O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) subiu o tom contra Ricardo Nunes (MDB) com o avanço das investigações sobre o golpismo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, durante entrevista à Folha, disse que o prefeito se omite e deixa dúvidas sobre seu comprometimento com valores democráticos. Procurado, Nunes chamou o rival de invasor e disse ser do partido da democracia.
Apoiado pelo presidente Lula (PT), Boulos explora a ligação de Nunes com Bolsonaro como estratégia para desgastá-lo. O ex-presidente, que apoia o pré-candidato à reeleição, convocou apoiadores para uma manifestação em sua defesa no próximo dia 25, na avenida Paulista. O emedebista é pressionado a ir.
Nunes evitou comentar a operação da Polícia Federal do último dia 8 que mirou Bolsonaro, auxiliares e militares por suposta participação em uma trama para anular o resultado da eleição e dar um golpe de Estado.
O prefeito inicialmente se recusou a abordar o assunto e depois adotou um discurso de respeito à presunção de inocência prevista na Constituição e confiança no Judiciário, sem emitir opinião.
“Às vezes o silêncio diz muito. O Ricardo Nunes se calou sobre o 8 de janeiro e sobre a revelação do golpismo nas operações da PF. Ele quer abraçar o Bolsonaro a qualquer custo e está submetendo São Paulo a isso”, disse Boulos à reportagem, na linha do que tem postado em redes sociais.
“Todos os fatos que a gente tem visto reforçam a importância de ter uma frente democrática para derrotar o bolsonarismo em São Paulo e nas eleições municipais em todo o Brasil”, completou o psolista, que deverá ter como vice a ex-prefeita Marta Suplicy (PT). Ela era secretária da gestão Nunes até dezembro e usou a aliança com Bolsonaro como justificativa para romper com o prefeito e voltar ao antigo partido.
Boulos e aliados trabalham para nacionalizar o debate e repetir a polarização entre Lula e Bolsonaro.
O deputado afirmou que também quer discutir na campanha problemas locais, mas que “a cidade precisa saber se o candidato em quem ela vai votar defende quem atentou contra a democracia ou não, precisa saber se esse candidato é comprometido com os valores democráticos ou não”.
Para ele, “é um tema nacional, mas é [também] um tema da sociedade como um todo”.
Em resposta às declarações do adversário, Nunes não mencionou as apurações contra Bolsonaro e provocou Boulos ao sugerir que ele conhece mal a cidade e associá-lo a invasões de propriedades privadas, por sua trajetória como líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).
“Sou prefeito da maior cidade da América Latina, conheço cada canto desta cidade-país como poucos conhecem. Sou do MDB, o verdadeiro partido da democracia brasileira. Se o invasor quiser discutir democracia, posso pedir ao [ex-]presidente Michel Temer dar umas aulas para ele”, afirmou à Folha.
O prefeito também lembrou que seu partido tem representantes no ministério de Lula, numa tentativa de desconstruir o discurso de Boulos de que a candidatura do MDB flerta com o autoritarismo. Nos bastidores da pré-campanha, a ordem é tratar a ofensiva da esquerda como narrativa falsa.
“Eu, Michel, Baleia [Rossi, presidente nacional da legenda], alguns ministros do governo federal e mais de 2 milhões de filiados somos do partido que luta pela união, e não pela divisão. Por isso, estamos construindo uma frente ampla para derrotar esse extremista, e tenho certeza de que o povo de São Paulo não quer baderna. Esta cidade vai seguir com um projeto seguro”, disse Nunes.
Enquanto o pré-candidato à reeleição age para pintar o adversário como um radical de esquerda e inexperiente, o psolista tenta grudar no oponente a pecha de bolsonarista e evoca a ideia de uma “frente democrática” na capital para impedir a vitória de um nome avalizado pelo ex-presidente.
As investigações da PF, que trouxeram à tona um vídeo de uma reunião ministerial de 2022 em que Bolsonaro e outras autoridades discutem cenários golpistas, deram combustível à retórica de Boulos.
O deputado explorou o assunto intensamente em suas falas e publicações nos últimos dias, sempre vinculando o ex-presidente a Nunes. Disse que São Paulo “não pode ficar refém do bolsonarismo” e “não merece” um governante como o atual, chamado por ele de “prefeito fantasma” e “figura omissa”.
O psolista lembrou que Nunes já disse considerar o ex-presidente “um democrata”, afirmação feita por ele em entrevista à Folha em setembro. Boulos se diz contra anistia para os acusados de golpismo e, durante o Carnaval, fez uma brincadeira em que falou sobre o desejo de ver Bolsonaro preso.
A campanha aposta no elo baseada na votação que Bolsonaro teve na cidade em 2022, inferior à de Lula, e nas pesquisas que mostram alta rejeição ao ex-presidente. Levantamento do Datafolha de agosto do ano passado mostrou que 68% dos moradores da capital não votariam em alguém indicado por ele.
Nunes tenta escapar da nacionalização do pleito, tratando Bolsonaro como um entre tantos apoiadores. O ex-presidente, no entanto, reivindica a escolha do vice na chapa, enquanto seus correligionários forçam o emedebista a abrir espaço ao grupo, sem brecha para um apoio envergonhado.
Como mostrou a Folha, Bolsonaro passou a fazer críticas diretas a Boulos, em alguns casos estendendo ataques a Lula —o que destoa da estratégia definida pelo entorno de Nunes e contribui para a polarização almejada por PSOL e PT. O ex-presidente já se referiu ao psolista como invasor e “eterno desocupado”.
O pano de fundo dos embates é a eleição de 2026. Tanto Lula quanto Bolsonaro enxergam a eleição em São Paulo como uma demonstração de força de seus respectivos campos e avaliam que o resultado tem potencial para ditar os rumos da próxima disputa presidencial.
Lula articulou ainda em 2022 o apoio do PT a Boulos, levando o partido a ficar sem candidato próprio na cidade pela primeira vez, costurou a volta de Marta ao PT para ajudar a impulsionar o psolista— que lidera as pesquisas de intenção de voto, seguido por Nunes— e se engajou na campanha.
Bolsonaro abriu mão de lançar um nome 100% alinhado às suas pautas ideológicas e foi convencido a apoiar Nunes com o argumento de que um político mais radical não teria chances. Ao atual prefeito interessa, principalmente, evitar uma divisão do eleitorado que ameace sua ida ao segundo turno.
noticia por : UOL