Um artigo publicado em 24 de abril no Journal of the American Medical Association (JAMA, revista da Associação Médica Americana) corrobora o sistema de Notas da Comunidade da rede social X para o combate à desinformação. Os autores classificaram 97% das notas como “inteiramente precisas”.
O sistema de checagem de fatos comunitária baseada em consensos, inspirado em um software de democracia digital de Taiwan, foi proposto antes da compra da rede social por Elon Musk em 2022, mas ele foi um entusiasta em sua implementação.
O estudo, liderado por John W. Ayers, do Instituto Qualcomm (ligado à empresa de tecnologia de mesmo nome) na Universidade da Califórnia em San Diego, concluiu que as notas ajudaram a rebater informações falsas sobre saúde em postagens populares, muitas delas a respeito das vacinas da Covid-19.
“Desde que a Organização Mundial da Saúde declarou que está havendo uma ‘infodemia’ de desinformação, houve poucas conquistas a celebrar”, disse Ayers, que também atua na Divisão de Doenças Infecciosas e Saúde Pública Global na universidade. Mas agora, “as Notas da Comunidade do X surgiram como uma solução inovadora, oferecendo resistência com informações de saúde precisas e com credibilidade”.
Como foi feito o estudo
Ayers e seis colaboradores coletaram da página de dados públicos do X todas as notas propostas pelos usuários no primeiro ano de vigência do programa, até 12 de dezembro de 2023. Eles selecionaram as que continham os termos “vacina”, “Covid” e “coronavírus” (em inglês).
Dois dos cientistas então tomaram uma amostra das notas para determinar sua precisão e credibilidade, classificando-as como inteiramente precisas (com base científica), parcialmente precisas (ainda debatidas na ciência) ou imprecisas (sem base científica). Um terceiro cientista, também autor do estudo, julgou se a avaliação dos dois primeiros foi justa. Houve também uma análise estatística das notas.
Das quase 46 mil notas tornadas públicas após consenso dos usuários no X, 657 mencionavam vacinas da Covid. A amostra avaliada pelos cientistas foi de 205 notas. Os cientistas concluíram que 97,5% das Notas da Comunidade eram inteiramente precisas, 2% debatíveis e apenas meio porcento foi classificado como impreciso. Metade das notas citavam fontes que os cientistas consideraram de alta credibilidade.
Os autores também classificaram as notas sobre as vacinas por assunto das postagens às quais foram afixadas. O principal assunto foram efeitos colaterais (51%), seguido por teorias da conspiração (37%), recomendações das vacinas (7%) e eficácia delas (5%).
Ayers e colegas fazem em seu artigo uma recomendação explícita para que mais profissionais de saúde contribuam para a missão do combate à desinformação participando das Notas da Comunidade.
Eles ilustram seu trabalho com cinco exemplos de postagens que receberam notas. A mais visualizada das notas, com 18,4 milhões de impressões, é da postagem de um usuário que alegou que a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA) estava “dois anos atrasada” a respeito de “a vacina da Pfizer para Covid causar coágulos sanguíneos”. A nota pública adicionada por consenso cita uma revisão científica e diz que “não foram encontradas evidências fortes para apoiar essa alegação”.
Mais informação é melhor que autoritarismo
Antes das Notas, as redes sociais, inclusive o próprio X (antes Twitter), estavam empregando táticas mais truculentas de remoção de postagens ou perfis, além de shadowbanning, a prática de limitar o alcance de usuários específicos sem que eles saibam.
Investigações dos Twitter Files, além de documentos de comunicações internas do Facebook, YouTube e Amazon, mostraram que a moderação de conteúdo tradicional foi alvo frequente de atores de governos, políticos e personalidades da comunidade de inteligência que visavam aplicar a censura pelos bastidores, no contexto da pandemia e eleições. O Facebook chegou a implementar um programa de parceria com agências de verificação de fatos, que sinalizavam postagens a serem censuradas.
As Notas da Comunidade do X têm código aberto e dados públicos, e não são controladas de cima para baixo pela rede social (ao menos que violem seus termos), mas pelo próprio público participante.
“Como as Notas da Comunidade são uma medida singular de código aberto contra a desinformação, elas podem ser melhoradas usando o método científico”, comentou Mathew Allen, estudante de medicina e um dos autores do estudo do JAMA.
Nimit Desai, outro autor, disse que “é admirável testemunhar a dedicação da comunidade online em direcionar as conversas na direção de evidências precisas e de alta qualidade quando ela ganha as ferramentas apropriadas”.
O coautor Mark Dredze acrescentou que “embora não possamos examinar como essas notas influenciaram diretamente as crenças ou ações das pessoas, já se mostrou que as características que analisamos são preditivas da eficácia de uma mensagem”.
Para o coautor Eric Leas, a mensagem do estudo toca na importância da abordagem menos autoritária. “Em vez de censurar conteúdo enganoso, as Notas da Comunidade fomentam um ambiente de aprendizado em que os usuários podem ganhar reflexão de correções à desinformação para impedir desentendimentos similares no futuro. Ao dar contexto e fontes credíveis às postagens polêmicas, a plataforma dá aos usuários o poder de discernir fato de ficção, uma habilidade que lhes será útil enquanto navegam por todas as alegações”.
A concorrência não gostou
A inovação democrática e gratuita incomodou especialmente aos especialistas em desinformação e agências de checagem de fatos. A advogada Iná Jost, pesquisadora do grupo InternetLab, e a jornalista Tai Nalon, diretora e cofundadora da agência Aos Fatos, manifestaram ceticismo em uma reportagem publicada pelo jornal O Globo em novembro de 2023.
Jost cobrou que os participantes das Notas da Comunidade tenham “certificação” e afirmou que a Wikipédia tem mais sucesso em cobrar fontes confiáveis de seus editores. A advogada também cometeu um equívoco ao alegar que era necessário pagar ao X para acesso aos dados das notas. Qualquer pessoa pode baixar todo o arquivo de notas. O grupo da pesquisadora, InternetLab, tem apenas uma especialista em computação entre 26 pessoas envolvidas — a maioria é formada em direito. O grupo, que se diz um “centro independente de pesquisa interdisciplinar”, tem financiamento internacional da Open Society da família Soros e da Fundação Ford.
Apesar do código aberto e acesso universal aos dados do programa, Tai Nalon disse que o processo de admissão dos contribuintes das Notas “não é claro” e que seu anonimato “acaba gerando vulnerabilidades”.
noticia por : Gazeta do Povo