MUNDO

Não se resolve a carência de moradia apenas construindo casas

A questão habitacional é como a última flor do Lácio: esplendor e sepultura.

Simultaneamente, trata-se do espelho e do maior desafio de nossa sociedade. Dá-nos conta de quem somos e do abismo a ser vencido. Também, da possibilidade, ainda que tardia, remota, da nossa superação.

O maior problema do Brasil, retratado na cidade-síntese, São Paulo, é a desigualdade. A crise de habitação escancara a iniquidade existente. De todas as formas.

Ninguém resolve a carência habitacional apenas construindo casas.

A construção é a infraestrutura. A superestrutura são os problemas sociais: periferia sem empregos; insegurança no entorno; cracolândia e moradores em situação de rua; o avanço do crime organizado na ocupação de terrenos e no controle de imobiliárias; a insuficiência de renda para pagar aluguel ou a prestação do financiamento; o subsídio dado ao imóvel e não ao cidadão pobre; a gentrificação natural do mercado.

Como a reportagem da Folha mostra, não há dados suficientes nem atualizados. Não se sabe o déficit correto, nem o número preciso de espaços disponíveis. É uma barafunda de planilhas desatualizadas, que não dialogam.

A busca pela população carente se dá no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) criado pelo governo federal, mas operacionalizado pelas prefeituras. Ainda impreciso.

A demanda é incerta, a oferta, imprecisa.

No centro da cidade de São Paulo, o problema para atração da classe média é a insegurança. O medo despertado pelos “cracudos” e pelos moradores em situação de rua.

Acabar com a cracolândia é tarefa para cerca de oito a dez anos, na melhor hipótese. Como atestam os exemplos no mundo desenvolvido. É falácia ou ilusão qualquer promessa de um mandato, municipal ou estadual.

Todavia, é possível diminuir bastante o número de moradores em situação de rua, questão que não foi enfrentada pelos últimos governos municipais. Negligência e incompetência das áreas responsáveis.

Construir Habitação de Interesse Social (HIS) tropeça na ausência de condições para cumprir as parcelas de financiamento; na venda dessas habitações por parte dos agraciados para população com renda superior, pela necessidade de obter recursos financeiros.

Habitação é a política setorial mais complexa. Porque se enreda com os problemas sociais relatados e com o mercado imobiliário, que não é o único vilão de plantão.

Falta encadear melhor mercado e Estado.

Conforme explicam os economistas Peter Evans (Universidade de Berkeley) e Dani Rodrik (Universidade de Columbia), somente a articulação Estado-mercado logra resolver problemas desse tipo.

Não cabe ignorar o mercado imobiliário nem abdicar do papel do Estado na regulação e no subsídio.

No Brasil, não temos a articulação devida entre União, estado e município. Há intersecções, ainda limitadas, para a existência de política habitacional substantiva.

Outro obstáculo é não se levar em conta que todo investimento de um ano se transforma em custeio nos anos seguintes, causando um ônus orçamentário que é insustentável. Restam projetos inacabados ou sem manutenção como o Cingapura, lançado com avidez marqueteira, resultando em conjuntos precocemente degradados.

O problema não pode ser tratado como demanda homogênea.

É preciso concertar o “mix de demandas” com o “mix de soluções”, articulando melhor os programas federal, estadual e municipal de São Paulo, sem orgulho de autoria. É imprescindível levar o emprego qualificado à periferia, e manter a renda gerada por lá, criando riqueza local e fixação das pessoas próximas ao CEP residencial, com dignidade.

É preciso nos descobrirmos. Entender o que a interação de todos nós está provocando. A realidade ululante.

Política habitacional eficaz só se realizará diante do compromisso inarredável com a redução da desigualdade. A sociedade toda envolvida.

Enquanto a desigualdade seguir latente, a “visão do paraíso” permanecerá distante. A receita das soluções não pode ser padronizada. Está aí um desafio para um prefeito estadista.

noticia por : UOL

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