis”, diz Nobre. “Realmente temos que chegar a zero, porque temos um tremendo potencial com energia renovável e espero que o governo de Lula siga nessa direção.”
Em seu discurso de posse, o presidente disse que “nenhum outro país tem as condições como o Brasil para se tornar uma grande potência ambiental”.
Em um ato de equilibrismo entre preservação ambiental e crescimento econômico, Lula em breve terá que convencer o mundo exatamente o que isso significa.
noticia por : UOL