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'Judô está ficando chato', diz medalhista de bronze em Atlanta-1996

As derrotas dos judocas brasileiros Rafael Macedo e Rafaela Silva em Paris-2024, após punições recebidas dos árbitros, evidenciaram uma nova fase atravessada pelo esporte.

No fim de 2021, a Federação Internacional de Judô (IJF, na sigla em inglês) lançou uma série de novas punições de modo a coibir golpes até então permitidos que se somou a penalizações tradicionais já existentes, sendo a falta de combatividade e o falso ataque as mais conhecidas.

“O objetivo das regras é proteger os atletas e o esporte como um todo, buscando tornar o judô mais dinâmico e atrativo para o público”, declarou na ocasião Vladimir Barta, diretor da IJF.

O resultado da iniciativa, no entanto, não tem agradado os esportistas.

Medalha de bronze em Atlanta-1996 (categoria 65 kg), Henrique Guimarães avalia que as regras e as punições não visam apenas o bem-estar dos atletas de alto rendimento, mas também as categorias de base, onde há maior risco de lesões graves em caso de técnicas aplicadas de maneira inadequada.

O medalhista olímpico ressalta, no entanto, que há um excesso de punições por parte dos árbitros, o que tem até trazido mudanças nas estratégias de luta dos judocas.

“A gente vê que alguns lutadores estão lutando não para dar ippon [golpe perfeito], mas para ganhar por levar o adversário à punição. O judô está ficando chato por causa disso”, afirma Guimarães à Folha.

“Acaba que prevalece o lutador ser mais tático do que técnico. É muito mais fácil aprender a lutar dessa forma mais tática, forçando o adversário à punição, do que construir a aplicação correta de um golpe, que pode levar anos”, acrescenta o judoca.

“Tem muita luta sendo definida por punições, o que acaba retirando de cena quem deveria ser o protagonista, que é o judoca”, afirma Flávio Canto, bronze em Atenas-2004 (categoria 81 kg).

“As lutas estão terminando com muita frequência pelas punições, isso tem que ser revisto”, diz Canto. Ele afirma que as constantes mudanças de regras no esporte prejudicam o desenvolvimento dos atletas, que veem uma técnica praticada por anos proibida pela federação, forçando uma revisão na estratégia de combate adotada.

Guimarães diz ainda que cabe aos juízes aplicar as punições com bom senso. Ele afirma que, nos Jogos de Paris, tem sido comum os embates em que os lutadores já têm duas punições cada —a terceira leva à eliminação— ainda restando bastante tempo até o fim da luta. “Tem que entender quando dar a punição. A Olimpíada já foi melhor nesse sentido.”

No caso da campeã olímpica na Rio-2016 Rafaela Silva (categoria 57 kg), que começou no esporte no projeto social Instituto Reação de Canto, a desclassificação veio após a atleta aplicar um golpe contra a japonesa Haruka Funakubo na disputa pelo bronze apoiando a cabeça no chão para completar o movimento.

O apoio da cabeça no chão foi uma das novas proibições trazidas pela recente decisão da federação internacional, que entendeu que a técnica representa uma falta grave por colocar em risco a integridade física dos atletas, levando à eliminação direta.

Rafael Macedo (categoria 90 kg) também acabou desclassificado quando lutava pelo bronze contra o francês Maxime-Gael Ngayap Hambo, em uma decisão da arbitragem que gerou polêmica, sem que a delegação brasileira entendesse o motivo da punição. Inicialmente a interpretação foi a de que o brasileiro havia sido punido por agarrar o quimono do adversário por dentro da manga, o que não é permitido.

Posteriormente, a conclusão foi que Macedo usou as pernas para envolver a cabeça do adversário na luta de chão, sem que estivesse segurando os braços do oponente. O movimento é considerado falta pelo risco de lesão.

“Acho que piorou [a aplicação das punições], e não sou só eu. Estava na França esses dias e é uma opinião comum. É tradição que, ao fim do ciclo olímpico, haja uma revisão das regras e seguramente vão mudar. Tem muita coisa que não está fazendo sentido”, diz Canto, acrescentando que, em alguns casos, as regras confundem não só o público, como os próprios atletas, caso de Macedo.

Além das punições, Guimarães afirma ainda que a aplicação perfeita do golpe para projetar o adversário contra o chão também está prejudicada pelo entendimento adotado pelos árbitros.

Na leva de mudanças promovida em 2021, a IJF determinou que um golpe será pontuado como waza-ri (segunda maior pontuação do judô, atrás apenas do ippon) quando o judoca projetar o adversário contra o solo de costas, mesmo que o ombro não chegue a encostar no tatame.

Esse entendimento, diz o medalhista olímpico, faz com que algumas quedas que não deveriam receber uma pontuação alta acabem sendo classificadas dessa forma. “Hoje não precisa ter uma grande queda para ser ippon.”

Novas regras introduzidas pela IJF

  • Apoiar a cabeça no chão como auxílio para completar a técnica de projeção contra um adversário passa a ser considerada falta grave, com eliminação direta do atleta;
  • Arrumar o cabelo e o kimono passa a ser permitido somente uma vez durante a luta por atleta; em caso de reincidência, haverá punição com um shido;
  • O golpe seoi-nage invertido [quando o judoca agarra apenas um dos lados do kimono do adversário com as duas mãos para projetá-lo ao chão] passa a ser punido com um shido;
  • Quando o judoca se desvencilhar da pegada do adversário, mas não buscar fazer a pegada logo na sequência, ele será punido com um shido;
  • Um golpe será pontuado como waza-ri [segunda maior pontuação do judô, atrás apenas do ippon] quando o judoca projetar o adversário contra o solo de costas, mesmo que o ombro não encoste no tatame;
  • Se o judoca aplicar um golpe, interromper o movimento por um instante e retomar a técnica de ataque na sequência, não haverá pontuação;
  • Se o judoca tentar conter um ataque posicionando as duas mãos no solo, ele será punido com um shido;
  • Não haverá pontuação no caso de um contra-ataque quando o adversário que tiver aplicado inicialmente o primeiro golpe ainda estar virado de costas

noticia por : UOL

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