A escalada do embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro agora também alcança o cenário politicamente polarizado do Congresso americano. A ala republicana da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos EUA divulgou nesta quarta-feira, 17, um relatório em que aponta “censura do governo brasileiro” à plataforma de Musk e a outras redes sociais, como Facebook e Instagram. O documento inclui 88 decisões da mais elevada Corte do País e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando a retirada de perfis das plataformas. Muitas delas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes em processos que tramitam sob sigilo no Supremo.
De acordo com o STF, os documentos divulgados pelos deputados dos EUA não contêm os argumentos das decisões que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis. Trata-se dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento das determinações. “Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação.”
O episódio mais recente do caso remete à visita, em março, de uma comitiva de deputados brasileiros – liderada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) – a Washington (EUA). Os parlamentares do Brasil buscaram apoio dos congressistas republicanos, apoiadores do ex-presidente Donald Trump, e denunciaram violações de direitos humanos, incluindo a liberdade de expressão, por parte de autoridades e das Cortes superiores.
Inquérito
Cerca de um mês depois, no começo de abril, a X Corp afirmou que foi “forçada” por decisões judiciais a bloquear contas no Brasil. Musk então passou a fazer repetidas críticas a Moraes, ameaçando descumprir as ordens judiciais e vazar informações dos autos.
Em resposta, o ministro incluiu o empresário como investigado no inquérito das milícias digitais por “dolosa instrumentalização” do X. O bilionário reagiu, chamando Moraes de “ditador” e afirmando que ele teria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “na coleira”.
O reflexo no Congresso brasileiro foi imediato. Além de alimentar a artilharia contra o Supremo entre os parlamentares aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o caso reativou a discussão sobre a necessidade de regulamentação das redes sociais.
Na prática, o efeito foi a volta à estaca zero da tramitação do Projeto de Lei das Fake News. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes partidários da Casa decidiram criar um grupo de trabalho para discutir fake news e regulação das redes sociais, mas sem o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na relatoria. A avaliação é de que o projeto de lei relatado pelo parlamentar ficou “contaminado” e, por isso, ele perdeu as condições de liderar o debate. O grupo de trabalho tem duração prevista de 30 a 45 dias.
‘Campanha’
No Congresso americano, de acordo com um comunicado de imprensa divulgado pelo grupo trumpista, o relatório inclui “cópias de 28 decisões em inglês e português exaradas pelo ministro Alexandre de Moraes e destinadas à X Corp”; outras 23 decisões de Moraes “para as quais a X Corp não possui uma tradução em inglês”; e, ainda, 37 decisões do TSE.
Segundo os deputados do Partido Republicano, o relatório “expõe a campanha de censura do Brasil e apresenta um estudo de caso surpreendente de como um governo pode justificar a censura em nome do combate ao chamado ‘discurso de ódio’ e à ‘subversão da ‘ordem'”.
Ainda de acordo com os representantes republicanos, “o governo brasileiro” estaria “tentando forçar o X e outras empresas de redes sociais a censurar mais de 300 contas, incluindo as de Jair Messias Bolsonaro, a do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e a de Paulo Figueiredo, jornalista brasileiro”. Bolsonaro, no entanto, continua com seus perfis ativos nas principais redes sociais.
Alguns dos perfis derrubados por ordem de Moraes já são conhecidos. É o caso de perfis ligados ao empresário Luciano Hang, das lojas Havan; dos blogueiros Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio; do ex-deputado federal cassado Daniel Silveira; do youtuber Monark; além do ex-deputado federal Roberto Jefferson.
Nestes casos, a acusação é a de que eles teriam divulgado versões falsas sobre fraudes nas urnas, promovido ataques contra o STF e defendido até mesmo a edição de um novo AI-5, instrumento de supressão de garantias individuais utilizado durante a ditadura militar – esta atribuída a Silveira. Outros, como os jornalistas Bernardo Kuster e Paulo Figueiredo, foram acusados de incentivar os apoiadores de Bolsonaro a “romperem a normalidade democrática”. No dia 8 de janeiro de 2023, centenas de radicais depredaram as sedes do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto, em Brasília.
Repetições
Vários dos perfis derrubados pelas determinações de Moraes não parecem pertencer a figuras públicas. Numa das decisões, do dia 14 de dezembro de 2023, o ministro determina a remoção dos perfis @NsmNews e @canedocando no Twitter. A decisão foi tomada no âmbito da Petição 9935, que tramita em sigilo no STF. “Senhor diretor, informo que uma decisão foi tomada no âmbito do processo confidencial acima, para cumprimento imediato, nos seguintes termos”, diz um trecho.
O mesmo texto se repete em dezenas de decisões, com prazo de duas horas para remoção dos perfis e multa diária de R$ 100 mil. O texto padronizado também pede o envio dos dados de registro das contas para o STF, bem como a preservação do conteúdo postado pelos usuários – ou seja, que ele seja conservado para consulta posterior.
Ontem, Musk voltou à carga e disse que “a lei quebrou a lei” ao compartilhar uma publicação que critica a atuação do ministro do Supremo.
As decisões de Moraes pela desativação das contas foram tomadas ao longo dos últimos quatro anos no âmbito das investigações sobre milícias digitais e no chamado inquérito das fake news, que apura ações orquestradas nas redes sociais para disseminar informações falsas e discurso de ódio, com o objetivo de minar as instituições e a democracia.
OAB
Um dos poucos casos em que Moraes apresentou no despacho os argumentos que o levaram a remover determinadas contas das redes sociais foi em relação ao perfil da “Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil” no X. O pedido para que a página fosse retirada do ar partiu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sob o argumento de que os seus administrados empreenderam “verdadeiro tumulto contra a democracia brasileira, por intermédio dos seus perfis nas redes sociais”.
Moraes acatou os argumentos da OAB e alegou que as publicações feitas pela Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil ocorreram no contexto de atos antidemocráticos que visavam dar um golpe de Estado após a derrotada de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022. Ainda de acordo com o ministro, as manifestações do perfil nas redes sociais se “revestem de caráter instigador” da invasão às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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