MUNDO

A perversão do sistema universitário estadunidense

Passei os últimos dois anos trabalhando em uma nova teoria unificada do desenvolvimento e evolução de corpo e cérebro que explicasse por que ambos têm o tamanho que têm, mais o número de neurônios e a taxa de uso de energia que têm, nas mais diversas espécies de mamíferos e aves. Concluí a nova teoria ontem com uma equação simples e elegante que captura 90% da diversidade nessas quatro variáveis no planeta.

Publicar e divulgar a teoria são outros quinhentos, e por maior que seja minha satisfação de ver vinte anos de pesquisa culminarem numa teoria quantitativa com equação e tudo, nem teoria nem equação são o tópico de hoje.

Desenvolver teoria é trabalho que se faz analisando dados. Não é glamoroso, e sobretudo, não é caro. Bastam uma base de dados, um computador decente, acesso a todas as publicações científicas do planeta (hoje em dia provido por qualquer universidade que se preze), um programa de análise estatística, uma pilha de cadernos e muitas canetas coloridas, no meu caso. Em suma: custa o meu salário, ao qual eu, como todo professor, faço jus dando aulas.

E aqui está o problema. O novo modelo de administração empregado por cada vez mais universidades privadas estadunidenses explora o financiamento trazido de fontes externas por seus pesquisadores para engordar os cofres da instituição. Funciona assim: para cada US$ 100 mil que os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) concedem a um projeto, eles pagam US$ 52 mil adicionais à universidade que sedia a pesquisa a título de infraestrutura e administração. Essa parte não é novidade, e operar prédios de laboratórios custa dinheiro.

O problema é que as universidades nos EUA agora notaram que elas podem recusar pagar os salários dos seus novos professores e obriga-los a se remunerar com sua verba externa de pesquisa. Na falta de alternativas, os recém-doutores desesperados atrás de emprego aceitam a exploração. Vejo novos colegas sendo “contratados” com apenas dois meses de salário garantidos pela universidade ao ano; os outros dez devem vir do seu financiamento externo. Detalhe: menos de 8% dos pedidos são financiados pelo NIH.

É uma mina de ouro para a universidade: para cada novo professor “contratado” quase sem salário, cerca de US$ 100 mil de salário são adicionados a um projeto de pesquisa, que a universidade deixa de pagar —e ainda ganha aqueles US$ 52 mil por cima. Se em cinco anos o novo professor não tiver financiamento, ele é despedido, e a universidade “contrata” outro para explorar. Em um sistema que produziu uma enormidade de novos cientistas nas últimas duas décadas, “contratar” professores é o novo modelo de enriquecimento universitário, às custas do contribuinte.

Incentivar produtividade entre professores e pesquisadores usando táticas empresariais é uma coisa, que eu já defendi e continuo defendendo. Mas é uma perversidade usar pesquisadores para perseguir a lógica capitalista de gerar lucros no que deveriam ser instituições de geração de conhecimento, sobretudo quando fazer ciência nem sempre requer os US$ 2 milhões de um grant típico do NIH (que trazem um milhão limpinho para os cofres da universidade).

Os reitores querem ciência cara, mas ciência, como a vida, se faz de várias maneiras. A diversidade sofre, e os novos pesquisadores, tadinhos, perdem neurônios e ganham buracos no estômago com a insegurança salarial. Buscar emprego como cientista em uma universidade nos EUA é algo que eu não recomendo no momento.


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noticia por : UOL

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