Os presidentes americanos geralmente apontam, não importa sua insinceridade, a importância da imprensa livre. Há exceções gritantes, como o paranoico Richard Nixon e o sociopata Donald Trump.
Mas há chefes de Estado cuja imagem pública não foi respingada pela lama de hostilidade a jornalistas. Barack Obama, que se elegeu reivindicando o título de Mister Transparência, não piscou ao renovar a ameaça de prisão contra o repórter investigativo James Risen, na época, no The New York Times.
O governo Obama queria obrigar Risen a identificar sua fonte no livro em que ele revelou os planos da CIA para sabotar o programa nuclear do Irã. De fato, o presidente do slogan “sim, nós podemos” resolveu que podia combater o vazamento de informações secretas aplicando, mais do que qualquer um dos seus antecessores, a Lei de Espionagem, aprovada em 1917, quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial.
John F. Kennedy ficou furioso ao ser criticado, em 1962, por jornais por táticas dignas da máfia italiana para forçar a indústria do aço a cortar preços. Reagiu cancelando as assinaturas do então relevante New York Herald Tribune, aquele jornal da cena clássica do filme “Acossado”, de Jean-Luc Godard, vendido na rua de Paris por Jean Seberg. Aflito para ler o Tribune, JFK teve que recorrer a cópias emprestadas de terceiros.
Joe Biden tem uma carreira pública de meio século, mas sua picuinha com o venerando —mas não venerado— New York Times começou em 2020, quando, não só o Times, mas boa parte da imprensa, tratou inicialmente sua campanha como mais uma quimera, repetição de duas tentativas, em 1988 e 2008.
Lá fora
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Uma reportagem no site Politico, cuja Redação, em Washington, tem intimidade editorial quase carnal com a equipe que cobre política para o Times na capital, detalhou recentemente o que alega ser a relação hostil entre a Casa Branca e o historicamente mais influente jornal americano.
É preciso explicar que o site do New York Times hoje tem mais de 10 milhões de assinantes, número que não reflete mais o apetite pelo consumo diário de um jornal tradicional, mas a formidável transformação do Times numa parada obrigatória para outros tipos de consumo, de fato um conglomerado de mídia. Tenho uma galeria de fotos de pães, assados sob a instrução da seção de receitas do Times, para provar.
Na versão do Politico, Biden, por não ter concedido uma entrevista exclusiva ao Times depois de se eleger, está se vingando da cobertura negativa que ele acredita ser excessivamente concentrada na sua idade e intencionalmente desatenta a resultados reais de seu governo. Pior, haveria uma hipócrita falsa equivalência entre um candidato idoso democrata e um republicano quase tão velho –e possivelmente escorregando no poço da demência— trombeteando seus planos de destruir a democracia.
Pausa para admitir que esta colunista vê a Presidência Biden, com base em fatos, como a mais consequente desde que aqui desembarcou no governo Reagan, enquanto abomina a condução da política externa com Israel, na guerra em Gaza.
A animosidade entre o New York Times e o presidente chama atenção, neste momento, menos pela eterna fricção entre o Poder Executivo e a luta de jornalistas por independência. O Times está certo em afirmar que não é braço da campanha de Biden. Biden está certo em afirmar que a imprensa americana ainda não compreendeu a gravidade da ameaça em curso nesta eleição.
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noticia por : UOL