Para chegar à Ciudad Bolívar, bairro de baixa renda da região metropolitana de Bogotá que conta com 28 mil habitantes, leva-se 17 minutos. Isso graças a um teleférico construído quando o hoje presidente da Colômbia, Gustavo Petro, era prefeito de Bogotá (2012-2015).
Antes, eram necessárias pelo menos duas horas no trânsito em pequenas vans tipo lotação.
Quem recebe a reportagem da Folha lá no alto, na estação, é Jorge Ariza, 67, que, há dois anos, mostrou a esta mesma repórter a região pela primeira vez.
“Está bonito o bairro, e mais tranquilo também. Temos tido menos massacres de demarcação de território, embora ainda se venda drogas aqui e ali. O que as pessoas mais reclamam mesmo é da falta de emprego”, conta.
Ariza é um deslocado interno, ou seja, um refugiado em seu próprio país. A Colômbia tem 7 milhões deles em razão dos muitos conflitos mantidos entre Exército, ex-paramilitares, dissidências das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ELN (Exército de Libertação Nacional) e outros grupos. Ele é natural de Tolima, entre Bogotá e o Valle del Cauca, região de muita atuação de grupos criminosos.
Cerca de 80% da população de Ciudad Bolívar, fundada nos anos 1940, é formada por refugiados de distintos conflitos colombianos, entre eles indígenas e afro-colombianos. Também é o local que abriga o maior número de venezuelanos.
Isso faz com que ali estejam resumidos vários dos problemas da Colômbia de hoje.
Quando a reportagem esteve no local, pouco antes da posse de Petro como presidente da República, em 2022, a expectativa era grande. Hoje, dois anos depois, as reações são diversas. “Ele melhorou o transporte, a educação e removeu parte do imenso depósito de lixo que a cidade despejava aqui. Hoje, embora a violência tenha diminuído, tem deixado a desejar quando o tema são as perspectivas para o futuro, e os jovens daqui sentem isso”, conta Ariza.
Embora ele se mantenha com sua horta e seus animais, conta que filhos e netos estão tendo dificuldades para encontrar emprego e se posicionar no mercado. “Isso está ruim, porque sem emprego, os cartéis estão aí para recrutá-los para o crime”.
Yuliet Gisell, 28, é vendedora de artigos para celulares. Veio com a mãe de San Cristóbal, na Venezuela, até chegar a Bogotá —por terra. “Até a minha geração, os venezuelanos tinham tido ajuda para se instalar na Colômbia e estou agradecida, mas o resultado da última votação lá me faz ter medo. Por mais que o governo daqui possa nos ajudar, como vai fazer para receber tanta gente? Porque o que eu ouço dos meus colegas e amigos é que virão mais, muitos mais”, diz.
Gisell se refere ao fato de que a Colômbia já é o país no mundo que mais recebe venezuelanos em fuga do regime liderado por Nicolás Maduro —são 2,8 milhões (de um total de 7,7 milhões emigrantes venezuelanos), segundo a ONU.
Quando Gustavo Petro tomou posse como presidente do país, em 7 de agosto de 2022, as expectativas eram muitas. Ele era o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. Trazia ideias novas sobre como abordar a violência, relacionar-se com a natureza e promover um crescimento mais equitativo, e pleiteava reformas agrária (para redistribuir terras improdutivas) e fiscal.
Além disso, propunha um novo modo de relacionar-se com a Venezuela, uma vez que seu antecessor, Iván Duque, de direita, havia cortado relações com o país, preferindo apoiar a aventuresca alternativa do “governo paralelo” do opositor Juan Guaidó e deixado na mão uma população que vive do comércio e das atividades da fronteira com mais de 2.200 km de extensão que separa os dois países.
Já no cargo, Petro teve vários encontros e contatos com Nicolás Maduro, declarou a reabertura da fronteiras e foi a Caracas entregar ao venezuelano a proposta de um acordo em que ele e a oposição se comprometeriam a aceitar o resultado eleitoral do último dia 28 com “a certeza de que um não perseguiria o outro em caso de derrota”.
Para Eugenie Richard, especialista em relações internacionais e marketing político da Universidade Externado de Colômbia, “Petro tentou fazer muita coisa antes do pleito, porque sabia que, depois, seria muito mais complicado”. Em sua primeira visita a Caracas logo depois de eleito, Petro foi direto ao assunto: “Não podemos preservar nosso ambiente comum nem nossa economia se não temos democracia”, disse, ante um Maduro impassível.
Colômbia, Brasil e México, as principais economias da região, têm atuado juntos (em parte, devido ao seu alinhamento ideológico) para tentar não fechar completamente o canal de diálogo diplomático com o país ao mesmo tempo em que o pressiona para divulgar os resultados do pleito presidencial venezuelano em detalhes, desagregados por mesa.
Não foi o que fizeram países como Panamá, Uruguai ou Peru, que reconheceram o candidato da oposição, Edmundo González, como vencedor.
Bogotá, Brasília e Cidade do México buscam, assim —e a um alto custo—, deixar a porta da negociação aberta. Mas enquanto o México vive um momento de grande transição política e o Brasil se vê às vésperas de uma eleição regional e enfrenta pressão de um Congresso hostil ao tema, a Colômbia acaba sendo o parceiro regional mais importante neste momento.
Não apenas por essas situações circunstanciais, mas porque Colômbia e Venezuela por muito tempo foram um só país e compartilham idioma e cultura, além de os venezuelanos preferirem em peso o país andino como sua primeira opção de refúgio.
À frente das negociações, Petro colocou José Gilberto Murillo, eficiente diplomata de filiação ideológica vinda da direita, que passou de embaixador em Washington a chanceler. Ele tem sido o mais ativo com relação a questão e vem sintonizado com o Brasil. Mas, assim como o Itamaraty, não desenha abertamente qual seria a estratégia num segundo passo.
Dessa maneira, México, Brasil e Colômbia pedem as atas. É pouco provável que apareçam e, se ocorrer, devem vir alteradas. Qual o passo seguinte? Qual o plano B? As ligações entre Bogotá, Cidade do México e Brasília devem ter esse assunto como primordial, mas até agora tal plano não é conhecido.
O certo é que Petro, que chega à metade de seu mandato com uma popularidade desgastada, de 34% de apoio, tem na eventual redemocratização da Venezuela uma chance de redenção que talvez não tenha em outra área.
Destacam-se alguns pontos positivos, como a aprovação das reformas tributária, agrária e previdenciária.
Além disso, há a redução das taxas de pobreza. Em seu governo, saíram dessa situação 1,6 milhão de colombianos. A cifra geral é de 33%, contra 36,6%, em 2022, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estadística (Dane).
Entre os pontos negativos, estão uma reforma da saúde que terminou não sendo aprovada como o governo queria e trouxe muito desgaste político, com multidões indo às ruas, e também a reforma trabalhista, que não saiu do papel.
Um dos pontos pelo qual o presidente colombiano é mais cobrado, porém, é o da “paz total”, e, neste, também a situação da Venezuela tem um papel importante.
A Colômbia tem mantido uma resposta evasiva e estratégica para deixar uma porta aberta com o regime de Maduro. Não pelos mesmos motivos do Brasil, e sim porque os grupos armados que atuam nos territórios fronteiriços têm na Venezuela o refúgio ideal quando a negociação vai mal.
Dos mais de nove diálogos em aberto entre o Estado e guerrilhas, facções criminosas e dissidentes, a mais importante é a com o ELN (Exército de Libertação Nacional), que tem mais de 3.400 combatentes e 60 anos de história.
Um cessar-fogo entre o governo e o ELN foi encerrado no começo de agosto sem ser renovado. Eles exigem o mesmo que foi conferido às Farc sem entregar contrapartidas à altura, como por exemplo interromper os sequestros que promovem durante as negociações. Além disso, há uma discordância sobre com quem se deve realizar a negociação, uma vez que o ELN é mais horizontalizado do que as Farc, que tinham líderes e porta-vozes claros.
Sem entrar em mais detalhes, a situação é complicada porque, assim como Juan Manuel Santos teve que pedir a Maduro que o ajudasse com a paz com as Farc —pois estas se refugiavam em território venezuelano—, agora a situação é a mesma. E Maduro já respondeu às atuais exigências de Petro pelos resultados totais usando esse artifício: “Vocês nos ajudam respeitando nosso resultado, e nós ajudamos mantendo seu território em paz”.
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Quando grupos e organismos de direitos humanos apontam para a problemática do crime na fronteira, também acabam se deparando com essa situação: ela é boa para Maduro, pois configura-se como uma moeda de troca que o regime pode usar e faz com que ele seja um protagonista obrigatório para essa negociação de paz entre o governo colombiano e o ELN, mas também o EMC (Estado Maior Central), os dissidentes das Farc, a Segunda Marquetália e facções criminosas como Clã do Golfo e Autodefensas Gaitanistas.
Quando Petro é alvo de críticas por não ser tão incisivo contra a Venezuela, essa é uma das razões mais fortes. Maduro tem em sua mão o controle da possibilidade de paz na Colômbia ao manejar essas terras sem lei onde os grupos se escondem, treinam.
De todo modo, não há uma avaliação única do legado de Petro, uma vez que a Colômbia é tão grande, populosa, e variada. Nos departamentos do norte, há muita rejeição, principalmente nas localidades mais atingidas pela violência.
Petro quer instalar mesas de negociações de paz para resolver esse problema. Mas, nesses lugares, o mais comum mesmo é ouvir um apelo pelo retorno de Álvaro Uribe (2002-2010). “Sou a favor do acordo de paz, mas ele só foi possível depois que o Uribe passou anos matando metade das Farc, aí sim elas vão negociar. É hora de fazer de novo com todos os outros grupos”, disse o policial militar que resguardava a ponte de Tienditas, no Norte de Santander, quando a reportagem passava por ali.
Em outras regiões do país, as prioridades são diferentes. Na costa, que se faça algo para conter a força dos clãs familiares corruptos; em Bogotá, que se reordene a coleta do lixo; na região de cultivo do café, mais investimento.
Em Ciudad Bolívar, segue a esperança. “Ele é o mais próximo de nós que tivemos. Ele veio aqui, conheceu minha horta, conversou com meus vizinhos, eu nunca tinha visto um político se solidarizar com a minha situação. Então, sorte para ele”, disse Ariza antes de se despedir novamente da reportagem, na mesma estação.
noticia por : UOL