MUNDO

Precisamos de mais cidadãos chatos em 2025

No mês passado, numa mesa de bar, uma amiga contou que, conversando com uma autoridade de uma agência nacional, mencionou que nos conhecia. A resposta? “Não aguento mais eles”. Em outra ocasião, uma servidora nos escreveu que “todos os serviços de informação ao cidadão odeiam vocês. O nome de vocês é cotado —já sabem quem é quem”.

Curioso, né? Para os gestores públicos que esqueceram o propósito básico de sua existência, uma organização da sociedade civil ativa que usa o direito constitucional de acessar informações públicas e cobrar transparência é “insuportável”. É como se o cidadão fosse uma pedra no caminho do serviço público, não o fundamento de sua existência.

Se no setor privado o que impulsiona avanços e melhorias é a competição (e regulamentação), no governo é o chato do cidadão! “As agências frequentemente me chamam de irritante, mas isso é porque eu me recuso a desistir. O resultado final é que quase sempre acabo vencendo a guerra”, afirma em entrevista à coluna Jason Leopold. O repórter investigativo da Bloomberg Business foi “carinhosamente” apelidado de “terrorista da FOIA”, a LAI (Lei de Acesso à Informação) americana.

Fomentar competição entre órgãos e entidades governamentais também funciona. “Quando alguns estados se recusaram a liberar os registros, destacamos que outros estados eram transparentes em relação aos mesmos dados. Essa comparação pública pressiona os estados menos transparentes a liberar suas informações”, contou Michael Morisy, fundador do MuckRock, a principal organização americana dedicada à FOIA, em entrevista à Fiquem Sabendo em 2020.

É por isso que rankings como o Painel da LAI da CGU (Controladoria-Geral da União), o Radar da Transparência da Atricon, o Índice de Transparência e Governança Pública da Transparência Internacional, entre outros, são grandes motores de melhorias. Estados e entidades que conquistam boas notas e selos conseguem mais adesão e apoio político, além de recursos, para manter o posto. As que ficam por baixo são empurradas pelo constrangimento.

Em nossas oficinas, que já formaram mais de 5 mil cidadãos em todas as regiões do país, dizemos sempre que é preciso ter pelo menos um “chato da LAI” em cada um dos 5.570 municípios brasileiros. Isso porque a lei existir não significa quase nada: como diz o já ditado popular “essa lei não pegou”. Se não tem alguém pedindo e cobrando, o governo simplesmente não se movimenta. Da mesma forma que é preciso multar os motoristas que descumprem as regras de trânsito, é preciso “encher a paciência” das autoridades e servidores para que os princípios de transparência e publicidade sejam cumpridos.

“Em lugares onde os cidadãos acreditam que estão no comando e que o governo os serve, o cumprimento das leis de transparência é maior. Por outro lado, em culturas onde sentem que é indelicado ou arriscado questionar a autoridade, o sigilo prospera. No final das contas, tudo depende da cidadania”, afirmou David Cuillier, conselheiro do Comitê da Lei de Liberdade de Informação da Administração Nacional de Arquivos e Registros dos Estados Unidos, também em entrevista à Fiquem Sabendo.

A boa notícia é que temos visto uma melhora na postura dos gestores. Mas não por causa de governo X ou Y, e sim pelo cada vez mais pujante ecossistema da sociedade civil organizada. “O exercício do direito de acesso à informação nos lembra quem está no comando. Quando participamos e entendemos que o governo trabalha para nós, lembramos que é o povo quem manda!”, afirmou Morisy.

Deve ser motivo de orgulho ser considerado “chato” por quem é pago pelo povo e se incomoda em fazer o trabalho esperado de seus cargos. De presente de natal para o poder público damos a garantia de que em 2025 seremos ainda mais irritantes e formaremos ainda mais cidadãos para espalhar a chatice por todo país.


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noticia por : UOL

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