Indígenas da Amazônia iniciaram a domesticação da planta cupuaçu (Theobroma grandiflorum) ocorreu muito antes do estimado, entre 8 mil e 5 mil anos atrás, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). A espécie surgiu na Bacia do Rio Negro, mas sua disseminação nos arredores da ocupação humana aconteceu nos últimos dois séculos.
Por meio de testes genéticos, estudiosos conseguiram identificar que o surgimento do cupuaçu teve muito mais interferência humana do que o esperado. Nas análises genômicas, eles constataram que a planta passou por grande cargas de mutação e perda de diversidade genética. O estudo foi publicado na revista da Communications Earth & Environment em novembro de 2023.
O autor do estudo e pós-doutor em biodiversidade genômica, Matheus Colli-Silva diz que o teste genético foi necessário porque as evidências arqueológicas e históricas eram “limitadas, inconclusivas ou conflitantes, nunca demonstrando claramente se a planta era selvagem ou domesticada”.
Há 12 mil anos, a Amazônia é palco para o nascimento de diversas plantas a partir da escolha dos seres humanos de características que mais interessavam a eles. Na Bacia do Rio Negro, as primeiras ocupações humanas ocorreram em 8,5 mil anos antes de Cristo. A população local pertencia a, pelo menos, 20 grupo étnicos diferentes e falava idiomas de três famílias linguísticas diferentes: Arawak, Tukano e Makú.
Algumas espécies de plantas sofreram poucas modificações via seleção artificial, como o cacau, o açaí e o guaraná. Outras tiveram maior influência humana e obtiveram diferenças maiores em comparação com as selvagens que lhe deram origem.
O abacaxi (Ananas comosus), por exemplo, foi selecionado para oferecer apenas uma grande fruta. Outras plantas amazônicas que sofreram domesticação em diferentes graus são mandioca, castanha-do-pará e cacau, que é parente do cupuaçu.
A planta selvagem que deu origem ao cupuaçu se chama capuí (Theobroma subincanum). O estudo destaca que o intenso processo de domesticação resultou na formação de grandes diferenças entre as duas espécies ao ponto que taxonomistas conseguiram reconhecê-las como espécies distintas.
As frutas e as sementes do cupuaçu são maiores do que a do cupuí, por exemplo. Além das diferenças morfológicas, a localização das espécies também apresentam algumas diferenças.
A presença do cupuí se estende na porção oeste da região amazônica na direção de Colômbia, Equador e Venezuela. Já a distribuição do cupuaçu está associado à ocupação humana.
De acordo com Matheus Colli-Silva, os povos originários da época escolhiam para consumo as maiores frutas do cupuí. “As sementes, descartadas após o consumo do fruto ou plantadas, originavam novas árvores com características semelhantes, o que consequentemente derivou em árvores com produção de frutos maiores ao longo do tempo”, explica.
De acordo com a pesquisa, enquanto o surgimento do cupuaçu ocorreu entre 5 mil e 8 mil anos atrás, sua distribuição ocorreu nos últimos dois séculos. A popularização da planta começou em 1880 e se intensificou durante a década de 70 e 80. O estudo afirma que as datas correspondem a dois grande períodos de ocupação da floresta amazônica.
O primeiro momento diz respeito à exploração de látex na Amazônia para fabricação de borracha. Em 1970, a ditadura militar estimulou grande fluxo de imigrantes de outras áreas do Brasil para a floresta sob o lema “ocupar para não entregar”.
noticia por : UOL