“Você pode evitar a realidade”, disse Ayn Rand, “mas não pode evitar as consequências de evitar a realidade”
Em fevereiro, um fluxo de tratores dirigidos por fazendeiros italianos chegou aos arredores de Roma, com as buzinas tocando. A cena, que foi capturada pela agência de notícias France-Presse, foi apenas uma das dezenas de protestos em toda a Europa contra as regulamentações da UE que, segundo os fazendeiros, ameaçavam deixá-los sem trabalho.
“Eles estão nos afogando com todas essas regulamentações”, disse um fazendeiro em um protesto em Pamplona, na Espanha, ao jornal inglês The Guardian. “Eles precisam aliviar todas as diretivas e burocracias”.
Os protestos não eram nenhuma novidade. Eles começaram em 2019, quando fazendeiros holandeses, pela primeira vez, dirigiram com cerca de 2.000 tratores para Haia para protestar contra uma legislação radical projetada para reduzir as emissões de carbono, que impactou desproporcionalmente os fazendeiros.
Os legisladores holandeses responderam em 2022 aprovando uma legislação que exigia que fazendas próximas a reservas naturais reduzissem as emissões de nitrogênio em 70%.
“Cerca de 30% das vacas e porcos do país terão que ser eliminados”, observou a revista The Economist.
A política fazia parte do plano do governo de reduzir drasticamente a pecuária na Europa. O pensamento era que, como o setor pecuário contribui com cerca de um terço de todas as emissões de nitrogênio globalmente, o governo teria que cortar as emissões de nitrogênio pela metade até 2030 para atingir suas metas.
Então, os fazendeiros holandeses se depararam com uma escolha sombria: dar uma parte de suas terras ao governo ou vê-las serem tomadas. Em 2023, cerca de 750 fazendeiros holandeses teriam vendido suas terras como parte do esquema de aquisição do estado. Outros ainda estavam tentando encontrar uma maneira de preservar seus meios de subsistência.
Quando questionado por um repórter em 2023 se ele achava que seria capaz de deixar sua fazenda para seus filhos, um fazendeiro holandês teve dificuldade para falar.
“Não”, ele disse em lágrimas. “Não.”
O “Grande Recuo Verde”?
Os fazendeiros não são os únicos descontentes com a guerra agressiva de Bruxelas contra as mudanças climáticas.
O esforço da União Europeia para atingir emissões de CO2 “líquidas zero” até 2050 irritou os eleitores em todo o continente, algo que os líderes políticos parecem ter percebido. No início deste ano, o Guardian lamentou o “grande recuo verde” da UE, que incluiu uma retirada de uma série de regulamentações do “Green New Deal”, incluindo:
- Planos para impor novas restrições severas ao uso de pesticidas.
- Uma proibição de PFAS (substâncias perfluoroalquílicas e polifluoroalquilas), produtos químicos artificiais usados em inúmeros produtos do dia a dia.
- Novas regras rígidas de emissão industrial, que foram relaxadas para as indústrias e ajustadas para excluir completamente as fazendas de gado.
- Pedidos para relaxar uma lei antidesmatamento pendente, que, de acordo com a Reuters, as autoridades acreditam que pode prejudicar os fazendeiros europeus.
Não está claro se esse recuo decorreu de preocupações de que essas regulamentações ambientais causariam sérios danos à economia (e aos agricultores europeus) ou da preocupação de que a agenda Verde levaria a um banho de sangue nas urnas.
Seja qual for o caso, a reversão não impediu uma derrota histórica para os partidos Verdes nas eleições de junho para o Parlamento Europeu, que os fizeram perder um terço de suas cadeiras.
“Não há como dourar a pílula”, lamentou o New York Times após as eleições de junho, “os Verdes afundaram”.
O cientista político Ruy Teixeira descreveu o evento como um “Greenlash” [Nota do tradutor: uma junção das palavras green (verde) e backlash (reação contrária), que significaria algo como “reação contrária à Agenda Verde”].
“Na Alemanha, o país central do movimento verde europeu, o apoio aos Verdes caiu de 20,5% em 2019 para 12%”, observou Teixeira, um acadêmico do American Enterprise Institute.
Ele continuou:
De maneira surpreendente, entre os eleitores com menos de 25 anos, os Verdes alemães realmente se saíram pior do que a extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Isso contrasta com as eleições de 2019, quando os Verdes se saíram sete vezes melhor do que o AfD entre esses jovens eleitores.
E na França, o apoio aos Verdes caiu de 13,5% para 5,5%. Este último número está pouco acima do limite necessário para representação partidária na delegação francesa.
Proibições contra chuveiros quentes e piscinas?
Especialistas em todo o mundo ainda estão tentando descobrir por que os partidos Verdes caíram tanto, o que nos leva a nos perguntar se eles estavam prestando atenção.
Não foram apenas repressões à agricultura. Diante de uma crise energética, governos em toda a Europa começaram a implementar regulamentações forçando os europeus a adotar, digamos, estilos de vida mais espartanos.
“Piscinas frias, escritórios mais frios e banhos mais curtos são o novo normal para os europeus”, relatou o site Business Insider, “à medida que os governos reprimem o uso de energia antes do inverno para evitar escassez”.
Em outras palavras, em vez de produzir ou comprar mais energia, os governos começaram a reprimir o consumo de energia.
Não parou por aí.
Em maio de 2023, meses após a Alemanha fechar suas últimas três usinas nucleares restantes, o Financial Times relatou que muitos alemães estavam “indignados e furiosos” com uma lei que os forçava a instalar sistemas de aquecimento que funcionam com combustíveis renováveis, que são muito mais caros do que caldeiras a gás.
A ação foi ainda mais invasiva do que a proibição generalizada da União Europeia sobre veículos movidos a gás, finalizada poucos meses antes.
“[A UE] deu um passo importante em direção à mobilidade com emissão zero”, disse o comissário de meio ambiente da UE, Frans Timmermans, no X. “A direção é clara: em 2035, novos carros e vans devem ter emissão zero.”
A saída de US$ 14 trilhões de Wall Street
As políticas verdes que surgiram na Europa fizeram pouco para aliviar as preocupações dos americanos de que as políticas climáticas dos legisladores não são guiadas por fundamentos econômicos sólidos. No entanto, muitas políticas semelhantes criaram raízes nos EUA.
Em março de 2024, nada menos que nove estados dos EUA aprovaram leis para proibir a venda de carros movidos a gás até 2035. Enquanto isso, o governo Biden recentemente dobrou a aposta em uma política da EPA para iniciar uma eliminação forçada de veículos movidos a gasolina — embora o esforço federal para construir estações de recarga para dar suporte a veículos elétricos tenha fracassado espetacularmente (apesar de US$ 7,5 bilhões em financiamento).
Apesar dos subsídios federais para veículos elétricos (VEs), a maioria dos americanos continua cética, e o mercado de VEs em crise deixou um rastro de destruição. Em junho, a montadora de VEs Fisker Inc., que em 2011 recebeu meio bilhão de dólares em empréstimos garantidos do Departamento de Energia dos EUA, entrou com pedido de concordata, em Delaware. (A Fisker há muito tempo era comparada à Solyndra, a empresa de painéis solares que faliu em 2011, apenas dois anos após receber US$ 535 milhões do governo dos EUA.)
A falência da Fisker ocorreu poucos meses depois que o New York Times relatou um êxodo massivo de capital da Climate Action 100+, a maior iniciativa de investidores focados em mudanças climáticas do mundo. O JPMorgan Chase e o State Street retiraram todos os fundos, enquanto a BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, reduziu suas participações e “reduziu seus laços com o grupo”.
“No total, as movimentações equivalem a uma saída de quase US$ 14 trilhões de uma organização destinada a reunir a influência de Wall Street para expandir a agenda climática”, relatou o Times.
Dias após a reportagem do Times, a PIMCO também anunciou que estava deixando a Climate Action 100+. A Invesco, que administra US$ 1,6 trilhão em ativos, fez sua saída apenas duas semanas depois.
“Você não pode evitar as consequências de evitar a realidade”
Não há dúvida de que a economia verde está em declínio, mas a questão é: por quê?
Primeiro, está se tornando aparente — especialmente na Europa, onde a energia é mais escassa e cara — que as pessoas estão se decepcionando com as políticas verdes.
Como Teixeira observou, os eleitores não gostam de ouvir que carro devem dirigir e como cozinhar sua comida e aquecer suas casas. Se você tem uma piscina, provavelmente quer poder aquecê-la.
Os formuladores de políticas falam sobre “abandonar” os combustíveis fósseis, mas nos últimos anos os europeus passaram a vivenciar uma escassez real de combustíveis fósseis após a invasão da Ucrânia pela Rússia, que interrompeu as importações de combustíveis fósseis. O resultado foi o racionamento de energia, algo com que os europeus parecem não se importar.
Isso me leva ao meu segundo ponto. Os partidos verdes e os ambientalistas tiveram sucesso principalmente ao fazer com que as pessoas se concentrassem no efeito desejado de suas políticas (salvar as pessoas das mudanças climáticas) e ignorassem os custos de suas políticas.
Os políticos parecem entender que suas políticas vêm com compensações, e é por isso que suas proibições e metas climáticas tendem a ser 10, 15 ou 30 anos no futuro. Isso permite que eles se deleitem com o brilho de seu altruísmo climático sem lidar com as consequências econômicas de suas políticas.
Esta é uma das diferenças mais salientes entre economia e política. Economia é sobre entender a realidade das compensações, mas política é principalmente sobre ignorar ou ocultar essas realidades.
Poucos entenderam isso melhor do que o economista Henry Hazlitt, autor de Economics in One Lesson [Economia em uma lição], que escreveu repetidamente sobre a tendência dos políticos de ignorar as consequências secundárias de suas políticas, que eram responsáveis por “nove entre dez das falácias econômicas que estão causando danos tão terríveis no mundo hoje”.
Por um tempo, os políticos conseguiram ignorar as consequências secundárias de suas políticas. Mas os eleitores estão finalmente sentindo o gosto dos custos das políticas verdes, e eles não gostam disso.
“Você pode evitar a realidade”, Ayn Rand observou uma vez, “mas não pode evitar as consequências de evitar a realidade”.
Uma lei “de ferro”
O medo das mudanças climáticas ajudou os progressistas e os verdes a ganhar mais controle econômico nas últimas décadas, mas até mesmo o medo tem seus limites.
Teixeira aponta para Roger Pielke Jr., um professor da Universidade do Colorado em Boulder que em 2009 escreveu sobre a “lei de ferro da política climática“.
“A política climática, dizem eles, exige sacrifício, pois o crescimento econômico e o progresso ambiental são necessariamente incompatíveis um com o outro”, escreveu ele. “Essa perspectiva foi até mesmo construída nos cenários do IPCC.”
Não importa se alguém aceita essa premissa — que o crescimento econômico e o progresso ambiental são necessariamente incompatíveis. O que importa é que quando as políticas de crescimento econômico colidem com as metas de emissão, a economia vence.
Uma coisa é dizer que os preços da gasolina devem ser altos, como o físico Steven Chu disse uma vez, porque as mudanças climáticas são uma ameaça terrível. Outra coisa é dizer isso enquanto tenta se tornar Secretário de Energia, como Chu disse ao testemunhar perante o Senado em 2012:
Senador Mike Lee: “Então você está dizendo que não compartilha mais da visão de que precisamos descobrir como aumentar os preços da gasolina na América?”
Chu: “Eu não compartilho mais dessa visão… Claro que não queremos que o preço da gasolina suba; queremos que ele caia.”
Você pode chamar isso de “lei de ferro da política climática” ou pode chamar de bom senso. (Quem quer que a gasolina custe caro?) Essencialmente, são metas ambientais elevadas colidindo com a realidade econômica e política.
Este fenômeno também é evidente na presidência de Joe Biden. No primeiro dia, o presidente anulou o oleoduto Keystone XL (por razões inexplicáveis) e declararia o aquecimento global uma ameaça existencial maior “do que uma guerra nuclear”.
No entanto, ele mais tarde se gabaria de que suas políticas estavam reduzindo os preços da gasolina e que ele supervisionou a produção recorde de petróleo nos EUA.
Esta é a lei de ferro da política climática e explica por que a economia verde está repentinamente em recuo em todo o mundo.
Políticas não tão “verdes”
A realidade é que a agenda verde exige grandes sacrifício, algo que europeus, americanos e Wall Street estão finalmente começando a admitir.
Mas as políticas energéticas da Europa não foram apenas impopulares; muitas delas nem sequer foram “verdes”.
Para começar, os veículos elétricos dificilmente são a panaceia ambiental que muitos afirmam que são. Na verdade, os EVs exigem muito mais energia para produzir, em média, do que os veículos movidos a gasolina e também costumam funcionar com eletricidade gerada por combustíveis fósseis. Isso significa que os EVs vêm com suas próprias pegadas de carbono, e elas tendem a ser muito maiores do que a maioria imagina.
Uma análise do Wall Street Journal descobriu que mudar todos os veículos pessoais nos EUA para EVs reduziria as emissões globais de CO2 em apenas 0,18%. Isso não faria praticamente nada para mudar as tendências globais de emissão de CO2, que os dados mostram que estão aumentando não por causa de veículos pessoais europeus ou americanos, mas de economias emergentes como a China.
E então há a decisão bizarra da Alemanha de abandonar a energia nuclear. Apesar de um apelo de última hora de um grupo de cientistas (incluindo dois ganhadores do Nobel) que pediram aos legisladores que não o fizessem porque isso agravaria as mudanças climáticas, a Alemanha fechou suas últimas três usinas nucleares — Emsland na Baixa Saxônia, Neckarwestheim 2 em Baden-Württemberg e Isar 2 na Baviera — no meio de uma crise energética.
A mudança intrigou muitos ao redor do mundo. Afinal, a energia nuclear é mais limpa e segura do que qualquer outra fonte de energia, com exceção da solar, de acordo com estimativas do Our World in Data. Ainda mais bizarro, a eliminação gradual da energia nuclear na Alemanha, que começou em 2011, coincidiu com o retorno ao carvão.
A decisão da Alemanha de aumentar a produção de carvão e fechar suas últimas usinas nucleares dificilmente é consistente com a visão da UE de que a mudança climática é uma ameaça terrível à humanidade, muitos notaram.
“Ninguém menos que uma evangelista da mudança climática que Greta Thunberg argumentou publicamente que, pelo bem do planeta, a Alemanha deveria priorizar o uso de suas instalações nucleares existentes em vez da queima de carvão”, destacou o jornalista Markham Heid na Vox.
Enquanto isso, nos EUA, onde a energia nuclear tem sido constantemente atacada por décadas por políticos e ambientalistas, o Senado aprovou silenciosamente (por uma votação de 80-2!) um projeto de lei para apoiar a implantação de instalações nucleares.
Esses casos ilustram um ponto importante: políticas verdes não são apenas impopulares e antieconômicas; elas geralmente não fazem sentido.
Poucos entendem isso melhor do que os fazendeiros holandeses, que estão sendo forçados a vender suas fazendas por políticos que têm pouca compreensão de compensações econômicas.
©2024 FEE – Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês: The ‘Green Economy’ Is In Retreat, And It’s Not Hard to See Why
noticia por : Gazeta do Povo