VARIEDADES

Olimpíadas: das críticas ao uniforme do Brasil ao preconceito contra evangélicos

Se o uniforme usado pela delegação do Brasil no desfile de abertura das Olimpíadas é bonito ou não, que cada um forme o seu próprio julgamento. Mas parte das críticas à coleção tem uma motivação condenável: o preconceito contra os evangélicos.

O conjunto produzido pela Riachuelo para o desfile nas águas do Rio Sena era discreto, para não dizer simplório. Os atletas vestiram blusa listrada com cores leves, saia branca na altura do joelho para as mulheres, calça branca para os homens, jaqueta jeans bordada nas costas com animais da fauna brasileira — tucano, onça e arara. As estampas foram produzidas por bordadeiras de Timbaúba dos Batistas (RN).

Há muito o que criticar no uniforme.

Mas parte das críticas parece ter a ver com um aspecto mais profundo: a ideia de que a identidade nacional precisa estar vinculada aos estereótipos do país tropical de mulheres sensuais. E, mais especificamente, a repulsa à estética “evangélica”.

A politização do uniforme do Brasil

Segundo a Riachuelo, as peças da delegação brasileira refletem a cultura e a biodiversidade brasileiras, além de serem sustentáveis. As jaquetas jeans são “feitas com resíduos da indústria têxtil” e “lavadas sem água”. As saias e as blusas listradas são uma referência à moda francesa — os termos exatos são “listras breton” e “saia midi rodada”.

A reação não foi das melhores.

“Em vez de capturar a essência de nossa história de superação e paixão contagiante, ele é uma roupa genérica que poderia pertencer a qualquer país globalizado”, escreveu a professora de Filosofia Natália Sulman.

O debate sobre o uniforme da delegação brasileira ultrapassou o mero debate estético.

Na direita, houve quem associasse a escolha à primeira-dama Janja Lula da Silva, que volta a e meia combina saias rodadas com jaqueta jeans.

Do outro lado, surgiram especulações de que a escolha pode ser explicada pelas inclinações políticas do dono da Riachuelo, Flávio Rocha — que tem opiniões políticas conservadoras e apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.

Mais comuns, entretanto, foram as críticas puramente baseadas em uma rejeição aos evangélicos.

Ex-atleta Sheilla exibe uniforme usado pela delegação brasileira nas Olimpíadas de Paris. Críticas incluíram preconceito contra evangélicos.
Ex-atleta Sheilla exibe uniforme usado pela delegação brasileira nas Olimpíadas de Paris.| Alexandre Loureiro/COB

Preconceito contra evangélicos

Por exemplo: os comentaristas do canal ICL, que se autodenomina “progressista”, ficaram chocados com o uniforme do Brasil. “Olha o comprimento dessa saia, o que que é isso? Que coisa horrorosa”, disse a jornalista Heloísa Villela, que trabalhou como correspondente da Globo em Nova York por duas décadas. Logo depois, ele acrescentou um alerta: “Isso é a cara do Brasil que esses caras estão querendo construir. Um país teocrático”.

“Não tá parecendo negócio para ir para igreja?”, perguntou o apresentador William de Lucca. “Os irmãos do esporte”, debochou outro comentarista, que não aparece nas imagens.

Um dos comentários com o maior número de curtidas do vídeo reforçava o viés: “É o uniforme do Evangelistão brasileiro. Visual crente da Assembleia de Deus”.

Apesar do nome, o canal de esquerda “Galãs Feios” não se furta a fazer avaliações estéticas. O vídeo que comentava o figurino da delegação brasileira ganhou o seguinte título: “Riachuelo criou uniforme crente e pavoroso para atletas irem às Olimpíadas de Paris”. “A proposta da gigante de fast fashion era acenar para a parte evangélica da população, em específico crentes de classe média baixa e pobres”, diz o apresentador Helder Maldonado, que acusa Flávio Rocha de ser “bolsonarista nato”.

Outras figuras públicas fizeram comentários semelhantes. “Os evanjegues vão representar o Brasil?”, indagou o filósofo e youtuber Paulo Ghiraldelli, que tem 575 mil inscritos em seu canal. A ex-atleta Márcia Fu disse que a roupa, “de péssimo gosto”, é “de crente”.

No passado, variações do mesmo tom

Desde a virada do século, o Brasil tem decidido se apresentar nos desfiles olímpicos com uma combinação de cores berrantes, alusões à Amazônia e referências à cultura do Rio de Janeiro.

Em 2000, os atletas brasileiros usaram chapéu Panamá. Em 2004, o uniforme do Brasil fez referência ao calçadão de Copacabana e incluiu um terno verde-limão. Em Pequim, quatro anos depois, o chapéu voltou. Em 2012, calças coloridas à moda da banda juvenil Restart. Em 2016, mais chapéu Panamá. Em 2021, o uniforme masculino parecia uma mistura de Augustinho Carrara com pescador amazônico.

Mas o Brasil é mais que isso. Combinadas, a cidade do Rio de Janeiro e a região Amazônica têm menos de 10% da população nacional.

Culturas sub-representadas nos desfiles

Assim como aconteceu na cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2016, que valorizou todos os estereótipos sobre o Brasil aos olhos do mundo, alguns aspectos da identidade brasileira têm sido sub-representados nos desfiles de abertura. As culturas caipira, sertaneja e urbana são, numericamente, mais representativas do que a carioca e a amazônica.

Os nordestinos, por exemplo, somam cerca de 27% dos brasileiros. Os evangélicos são mais de um terço da população, segundo as estimativas mais conservadoras.

Por si só, o número de evangélicos nordestinos é maior do que toda a população do Rio de Janeiro.

A identidade nacional vai além da Amazônia, do Rio de Janeiro e das cores berrantes. Os bordados de Timbaúba dos Batistas e as saias compridas, portanto, talvez sejam mais representativas que o chapéu Panamá.

noticia por : Gazeta do Povo

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