VARIEDADES

O que Holanda e Japão têm a ensinar ao Rio Grande do Sul em manejo de inundações

Porto
Alegre, a capital gaúcha, sofre junto com o resto do estado na maior inundação
em oito décadas. A cidade tem um sistema de prevenção, com mais de dois quilômetros
e meio de muros na Avenida Mauá para conter as águas do Guaíba, 68km de diques,
14 comportas e mais de 20 casas de bombas d’água.

Os diques e
muros ajudaram a retardar a inundação. Porém, houve falha da maioria das casas
de bomba, e algumas comportas cederam. O sistema de drenagem funcionou como
passagem de água na via contrária. Vidas foram perdidas, milhares ficaram
desalojados e os cartões postais da cidade, como o Centro Histórico, agora
estão manchados com água lamacenta.

Os Países
Baixos (que incluem a Holanda), há poucos meses, experimentaram dois eventos
distintos com risco de inundação, mas sem vítimas. O Japão teve três eventos no
ano passado. Em ambos os países, como no Rio Grande do Sul, o custo foi alto.
Mas os resultados servem como uma lição para o Brasil.

Países Baixos: confiança
nos diques, mas achando espaço para o rio

Os
holandeses são famosos por sua perspicácia no manejo de águas, feito hoje principalmente
pelo órgão estatal Rijkswaterstaat, uma agência fundada em 1798. Dos 34
mil quilômetros quadrados que compõem os países baixos, 67% estão abaixo do
nível do mar. Dos 17 milhões de holandeses, mais da metade viviam em áreas com
risco de inundação em 2012.

Isso é
possível por causa dos diques em anel, feitos desde o século XIV, que delimitam
terras criadas pelo represamento do mar para as quais os holandeses deram um
nome: são os pôlderes. Os diques são inspecionados a cada cinco anos, com
mudanças legislativas constantes. Hoje há mais de mil pôlderes, que protegem
65% do país.

Como se não
bastasse a ameaça do mar, toda primavera há o risco de inundação por causa do
derretimento do gelo ao norte, que causa um aporte de água nos rios Reno e
Mosa.

Os Países
Baixos conhecem bem as tragédias de inundações. Em 1993, houve uma grande
enchente nos dois rios, causando a remoção de 200 mil pessoas e um custo
econômico equivalente a R$ 19 bilhões (corrigido para inflação, na cotação
atual).

A lição que
o governo tirou dessa inundação foi que não podia depender apenas de sua
engenharia e alta tecnologia. Foi implantado então o programa “Espaço para o
rio” em 1999. O nome já sugeria uma mudança de atitude: em vez de ter a meta de
controlar as águas, o objetivo era conviver com elas, dando espaço. O plano
consistia em mudanças em duas direções principais: (1) guiar a água no relevo
seguindo um plano explícito e (2) reter e guardar a água, para drenagem do solo
quando necessário.

Para implantar o programa entre 2006 e 2015, o governo holandês analisou mais de 30 localidades do delta holandês, onde Reno e Mosa se encontram. Diques foram reconstruídos para dar mais espaço na planície de inundação fluvial. Houve escavação dessas planícies para baixar sua altitude e receber mais água das enchentes, e (um anseio dos gaúchos) dragagem para aumentar a profundidade dos rios. A altura dos espigões ou gabiões (estruturas submersas para controlar a erosão e fluxo de água nos rios) foi diminuída, para reforçar a maior profundidade do fluxo. Além disso, foram feitos canais altos como passagem alternativa para a água, tirando áreas habitadas do caminho. E o armazenamento temporário de água foi manejado com a construção de grandes represas.

A ideia do programa “Espaço para o rio”, que agora é exportado para o resto do mundo, é que a engenharia dura não pode fazer todo o trabalho, como os gaúchos puderam observar na falha de suas casas de bombas. No livro de 2011 “Planejamento de inundações: a política da segurança da água” (trad. livre para Flood Planning: The Politics of Water Security, sem edição no Brasil), Jeroen Warner, doutor em estudos de desastres, chamou o programa de “ruptura radical” no pensamento holandês sobre a segurança fluvial, do “(dique) vertical para o horizontal (mais espaço para a água)”. Engenheiros holandeses compararam a mudança a uma cessação de um estrangulamento do rio Reno, que passou a poder “respirar”.

O sistema holandês de manejo das águas tem alto custo. Só na manutenção de dois mil quilômetros de diques e represas até 2050, o governo dos Países Baixos planeja gastar 33 bilhões de euros (R$ 183 bilhões), segundo a revista NL Times. A nação é a 19ª mais rica do mundo pela métrica do PIB per capita, segundo o Banco Mundial, e é a 11ª mais economicamente livre do mundo nos últimos rankings da Heritage Foundation e do Instituto Fraser.

Japão: exemplo reconhecido
mundialmente

O Japão é
mais montanhoso que os Países Baixos, com 70% de sua área de 378 mil
quilômetros quadrados em áreas de relevo elevado, mas as áreas que atraem as
moradias japonesas costumam ser vales propensos a inundações. Até 2014, 60
milhões dos habitantes do país moravam nessas planícies com risco de enchente.

As
inundações são frequentes, com crescimento de tempestades de 50% nos últimos 30
anos, segundo uma revisão publicada em 2022 na revista Natural Hazards and
Earth System Sciences
por Faith Ka Shun Chan, pesquisadora de geografia na
Universidade de Leeds no Reino Unido, e colaboradores. As torrentes de água vêm
de tufões, chuvas torrenciais, derretimento de neve e tsunamis. Só em 2004, o
Japão enfrentou quatro tufões e uma inundação que matou 20 pessoas e danificou
26 mil residências, deixando 5800 pessoas sem lar.

Surpreendentemente,
foi somente na década de 1960 que a terra do sol nascente começou a enfrentar
com mais seriedade as inundações pela legislação. Uma série de novas leis
culminou na política de Medidas Abrangentes de Controle de Inundação, em 1977.

Sob a
política, os rios japoneses foram divididos em três classes: A, B e C; dos
maiores e mais arriscados para enchentes para os menos importantes. As duas
categorias menos importantes foram entregues aos governos de nível municipal e
regional, ficando a mais importante a cargo do governo federal, especialmente
do Ministério das Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo.

O
ministério investiu pesadamente em engenharia, com o propósito principal de
transportar a água rapidamente para o mar. Isso foi feito pela construção de
grandes diques, canais divergentes e desvios.

Em uma
movimentação similar à dos holandeses, a partir dos anos 1990 o Japão
complementou a abordagem de engenharia pesada com iniciativas sustentáveis “de
baixo para cima”. Uma lei de 1997 estabeleceu que “quando administradores tiverem
a intenção de esboçar planos de melhoria em um rio, deverão considerar as opiniões
de pessoas com experiência ou histórico acadêmico quando necessário” com
realização de “audiências públicas para refletir a opinião das pessoas”.

Outra lei,
de 2003, tratou de danos ocasionados por inundações especificamente em rios que
fluem dentro de cidades. Houve uma ênfase em um sistema de alarmes de inundação
para a população. A legislação prevê a preparação de serviços de emergência
como abrigos temporários e acompanhamento médico de evacuações da população.

Mais
recentemente, as autoridades japonesas produziram mapas detalhados de áreas em
risco de inundação, especialmente após tsunamis dos anos 2010. O trabalho do
país é reconhecido internacionalmente: em 1994, a Conferência Mundial sobre a
Redução de Desastres Naturais recomendou a “Estratégia de Yokohama” para adoção
geral na prevenção e mitigação de desastres.

A Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial elogiaram em diversas oportunidades o preparo do Japão para o problema. Marc Forni, especialista em gestão de riscos de desastres do Banco Mundial, afirmou que “sem dúvida, o Japão é o melhor nessa área de especialização”. A Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) ajuda outros países a melhorar suas capacidades de resposta a desastres.

noticia por : Gazeta do Povo

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