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Ter conteúdo não infectado por IA nos traz valor, diz presidente do The Conversation

Enquanto os veículos de mídia tradicionais lutam para sobreviver financeiramente em um ambiente desafiador, o site The Conversation, iniciativa que reúne acadêmicos e jornalistas para difundir produção científica, está completando 13 anos com recordes de visualizações.

“Nosso objetivo não é ganhar dinheiro. Podemos nos manter fiéis à nossa missão, que é tentar democratizar o conhecimento para que as pessoas tenham acesso à informação da mais alta qualidade”, diz a presidente do The Conversation Media Group, Lisa Watts. O site tem edições na Austrália e mais nove países —a mais nova é a do Brasil, que estreou no ano passado.

Enquanto alguns veículos fazem acordos para que seu conteúdo seja usado para treinar inteligência artificial, The Conversation prefere “manter-se puro”. “Para o leitor, é muito reconfortante saber que, se está lendo a Conversation, o conteúdo não está infectado com IA —em breve será muito difícil ter confiança em qualquer coisa.”

Ainda assim, Watts se preocupa com os efeitos das mudanças nas redes sociais, que vêm reduzindo a disseminação de conteúdo noticioso. “O grande impacto vem da capacidade das plataformas de ajustar o algoritmo e ‘desligar’ as notícias. A queda do tráfego das redes sociais e das buscas no momento é um baque enorme sobre toda a mídia. E é totalmente fora do nosso controle.”

O The Conversation foi fundado em 2011 e expandiu-se bastante. Qual é o modelo de negócios?

Na maioria dos países, o modelo de negócios se ancora nas universidades, que fornecem não apenas os insumos intelectuais e todos os artigos mas também a maior parte do financiamento. Na Austrália, nos EUA, no Canadá e no Reino Unido, esse modelo tem sido muito bem-sucedido. São países onde há um grande setor universitário financiado pelo governo e esse setor quer demonstrar seu impacto social e se engajar com o público. Na Austrália, cerca de metade da receita vem das universidades, que pagam uma taxa anual de associação.

Além disso, cada vez mais temos leitores que se tornam pequenos doadores, e às vezes grandes. Em países onde há menos apoio para as universidades por parte do governo, o site depende mais da filantropia, é muito mais difícil —é o caso das nossas equipes na África, em cerca de seis países, e na Indonésia.

No Brasil, o site é mais dependente da filantropia ou das universidades?

No momento, a Unesp tem sido o principal financiador. Também houve apoio da Finep (agência governamental que financia projetos de ciência e tecnologia), da PUC-Rio e da Fundação José Luiz Egydio Setubal.

Além de divulgação de sua produção científica, o que mais as universidades ganham ao se associar ao The Conversation?

Elas têm acesso a análises e dados para determinar o engajamento de seus artigos. E muitos artigos são republicados por outros meios de comunicação. Além disso, podem fazer treinamentos e workshops com os editores.

Qual é a audiência de vocês?

Se incluirmos a audiência dos artigos republicados em outros veículos, são 46 milhões de page views (visualizações de página) por mês. Milhares de meios de comunicação republicam nosso conteúdo. Eles não precisam pedir permissão, porque tudo é publicado sob Creative Commons. Contanto que sigam as diretrizes de republicação, podem até vender anúncios. No site, por meio de pessoas visitando nossas próprias edições, são 25,4 milhões de page views. Cerca de 84% dos leitores não são acadêmicos. Cerca de 15% são professores, que usam os artigos na sala de aula, 10% são pessoas que trabalham na área de saúde e medicina e 10% trabalham no governo e na formulação de políticas.

A Austrália adotou em 2021 o Código de Barganha de Mídia, que previa pagamento pelas big tech por conteúdo dos veículos de mídia. Mas a Meta se recusou a negociar um acordo com The Conversation. Recentemente, a Meta anunciou que não vai renovar os acordos que tinham fechado….

Sim, a Meta anunciou que não vai renovar os acordos que fez com cerca de 11 veículos de mídia na Austrália. Estamos esperando para ver a reação do governo. Os pagamentos feitos às marcas de mídia por causa do código (cerca de US$ 200 milhões até hoje) serão afetados.

O código não é perfeito, mas foi eficaz em desbloquear algum apoio ao jornalismo, foi muito útil para o setor. Então, espero que, quaisquer que sejam as alavancas regulatórias acionadas, haja algum fluxo de recursos para financiar o jornalismo. O Google renovou seu acordo com a Conversation e algumas outras marcas, já outros contratos que eles têm estão sendo renegociados. É uma pequena quantia, mas globalmente soma e estabelece um precedente importante.

Esses acordos de renovação estão incluindo licenciamento de conteúdo para treinar modelos de IA?.

Não. Mas não sei se outros meios de comunicação, grandes veículos comerciais, estão incorporando isso. Que eu saiba, a maioria dos veículos na Austrália ainda não recebeu um telefonema do Sam Altman. da OpenAI. para fazer um acordo. A abordagem da Conversation no uso da IA é muito cautelosa. Não dá para brincar com a precisão e a proveniência das informações. Para nós, poder dizer que nosso veículo é livre de IA, que tem apenas curadoria humana, é importante. É claro que a Conversation usa IA em muitas ferramentas. Mas não vamos nos apressar nisso (no uso de IA em conteúdo).

Ao mesmo tempo, o fato do The Conversation ter diretrizes muito rigorosas para publicação faz dele uma candidata natural para um acordo de com uma empresa de IA, porque são dados de qualidade para alimentar os modelos. Isso deve acontecer em breve?

Sim, sim, é difícil imaginar que não aconteça. Mas precisaríamos entender as diretrizes. E nosso conteúdo está se tornando mais valioso com o tempo, porque já trabalhamos com muitos acadêmicos ao longo de 13 anos, desde o lançamento. Por enquanto, para o leitor, é muito reconfortante saber que, se está lendo The Conversation, o conteúdo não está infectado com IA —em breve será muito difícil ter confiança em qualquer coisa. Então, acho que manter-se puro, pelo menos por enquanto, será um grande benefício estratégico para nós. Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, não temos fins lucrativos, não há um motor econômico que nos force a tomar decisões que não queremos. Podemos nos manter fiéis à nossa missão, que é tentar democratizar o conhecimento para que as pessoas tenham acesso à informação da mais alta qualidade.

Vocês têm um modelo diferente, são republicados por várias publicações. Mas muitos veículos de mídia estão preocupados com o alcance e a distribuição agora com os resultados de busca do Google incorporando IA, e com a Meta abandonando as notícias, como no Canadá. Vocês estão preocupados?

Com certeza. Por enquanto, não é tanto a IA. O grande impacto vem da capacidade das plataformas de ajustar o algoritmo e “desligar” as notícias. A queda do tráfego das redes sociais e das buscas no momento é um baque enorme sobre toda a mídia. E é totalmente fora do nosso controle. Às vezes, com o Google, podemos ver quando há uma mudança (no algoritmo). O tráfego desaparece, é devastador. Aí, de repente, volta. Em muitos países, o Facebook é a internet, ainda é muito dominante, e é irresponsável não priorizar as notícias. Se estivéssemos começando agora o The Conversation, seria muito mais difícil. Treze anos atrás, recebíamos muito tráfego do Google e do Facebook. Hoje, é muito difícil para quem está começando com um novo veículo de mídia.

Raio X LISA WATTS, 56

Australiana, é presidente do The Conversation Media Group. Antes, ela trabalhou com mídias digitais na Austrália na Fairfax Digital e Vertical Networks Group.

noticia por : UOL

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