De camisa azul-claro, calça social amarronzada e bolsa atravessada a tiracolo, Murilo Benício chama atenção de transeuntes no centro de Londrina, cidade ao norte do Paraná, a 380 km da capital Curitiba.
Não é só a presença do ator carioca que deixa bastante gente curiosa. Para muitos, é também a semelhança com o jornalista local Paulo Ubiratan —conhecido no rádio e no diário Folha de Londrina, morto em 1998—, que ele interpreta no longa “Assalto à Brasileira”.
Dirigida por José Eduardo Belmonte e prevista para este ano, a produção encerrou gravações em 10 de dezembro de 2024, no aniversário do município e mesmo dia em que, numa manhã de 1987, sete homens invadiram a agência do Banestado, anunciaram assalto e mantiveram quase 300 reféns.
A reconstrução ficcional do episódio, onipresente no imaginário da cidade, mobilizou centenas de técnicos e artistas do audiovisual ao longo dos últimos dois meses, tanto em estúdios de São Paulo quanto em locações londrinenses.
Para Belmonte, que já produziu suspenses e dramas como “Uma Família Feliz” e “O Pastor e o Guerrilheiro“, o roteiro de L. G. Bayão sugere um thriller de assalto aos moldes do clássico “Um Dia de Cão“. O filme de Sidney Lumet de 1975 é outro a ser inspirado num caso real e tem Al Pacino como o assaltante de banco movido a impulso e improviso que ganha a simpatia dos transeuntes.
“O assalto ao Banestado foi uma aventura humana. Ninguém sabia o que estava fazendo. Nem reféns, nem assaltantes, nem negociadores”, diz Belmonte. “Era um período de medo e desilusão pós-ditadura. A democracia engatinhava, as coisas não estavam funcionando como esperado no Brasil, tinha inflação descontrolada e muita instabilidade”.
O diretor foi atraído pela oportunidade de retratar uma época cheia de eventos sensacionalistas que refletiam a insatisfação popular no limite, entre eles o do homem que sequestrou um avião com intuito de derrubá-lo no Palácio do Planalto em 1988. O caso também virou filme, “O Sequestro do Voo 375”, de Marcus Baldini, lançado no ano passado.
A mistura de ação e suspense tem sido a tônica de algumas abordagens. “Silvio”, biografia do apresentador Silvio Santos, de 2024, teve por base o dia em que o homem do Baú foi refém em sua própria casa. Mesmo “Polícia Federal: A Lei é para Todos”, de 2017, trata da Operação Lava Jato em ritmo frenético. Os títulos seguem um caminho cada vez mais constante de longas e séries ficcionais a retratar crimes ou acontecimentos de grande repercussão nacional.
Por algum tempo o cinema brasileiro parecia tímido nessa seara, mesmo tendo histórico de filmes como “Assalto ao Trem Pagador”, de 1962, e “Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia”, de 1977, ambos inspirados em grandes eventos ou personagens ligados a crimes. Mas o apelo de narrativas “true crime” vindas especialmente dos Estados Unidos e popularizadas aqui em streamings e podcasts animou os realizadores.
O produtor de “Assalto à Brasileira”, Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes, é ele mesmo um entusiasta do formato. A parceria com a distribuidora +Galeria e o Grupo Telefilms já tinha rendido, em 2021, “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”, dedicados ao caso de Suzane von Richthofen e que teve ainda uma terceira parte em 2023, “A Menina que Matou os Pais: A Confissão“.
Braga também produziu “Maníaco do Parque”, sobre o matador de mulheres que aterrorizou São Paulo no fim dos anos 1990. Todos estão disponíveis no Prime Video.
“Se o brasileiro tem tanto interesse em crimes reais, como mostra a quantidade de conteúdo estrangeiro que se consome aqui, por que não contar os nossos casos?”, questiona Braga, explicando que foi a partir dessa percepção que ele decidiu investir em projetos dessa linha.
“Os filmes fazem muito sucesso. O gênero encontrou seu espaço e isso nos motiva a continuar essas histórias que, além de entreter, instigam reflexões sobre o que acontece ao nosso redor”. Enquanto cuida de “Assalto à Brasileira”, o produtor prepara o anúncio de mais dois trabalhos baseados em crimes célebres.
O caso do Banestado virou documentário em 2018, intitulado “Isto (não) é um Assalto”. Foi dirigido pelo londrinense Rodrigo Grota, que tem ele mesmo um projeto de ficção sobre o caso aprovado em editais de captação de recursos. O filme de Grota é sempre citado como referência para informações sobre o crime. Outra fonte é o livro-reportagem de Domingos Pellegrini cujos direitos foram adquiridos pela produção de “Assalto à Brasileira”, que reaproveitou o título sarcástico.
“A equipe de pesquisa fez um trabalho incrível para reproduzir a atmosfera dos anos 1980 em Londrina”, conta Marcelo Braga. “Viemos filmar aqui porque a cidade preserva seu patrimônio histórico, com ruas e prédios idênticos ao período e o próprio banco praticamente intacto”.
Parte do orçamento de “Assalto à Brasileira” serviu para restaurar a fachada do antigo Banestado, hoje um prédio desocupado, e deixá-la tal como era em 1987. O interior da agência foi reconstruído num estúdio em São Paulo.
“O assalto deixou marcas curiosas na memória coletiva. Não teve ranço das pessoas em relação ao ocorrido, e sim a percepção quase romântica dos bandidos como ‘Robin Hoods’ modernos”, comenta o produtor. “A proximidade e identificação daqueles bandidos com a população e a economia em crise nos inspirou a explorar as contradições humanas da história”.
Para Belmonte, além da aventura pessoal de cada personagem, o filme reflete a relação em crise entre o brasileiro e o próprio Brasil. “É um envolvimento difícil, cheio de catástrofes coletivas e isso dialoga com nossa identidade nacional, ainda é imatura e em formação”.
O humor cáustico do histórico assalto a banco aparece, por exemplo, no fato de os assaltantes serem homens humildes e despreparados, porém fortemente armados e com objetivo de roubar dinheiro para distribuir. Ou o líder, apelidado de Moreno, negar avião ou helicóptero para escapar com 14 reféns num ônibus.
Ou especialmente o fato de a população ter ficado a favor dos ladrões ao compreender que a ação tinha por objetivo protestar contra o governo e tirar dinheiro do banco, não dos clientes. Ao saírem da agência rumo ao ônibus da fuga, no fim daquele fatídico 10 de dezembro, os assaltantes foram aplaudidos pelas quase 5 mil pessoas que se aglomeravam na porta do Banestado.
Para Murilo Benício, recriar um sujeito como Paulo Ubiratan é criar um laço direto com a comunidade e entender a dinâmica de uma pessoa pública num evento tão fora do cotidiano. “O Paulo do filme vive entre a tensão e o relaxamento. Ele está muito nervoso, com medo. É um cara da cidade que falava mal de muita gente, inclusive do policial com quem ele tem que negociar, e isso é engraçado porque é real”.
O ator de 53 anos, em sua primeira parceria com José Eduardo Belmonte, elogia o cineasta especialmente pela atenção ao elenco. “Ele tem um interesse genuíno na atuação e, agora que eu dirijo, entendendo melhor o que ele busca”.
Benício comandou dois longas-metragens até o momento, “O Beijo no Asfalto”, em 2018, e “Pérola”, de 2023. A experiência deu-lhe noção do funcionamento de um set e, como diz, tornou-o um profissional melhor e mais ativo. “Me sinto à vontade para ajudar, com muito respeito. O que importa é estar a serviço do projeto”.
O ator decidiu virar diretor para conhecer o ofício e não ser “um chato” com o trabalho dos outros. “Cada cineasta tem seu conceito, e respeitar a visão alheia é fundamental. Eu via outros fazendo e pensava que podia fazer também. Quando enfim aconteceu (dirigir um filme), senti que eu pertencia àquele lugar”, revela.
Nas filmagens testemunhadas em Londrina, era comum perceber Benício dando simpáticas orientações a colegas de elenco ou mesmo a Belmonte. “Faço com o máximo cuidado. Acredito que tenho algo a contribuir, com a total segurança de que as pessoas podem ou não seguir o que digo”.
noticia por : UOL