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Advogados de vítimas de Mariana buscam dinheiro no mercado para financiar briga com Samarco

No ramo de investimentos de risco, o financiamento de litígios está em ascensão. De acordo com dados coletados pelo RationalStat, empresa de pesquisa de marketing, trata-se de um mercado deve chegar a US$ 24,3 bilhões (R$ 133 bilhões) em 2028.

Ninguém levanta tanto dinheiro nesta área quanto a firma de advocacia britânica Pogust Goodhead. Responsável por ações em nome de vítimas da tragédia de Mariana no Brasil, Reino Unido e Holanda, ela é considerada a primeira empresa unicórnio do setor (avaliada em US$ 1 bilhão).

Mas isso a faz ser alvo de críticas e acusações de adversários.

Para Thomas Goodhead, 41, galês que criou o escritório em 2019, seus advogados incomodam porque vão em busca de indenizações de multinacionais que querem se eximir de responsabilidades. Essas companhias e outros críticos acusam o escritório de ser “abutre em busca de carniça”, de estar envolvido em polêmicas e de levar uma porcentagem maior do que a normal no mercado em caso de vitória judicial.

A Pogust Goodhead recebeu no ano passado empréstimo de cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,7 bilhões) do Gramercy, fundo hedge com sede em Connecticut, nos Estados Unidos, com patrimônio de US$ 6 bilhões (R$ 32,8 bilhões). São recursos que vêm de fundos de pensão, fortunas individuais e fundos soberanos.

Em apresentação a seus investidores, o Gramercy informou que o empréstimo à Pogust Goodhead teria juros de 17,75% segurados pelo litígio ambiental no Brasil e por ações do escândalo Dieselgate, em que montadoras fraudaram os dados de emissão de CO2 dos veículos.

Entre os investidores no Pogust Goodhead estão também três fundos brasileiros: Jive, Vinci Partners e Prisma Capital.

O dinheiro é usado para financiar a briga na justiça britânica contra a BHP, conglomerado anglo-australiano que é um dos donos da Samarco, pivô da tragédia de Mariana, em Minas Gerais. Em 5 de novembro de 2015, rompimento de barragem da mineradora despejou 62 milhões de metros cúbicos na região. O Rio Doce e sua bacia hidrográfica que passa por 230 municípios mineiros foi contaminado. Dezenove pessoas morreram.

A Pogust Goodhead iniciou a maior ação de litígio da história da justiça britânica: pede à BHP US$ 70 bilhões (R$ 383 bilhões). Não é só o valor que chama a atenção. O escritório representa cerca de 700 mil pessoas, 46 municípios e cerca de 2,5 mil organizações religiosas, autarquias e empresas.

Em audiência em junho, a BHP questionou como é possível o mesmo escritório litigar em nome de tanta gente. O julgamento foi marcado para 7 de outubro deste ano.

“A BHP e a Vale [outra acionista da Samarco] estão em uma campanha de fake news [contra os advogados]. Elas têm muito dinheiro e têm feito isso há oito anos e meio para manipular a mídia e tentar manipular a corte. São companhias poderosas. Isso tudo é mentira. É falso. A BHP alegou que 35 mil pessoas não estavam representadas. Estão erradas. É uma tentativa de evitar a justiça e não pagar a reparação total”, afirma Thomas Goodhead.

Ele diz que, em caso de vitória, o valor não será distribuído de forma igual entre todos os clientes. Terá de ser definido o prejuízo individual. Esta será uma discussão posterior.

Na Holanda, foi aberto outro processo contra a Vale em busca de mais uma indenização, esta de cerca de US$ 3,8 bilhões (R$ 20,8 bilhões).

A Pogust Goodhead busca financiamento na forma de empréstimos ou investimentos que serão devolvidos ao investidor em caso de vitória. O retorno dos fundos pode chegar a 20%.

Goodhead acredita poder existir uma confusão a respeito do seu trabalho. Não se trata de uma ONG sem fins lucrativos. É uma empresa que busca também o lucro, e este vem por atuar em nome de clientes, como ocorre em todos os escritórios de advocacia. Mas não há muitas firmas do setor avaliadas em US$ 1 bilhão e que já brigaram ou brigam com BHP, Vale, Uber e Volkswagen, entre outros.

“O caso na Inglaterra [da Samarco], por exemplo. Eu tenho de pagar contadores, advogados… Vai custar 250 milhões de libras esterlinas (R$ 1,75 bilhão) apenas a causa. Nenhuma ONG pagaria por isso. Não cobramos nada dos nossos clientes. Se você tem sucesso, precisa pagar de volta o investidor, como em qualquer negócio. Sem investidores, pessoas que aceitam riscos, não haveria justiça. Promotores públicos têm recursos limitados”, completa.

São acusações que, para as pessoas que trabalham no escritório, não passam de tentativa de despersonalizar a tragédia de Mariana. Seria uma forma de esquecer milhares de pessoas que perderam casa, meio de subsistência ou familiares e tornar tudo uma briga entre milionários.

“O financiamento permite que vítimas de desastres ambientais lutem em paridade de armas com grandes mineradoras. A gente tem percepção falha que o acesso à justiça é fácil e é para todos. A parte que não consegue arcar com o litígio se torna vítima duas vezes. As mineradoras são capazes de litigar pela eternidade. Como essas pessoas [vítimas] superariam essas barreiras? Vão bater na porta de quem? Qual banco financiaria uma ação dessas?”, questiona Ana Carolina Salomão, advogada responsável por encontrar financiadores e levantar dinheiro para o escritório.

Além de questionar como é possível representar centenas de milhares de pessoas, empresas e instituições na mesma causa, críticos da Pogust Goodhead a acusam de receber porcentagens superiores às do mercado. Citam e-mail enviado por advogado do escritório corrigindo contrato e colocando honorários em 50% para um dos processos do Dieselgate.

Para Goodhead, este é um clássico exemplo da campanha difamatória que empresas fazem contra sua firma. Durante entrevista com a Folha, utiliza “bullshit”, termo de baixo calão em inglês para falar “bobagem”. Afirma que os 50% seriam um erro de digitação no documento em que várias outras vezes estava mencionada a comissão correta de 35%.

“Os honorários de Mariana podem ser de 30%. Para municipalidades, são 20%. Para comunidades indígenas, são pro bono [gratuito]. Quando há acordo, nossos honorários são pagos à parte. Não fazem parte da compensação dos clientes. Colocamos o preço de acordo com o risco”, diz.

A Pogust Goodhead também foi acusada no parlamento escocês, em setembro do ano passado, de abandonar um processo contra a Bayer, deixando 50 pessoas com dívidas legais. Thomas Goodhead afirma que ninguém ficou com conta nenhuma a quitar, mas que realmente o escritório deixou a causa. Esta reclamava quanto à eficácia do Primodos, droga usada como hormônio em testes de gravidez.

“Não vamos onde não há mérito. Mas os clientes não tiveram nada a pagar. Sem vitória, sem taxas”, assegura.

Em reportagem do diário britânico Daily Mail, os sócios da Pogust Goodhead foram retratados como magnatas que levam uma vida de luxo, viajando em jatos privados. Thomas Goodhead já disse querer que seus advogados sejam os mais bem pagos do mercado. Segundo a imprensa britânica, profissionais em início da carreira poderiam receber até 2 milhões de libras (R$ 14 milhões) por ano.

“Eu amo o que faço”, disse ele à Folha sobre a sua empresa com cerca de 700 funcionários que hoje atua em 27 casos.

“O escritório tem o objetivo de seguir nessa luta por justiça social e caminhos alternativos para acessar a justiça ao redor do mundo. É importante quando a gente pensa na relevância de temas para nossos clientes. Quanto mais recursos a gente angariar para causas específicas, melhor”, conclui Ana Simões.

Mesmo que disso resultem acusações como a que, em caso de vitória no caso da BHP/Samarco, a Gramercy terá preferência em receber de volta, antes das vítimas da tragédia, o dinheiro emprestado à Pogust Goodhead. Thomas Goodhead reage indignado, ao ouvir isso:

“Bullshit!”

noticia por : UOL

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