As secas intensas que afetam tanto a região Norte quanto o Sul do país ao longo da última década, bem como a intensificação de fenômenos climáticos extremos ligados à crise hídrica, como enchentes e desmoronamentos no litoral brasileiro, foram tema de uma audiência pública realizada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados nessa terça-feira (18). O debate com especialistas levantou o alerta entre deputados ambientalistas sobre o grande número de projetos em tramitação com potencial de piora da crise.
Quem primeiro apontou o conjunto de projetos foi a diretora de políticas públicas do SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. Ela citou o levantamento do Observatório do Clima que rastreou 25 propostas em tramitação voltadas ao enfraquecimento da legislação ambiental, conhecidos como “Pacote da Destruição”. “Dentre esses 25 projetos, oito atacam a gestão e a governança da água no Brasil”.
A audiência pública para tratar da crise hídrica foi uma das iniciativas da edição de 2024 da Virada Parlamentar Sustentável, iniciativa conjunta de frentes socioambientais e cerca de 80 organizações da sociedade civil. O evento prevê a realização de uma série de encontros com especialistas na Câmara dos Deputados ao longo do ano para aprofundar o debate sobre o enfrentamento às mudanças climáticas por parte do Legislativo.
O deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-PA), que coordenou a audiência, considerou como mais preocupantes as iniciativas voltadas à criação de obstáculos para a participação da sociedade civil na gestão dos recursos hídricos. “Existem, por exemplo, iniciativas para desmobilizar todas as organizações que atuam com bacias hidrográficas, como fóruns e conselhos comunitários”, citou.
Além de projetos voltados ao enfraquecimento da mobilização popular, a audiência também identificou o acúmulo de propostas de enfraquecimento das políticas de preservação de margens de cursos d’água. “Seguem uma lógica parecida com a que foi proposta no Senado, com a privatização das praias. São conjuntos de medidas para a flexibilização da legislação ambiental para permitir com que empreendimentos de grande capital entrem nesses acessos”, descreveu Malafaia. O detalhamento sobre os projetos está disponível aqui.
O parlamentar ressalta que, em diversos estados e municípios, já é possível enxergar as consequências do desmonte do controle público sobre as margens de corpos d’água: os pesquisadores consultados ressaltaram a fragilização dos instrumentos de controle de enchentes às margens do rio Guaíba, epicentro do desastre ambiental do Rio Grande do Sul.
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“Empreendimentos de moradias desordenadas fragilizaram as costas de maneira decidida pela autoridade regional, que flexibilizou a legislação ambiental e levou a avançar o processo de urbanização. Isso foi um dos pontos bem levantados na audiência”, relatou. A reunião contou com representantes tanto de movimentos sociais de defesa das águas quanto de órgãos públicos, como a Comissão de Meio Ambiente do Conselho Nacional do Ministério Público e o Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas e Acesso à Água Ministério do Meio Ambiente.
No caso da Amazônia, o coordenador da audiência chamou a atenção para o risco de queda nos níveis de água na bacia do Amazonas, fenômeno observado desde o segundo semestre de 2023. “Em muitos municípios, observamos gado morrendo na seca, coisa que nunca vimos. Nunca se viu seca na Amazônia, comunidades inteiras sem abastecimento de água. Uma coisa que nós sempre nos orgulhamos era da água em abundância. Isso não é mais a realidade, hoje enfrentamos a desertificação da mata”.
O deputado teme que os itens do Pacote da Destruição que tratam sobre a gestão hidrográfica possam pressionar ainda mais a Amazônia ao seu ponto de não retorno, etapa da crise hídrica e climática em que seu processo de transformação das florestas em savanas se torna irreversível.
Enfrentamento ao pacote
Dorinaldo Malafaia se somou aos participantes da audiência na posição favorável ao arquivamento dos projetos que possam resultar na flexibilização da governança sobre recursos hídricos. Por outro lado, alertou para a tendência contrária por parte do Congresso Nacional, o que exige pressão constante por parte da sociedade civil.
“Temos um parlamento contraditório. O que temos na Câmara e no Senado é uma maioria extremamente anti-ambiental, conservadora e influenciada por negacionismo climático. Ao votar os projetos, eles deixam o DNA deles exatamente contra a natureza. Nós temos um clima desfavorável, lamentavelmente, mas esperamos que a sociedade mostre a sua força”, declarou.
noticia por : UOL