VARIEDADES

Hoje vamos discutir a frase “bandido bom é bandido morto”. Bora?

Sexta-feira Santa. Enquanto pelo Brasil milhões de pessoas saíam em procissão e paravam para refletir sobre a gravidade do ato de matar Deus, os materialistas ateus do MTST publicavam um meme ambiguamente ofensivo. A imagem mostrava Cristo crucificado e, ao lado dele, legionários romanos que ecoavam um slogan associado à direita: “Bandido bom é bandido morto”. Polêmica! Eu olhei para aquilo, aquilo olhou para mim…

E aqui estou eu. Ousadamente (estupidamente?) entrando nesse terreno pantanoso. Correndo o risco, por um lado, de ser confundido com uma dessas pessoas que defendem a ressocialização de um estuprador por meio da arte com garrafas pet; e, por outro, de ser confundido com uma dessas pessoas que idolatram esquadrões da morte e torturadores, e que são chegadas numa penademortezinha. Por que entro nessas roubadas, meu Deus? É, deve ser estupidez mesmo.

Acontece que o slogan “bandido bom é bandido morto” me fascina. E não é de hoje. A ideia da justiça e da injustiça, da punição civilizada e do olho-por-olho, me interessa desde que eu, um pré-adolescente orelhudo e cabeludo, assistia ao programa do Alborghetti – que naquele tempo chamávamos de “o Cadeia”. Mas é claro que eu não usava nenhum desses termos bonitos e adultos e supostamente esclarecidos. A fascinação estava na forma como o apresentador caricato deixava claro, bem claro, que não acreditava em absolutamente nenhuma possibilidade de um bandido, fosse ele um ladrão de galinhas ou um estuprador latrocida, se redimir.

Bandidolatria de um lado

E eu por acaso acredito? Até o final do texto pretendo responder a essa pergunta, mas antes me permita falar do uso contraditório e incoerente do slogan popularizado pelo nada inocente Delegado Sivuca. Primeiro, vou falar do uso da frase pela esquerda que, eu sei, você sabe, o Roberto Motta sabe e até a torcida do Flamengo (!) sabe, é bandidólatra. Isto é, adora um presidiariozinho, ainda mais se for de pobre e couber em alguma das muitas categorias identitárias. Uma esquerda que é por definição materialista e contra ideias “alienantes”, como transcendência e Eternidade. Uma esquerda chegada num pelotão de fuzilamento para os inimigos do regime.

Uma esquerda que se diz contra a ideia do “bandido bom é bandido morto”, mas que na prática considera todos os seus adversários bandidos, e em vários lugares do mundo e momentos históricos não hesitou em executá-los sumariamente. Uma esquerda defensora da saidinha, crédula na ressocialização (não à toa elegeu o Lula…) e porta-estandarte dos direitos dos manos, mas que não acredita na possibilidade de arrependimento ou redenção ou mesmo inocência de um, sei lá!, machista preso em flagrante por não ter lavado a louça. Ou qualquer coisa menor assim.

Resumindo (porque preciso lavar a louça antes de a minha mulher chegar em casa!), uma esquerda que quer a maior punição possível para os crimes de opinião ou crimes identitários, mas que não vê problema nenhum em abraçar pedófilo assassino em rede nacional, nem de transformar um facínora como Elias Maluco em mártir e vítima da sociedade. Aquele blábláblá que você já conhece. Agora vamos às contradições da direita?

E a misericórdia divina?

A contradição da direita que grita “bandido bom é bandido morto” é ainda mais interessante, fascinante, desconcertante. E decepcionante. Porque essa é a mesma direita que se diz cristã. Aí está uma coisa que não consigo entender e se houver alguém disposto a explicar, sou todo ouvidos: como é possível acreditar na misericórdia divina, no perdão, no arrependimento de São Dimas!, na redenção… e defender a execução sumária de qualquer um tido como bandido?

Ou melhor, pegando o gancho da Sexta-feira Santa: como se reconhecer um ser humano falho, que no tempo de Cristo provavelmente gritaria “crucifica-O” ou então pediria a soltura de Barrabás – e ainda assim se considerar no direito de decidir quem deve ou não viver e por quê? É uma conta que simplesmente não fecha. É uma lógica que me escapa.

Mais do que isso, me parece que por princípio a direita deveria defender a grande conquista civilizacional que é o nosso sistema judiciário, com leis e todo um processo de acusação e defesa forjado ao longo de séculos, e de inspiração claramente cristã. Isto é, um sistema que privilegia, quando não a inocência, a possibilidade de arrependimento e o castigo justo. E agora acho que é uma boa hora para dizer se acredito ou não na redenção de bandidos. Mas só amanhã.

Milagres

Brincadeira. Como amanhã quero passar o dia cuidando da minha coleção de selos, vai aqui e hoje mesmo: em se tratando de bandidos, acredito em milagres – até certo ponto. Acredito que um ladrão ou mesmo um assassino pode, sim, se arrepender. Quando isso acontece, porém, é difícil, muito difícil, quase impossível que o bandido conviva em paz com o próprio erro. Mesmo que seja inocentado pela justiça dos homens, o criminoso só terá certeza de que foi perdoado por Deus depois que bater as botas – e aí é que está o maior castigo.

Digo isso tomando como medida meus próprios pecados. Que evidentemente são apenas traquinagens em comparação a crimes contra a vida alheia. As traquinagens, porém, pesam e tem dias em que me arrasto pela casa, arrependido de palavras ditas há vinte ou mais anos. Mas tem sempre um “mas” e este “mas” é tão importante que merece um parágrafo só para si.

Mas tenho dificuldade para acreditar no arrependimento e na redenção de estupradores, pedófilos, matadores de aluguel, assassinos em série, terroristas, torturadores e pessoas que cometem atos de crueldade sob efeito de drogas. Nesses casos, e em tese, não vejo como a sociedade não se beneficiaria da eliminação desses monstros. Mas não pelo Estado! Para falar a verdade, sendo bem sincero mesmo, não consigo nem entender a existência de gente capaz de cometer esses crimes. Tampouco entendo como um criminoso desse tipo conseguiria conviver com a mera lembrança de seus atos.

Além disso, sei que jamais seria capaz de tomar a decisão de acabar com a vida de alguém – para o bem da sociedade. Sem esquecer que sempre, absolutamente sempre, existe a possibilidade de um erro humano, demasiadamente humano. E de um milagre.

Civilizados

Viu só? Quem foi que disse que não é possível falar de temas
espinhosos hoje em dia? Com um pouquinho de humor e leveza tudo se ajeita. Só
não me deixem pegar gosto pela coisa. Senão acabo me empolgando e acreditando
que somos civilizados e capazes de conversar amigavelmente sobre essas coisas.

noticia por : Gazeta do Povo

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