Estrategista de comunicação política que participou de campanhas em nove países latino-americanos, o marqueteiro espanhol Antoni Gutiérrez-Rubí, 63, defende a regulação das plataformas online para que não virem “a lei da selva” durante eleições. “Na selva, o mais forte ganha sempre, e não pode ser dessa forma”, diz, em entrevista à Folha.
Segundo ele, “construir normas e obter a autorregulação das redes é um objetivo político e democrático”.
Rubí tem no currículo as campanhas do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, da recém-eleita no México, Claudia Sheinbaum, e de Sergio Massa, que foi ao segundo turno na Argentina contra Javier Milei, entre outras.
Ele agora está entrando no mercado brasileiro, com uma parceria com a agência PLTK., de Pablo Nobel, que fez a campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em 2022.
Ambos devem trabalhar juntos na eleição municipal deste ano e ainda conversam com potenciais clientes. Também miram o pleito de 2026, para presidente e governos estaduais.
A entrada de um estrangeiro ao mercado publicitário brasileiro não é algo muito comum. Talvez, afirma Rubí, porque a qualidade dos marqueteiros nacionais é “muito, muito boa”.
“O Brasil é um país muito grande, autossuficiente em muitos aspectos, com muita capacidade, com um grande mercado interno”, diz.
Sua agência, a Ideograma, foi criada há 40 anos, no momento em que a Espanha ainda consolidava sua transição para a democracia.
A “fadiga democrática”, título de um dos seus 22 livros sobre comunicação política, é uma das preocupações de Rúbi. Segundo ele, o papel das redes sociais na ascensão do populismo, tanto de direita como de esquerda, é algo que justifica uma regulação mais efetiva por parte dos governos.
“A rua real, física, e a rua digital têm que ter as mesmas normas. Se em uma plataforma online você tem um determinado comportamento que seria ilegal fora dela, você tem que ser responsabilizado”, afirma.
Esse paradigma, diz, é ainda mais verdadeiro num momento em que campanhas eleitorais do mundo todo estão lidando com novas tecnologias, como inteligência artificial e os chamados deepfakes, em que vídeos e áudios são manipulados para que pareçam serem de uma pessoa.
“Me preocupo muitíssimo com a inteligência artificial. Ela tem a capacidade de suplantar uma pessoa. Se substituir a personalidade e a identidade de alguém na rua é um delito, tem que ser também nas redes”, afirma.
Para ele, “a inteligência artificial é uma força capaz de reduzir os direitos de identidade, propriedade e privacidade”.
No Brasil, resoluções do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foram publicadas impedindo o uso malicioso de deepfake e obrigando que conteúdo feito com inteligência artificial seja claramente identificado como tal.
As tentativas de controle sobre essas ferramentas, apesar de positivas, ainda estão aquém da velocidade com que novas tecnologias surgem, diz o consultor.
“As empresas estão indo muito rápido e a regulação democrática, muito lentamente”, diz ele, que enxerga a Europa como o continente onde esses esforços são mais avançados.
Com atuação também no meio acadêmico, Rubí é codiretor do mestrado em comunicação política e social na Universidade Ramon Llull, em Barcelona, onde estuda os efeitos da comunicação sobre a democracia.
Um dos seus objetos de análise é a forma como a comunicação em redes sociais e o populismo se reforçam mutuamente.
Segundo Rubí, os populistas têm três características. “A primeira, uma interpretação das emoções da sociedade. A segunda é usar essa interpretação para oferecer uma saída fácil, rápida, direta. Isso quase nunca é possível, porque a maioria dos problemas que nossos cidadãos enfrentam precisa de tempo para serem resolvidos”, afirma.
A terceira, e talvez mais séria, é aproveitar-se da fraqueza institucional de sistemas políticos. “Isso permite que outsiders ofereçam uma saída rápida com base nas emoções”, declara.
O ambiente emotivo, para ele, é próprio dos algoritmos que hoje distribuem informação nas redes. “O modelo de negócios das plataformas é baseado na atenção. O bem abundante é a informação e o bem escasso é o tempo. Um segundo continua sendo um segundo, um minuto é um minuto, uma hora é uma hora. O tempo não pode aumentar. O que cresce é a informação”, diz.
Nesse cenário, acredita Rubí, é preciso que o marketing político entenda melhor como os eleitores respondem a estímulos emotivos.
“Há um certo desprezo, às vezes, por achar que as emoções são um elemento menor. Mas as pessoas acabam pensando no que sentem. Acho que se deve ter um olhar melhor e um entendimento maior do capital cognitivo das emoções”, diz ele, que defende mais estudos de profissionais do marketing em campos como neurociência e psicologia social.
A resultante, para o espanhol, é a erosão gradual da máxima celebrizada pelo marqueteiro americano James Carville, de que o que importa na decisão de voto do eleitor “é a economia, estúpido”.
“A decisão de voto já não é prêmio ou avaliação por uma gestão, mas é o voto com respeito a um mundo de valores, crenças e preconceitos. Bons governantes, com boa gestão econômica, podem fracassar”, conclui.
Raio-X
- Antoni Gutiérrez-Rubí
- Idade: 63
- Local de nascimento: Barcelona (Espanha)
- Campanhas eleitorais: Alberto Fernández (Argentina, 2019), Gustavo Petro (Colômbia, 2022), Sergio Massa (Argentina, 2023). Claudia Sheinbaum (México, 2024), entre outras
- Carreira acadêmica: codiretor do mestrado em comunicação política e social na Universitade Ramon Llull, em Barcelona; diretor do curso de comunicação política e campanhas eleitorais da Universidade Nacional de Tres de Febrero, na Argentina.
- Livros: autor de 22 obras sobre comunicação e política, entre elas ” La fatiga democrática” (2021) e Breve elogio de la brevedad (2024)
noticia por : UOL