VARIEDADES

Para você, o que significa ser de direita?

Caro leitor,

Outro dia, você há de lembrar (talvez com o nariz torcido), me atrevi a dar um puxão de orelha no ex-presidente Jair Bolsonaro. Pra quê! Foi o que bastou para ser xingado de comunista para baixo. O que já era esperado. Tristemente esperado. Afinal, sou o que sou e não o que esperam de mim – o que sempre se traduz em decepção. De qualquer modo, o que chamou minha atenção no episódio foi a quantidade de leitores dizendo que não sou de direita. Ou que não sou de direita o bastante. Como assim?!

É uma constatação/acusação recorrente também no Entrelinhas (de segunda a sexta, às 11 horas, no canal da Gazeta do Povo no YouTube). E que não se restringe à minha pessoa, claro. Basta um escorregão no que os zelotes da direita consideram a Direita Pura e Verdadeira para que qualquer um tenha seu direitismo (por mais sincero que ele seja) contestado. O que me leva a perguntar: para você que não é teórico nem nada, o que significa ser “de direita”?

O que é o que é

Não! Não responda assim de bate-pronto. Instintivamente. Na base da reação impensada tão típica do nosso tempo. Dê a si mesmo um tempo para pensar. Largue esse texto, respire fundo, vá tomar uma água ou dar uma volta no quarteirão e só então volte aqui. Lembre-se de tudo o que lhe disseram sobre esquerda e direita. Evoque a imagem de personagens que se dizem assim ou assado. Faça cócegas nas incoerências que todos temos. E agora continue lendo, por favor.

Ser de direita significa ser bolsonarista? Ou será que significa ser contra o Sistema? Há quem diga que ser de direita significa adotar uma postura contrária a todo coletivismo. É isso? Para outros, a definição é bem mais simples: ser de direita é ser conservador. Minto! É acender uma vela para a tríade pátria-família-propriedade. Há ainda aqueles que veem a identificação ideológica como uma série de pré-requisitos. Isto é, para ser de direita, você teria que concorda com um conjunto de valores comuns e que, em essência, se opõem a tudo o que a esquerda defende.

Siiiiim

Mas aí fica difícil. Eu, por exemplo, defendo o direito à autodefesa, mas não gosto de armas. O armamentismo, porém, é uma pauta da direita. Não gostar de armas me torna menos de direita? Outro exemplo: gosto muito de folk music, que chamo carinhosamente de “música de maconheiro e comunista”. Será que ouvir The Mamas & The Papas, Willie Nelson, Simon & Garfunkel, Amos Lee, etc. me transforma automaticamente num deplorável esquerdista, maconheiro, abortista e tal?

E antes que vocês em coro respondam “siiiiiim”, acrescento: por que essa necessidade tão grande de se identificar com um dos espectros políticos? Tenho a impressão de que é para se sentir protegido das perigosas e peçonhentas opiniões alheias. Mas há aí uma incoerência (entre tantas!). Afinal, quem se ofende tão facilmente com opinião de comunista, a ponto de querer exterminá-lo (literal e figurativamente falando), não pode reclamar quando comunista se diz ofendido por opinião “obscurantista” de conservador, a ponto de querer exterminá-lo.

Floquinhos de neve

Ou será que já chegamos ao ponto de assumir que, apesar de bancarmos os fortões, somos mesmo é uns floquinhos de neve que não suportam a ideia de que exista no mundo alguém que pense mínima e maximamente (sic) diferente de nós?

Não estou, com isso, querendo definir nem redefinir o conceito de direita/esquerda – algo já bastante deturpado por décadas e décadas de manipulação da linguagem, a ponto de muita gente acreditar que “direita é a favor dos ricos e a esquerda é a favor dos pobres” ou “direita é ruim e esquerda é bom”. O que estou querendo é tentar entender por que tanta gente persegue uma ideia purista (puritana?) de tendência política. Por quê, hein?

Abre as asas sobre nós

Será a velha preguiça de pensar por conta própria, chegar a conclusões diferentes das do grupo e ter de lidar com as consequências do tribalismo político? Ou então o medo de pensar errado ou de estar do lado errado da história? Vai ver é a incapacidade de lidar com a angústia natural das escolhas que fazemos em liberdade. Aliás, é até estranho que eu tenha demorado tanto para falar sobre liberdade neste texto.

Liberdade que, coincidência ou não, é o principal motivo para eu me identificar como “de direita”. E para me opor à esquerda que, por meio do planejamento e das regras estritas, busca reconstruir o Paraíso, ao que dá o nome de “comunismo”. Liberdade que entendo não como uma permissão para fazer o que bem entender, e sim como a escolha voluntária pelo certo. Inclusive por aquilo que muitas vezes não nos convém. Capisce?

Leão da Montanha

Agora vou sair pela direita, como dizia o querido Leão da Montanha da minha infância, e dizer que posso até me identificar como “direitista”. Mas antes disso sou católico e uma pessoa razoavelmente consciente de minhas falhas, incoerências e das eventuais burrices que me impedem de ser reduzido a isso ou aquilo. Principalmente aquilo.

Um extremo-abraço do
Paulo

P.S.: Como canta Amos Lee numa de suas músicas esquerdistas, freedom is seldom found by beatin someone to the ground/ Tellin em how everything is gonna be now, yeah!

[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].

noticia por : Gazeta do Povo

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