Na madrugada de 29 de novembro de 2016, há oito anos, Susi Ribas ficou sem saber o que fazer na vida. A palavra usada por ela é “desorientada”. Pelas imagens da televisão, acompanhou o trabalho de resgate do voo da LaMia, que caiu nos arredores de Medellín, Colômbia.
Um dos 77 mortos foi o zagueiro Willian Thiego, seu marido, jogador da Chapecoense. A equipe viajava para a primeira partida da final da Copa Sul-Americana. Seria o maior momento da história do clube e da carreira do jogador.
“Eu estava há dez anos sem trabalhar, cuidava da Nina, nossa filha, que tinha quatro anos. Mas eu sabia que, se ficasse parada, sem fazer nada, o dinheiro acabaria”, afirma.
Foi o pensamento que deu origem à Susi Ribas Lux, marca de óculos de sol da hoje empresária. Foi a reinvenção como vendedora de quem se formou em contabilidade, mas quase sem exercer a profissão. Com loja em Porto Alegre e pela sua página no Instagram, ela cuida de tudo, do primeiro contato com o cliente, ao design dos óculos, a lente, as embalagens e a venda.
“A pessoa fala comigo diretamente. Eu faço tudo. Mesmo na loja física, tenho de estar presente pelo menos três vezes por semana porque a cliente quer conversar comigo”, diz.
É uma mudança considerável porque, quando uma amiga de Chapecó pela primeira vez sugeriu que ela tivesse uma marca de óculos, sua reação foi quase de escárnio.
“Capaz! A última coisa que vou fazer na vida é vender”, reagiu.
Mas precisou seguir esse caminho, porque obteve muito pouco daquilo a que tinha direito após a morte de Thiego, que, na época, já tinha um pré-contrato para jogar pelo Santos na Série A do Campeonato Brasileiro. Recebeu apenas o seguro de vida do marido e a rescisão contratual da Chapecoense.
A indenização trabalhista da equipe catarinense ainda não foi quitada. Quando o parcelamento foi enfim acertado, a instituição entrou em recuperação judicial e congelou o pagamento a todos os credores. Inclusive às viúvas da tragédia.
O seguro da aeronave, não pago pela LaMia (que faliu), a AON (seguradora) e a Tokio Marine Kiln (resseguradora) é alvo de processo na Justiça americana.
O valor da causa é de US$ 844 milhões (R$ 4,9 bilhões) e a audiência está marcada para o segundo semestre de 2025.
O avião caiu por falta de combustível. Das 77 pessoas a bordo, 71 morreram. Aon e Tokio Marine Kiln afirmam que a LaMia invalidou o seguro por falta de pagamento e por ter voado para a Colômbia, país não contemplado pela apólice.
As viúvas e seus advogados veem cinismo das empresas. Dizem que troca de mensagens prévias ao acidente mostra que a Aon tinha conhecimento de que a LaMia fazia viagens para a Colômbia e nunca protestou. Afirmam que as duas empresas, para cancelar a apólice, deveriam seguir um protocolo estabelecido por lei. Não bastaria enviar um e-mail, como ocorreu.
Em documentos, a Tokio Marine Kiln se referiu à tragédia como “incidente”.
Susi criou a Susi Ribas Lux por medo de que acabasse todo o dinheiro acumulado durante a carreira de Thiego.
“Tive de enfiar as caras. Pesquisar fábricas, material, lentes, case, flanela, compreender como atender. Tinha muito medo. Sempre tive muito medo de tudo mas precisava ir em frente. Tenho uma filha para criar e não posso ficar parada.”
Ela começou a fazer propagandas de outros produtos. Uma consequência da visibilidade indesejada pela queda do avião foi a disparada do número de seus seguidores nas redes sociais.
“Não esperava, porque sou muito envergonhada para falar. Era mais um hobby, mas passou a ser um meio de vida. Tomou uma proporção muito grande. A marca própria foi consequência, porque eu amo óculos. Fui escolhendo tudo o que fosse do meu gosto pessoal”, relata.
Ela ficou espantada quando começaram a aparecer encomendas de todas as regiões do Brasil e até do exterior. Mais ainda ao perceber que clientes compravam mais por causa dela do que pelos óculos em si.
Desde a madrugada do final de novembro de 2016, a vida dela tem sido de medos, confessa. Um deles, para o futuro, é que o crescimento faça com que sua empresa deixe de ter aquilo que ela mais se orgulha: a imagem da pessoalidade, da intimidade com o cliente. Susi não gosta de delegar porque quer que tudo seja da sua maneira.
Isso não a impede de ter planos. Um deles, quando todas as questões financeiras se resolverem, é abrir uma loja em Chapecó e voltar a viver na cidade em que Thiego jogava quando morreu. Ela ainda tem muitos amigos na cidade. Também sonha com quiosques em shopping centers com sua marca.
“É uma cidade muito rica, o comércio está crescendo muito e gosto de lá. A qualidade de vida é excelente”, elogia.
Ela vê a marca de óculos como a ponta do iceberg. Pela sua história, o que conversa com os clientes e sua experiência dos últimos anos, acredita poder mais.
“Aconteceu muita coisa e a vida continua. Eu sei que posso muito mais e não quero fazer só uma coisa na vida. Quero aprender várias coisas e abrir um leque. Há várias possibilidades para seguir na vida”, diz.
É uma guinada e tanto para a contadora que se limitava a manter em ordem os livros contábeis da empresa do seu marido jogador de futebol.
“Eu sei que é. Mas ainda estou me redescobrindo.”
noticia por : UOL