MUNDO

Prever o futuro da Terra e reconstruir seu passado fica mais difícil

Independentemente do que os analistas do mercado de ações, pesquisadores e astrólogos possam dizer, não podemos prever o futuro. Na verdade, nem mesmo podemos reconstruir o passado.

Em 1814, o matemático francês Pierre-Simon Laplace declarou que, se fosse possível conhecer a velocidade e a posição de cada partícula no Universo em um momento específico —e todas as forças que atuavam sobre elas—, “para tal intelecto nada seria incerto, e o futuro, assim como o passado, estaria ao alcance de seus olhos”.

O sonho de Laplace ainda não se concretizou porque não podemos medir as coisas com precisão infinita, e assim os pequenos erros se propagam e se acumulam ao longo do tempo, levando a uma incerteza cada vez maior.

Na década de 1980, astrônomos, incluindo Jaques Laskar, do Observatório de Paris, concluíram que as simulações por computador dos movimentos dos planetas não eram confiáveis quando aplicadas a mais de 100 milhões de anos no passado ou no futuro —para efeito de comparação, o Universo tem 14 bilhões de anos e o Sistema Solar, cerca de 5 bilhões de anos.

Isso agora ficou ainda mais complicado. Um novo conjunto de simulações por computador, que leva em consideração os efeitos das estrelas passando pelo nosso Sistema Solar, reduziu a capacidade dos cientistas de olhar para trás ou para frente em mais 10 milhões de anos.

Simulações anteriores consideravam o Sistema Solar isoladamente, um cosmos mecânico no qual as principais perturbações nas órbitas planetárias eram internas, resultantes de asteroides.

“As estrelas importam”, disse Nathan Kaib, cientista sênior do Instituto de Ciência Planetária em Tucson, Arizona (Estados Unidos). Ele e Sean Raymond, da Universidade de Oklahoma, publicaram seus resultados na revista Astrophysical Journal Letters no final de fevereiro.

Os pesquisadores descobriram que uma estrela semelhante ao Sol chamada HD 7977, que hoje está a 247 anos-luz de distância na constelação de Cassiopeia, poderia ter passado perto o suficiente do Sol cerca de 2,8 milhões de anos atrás para abalar os maiores planetas em suas órbitas.

Essa incerteza adicional torna ainda mais difícil para os astrônomos prever mais de 50 milhões de anos no passado, para correlacionar anomalias de temperatura no registro geológico com possíveis mudanças na órbita da Terra.

Saber isso seria útil conforme tentamos entender as mudanças climáticas em andamento. Cerca de 56 milhões de anos atrás, disse Kaib, a Terra aparentemente passou pelo Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, um período com mais de 100 mil anos de duração durante o qual as temperaturas globais médias aumentaram até 8 graus Celsius.

Esse período quente foi desencadeado por alguma mudança na órbita da Terra ao redor do Sol? Talvez nunca saibamos.

“Não sou especialista, mas acho que esse é o período mais quente dos últimos 100 milhões de anos”, disse Kaib. “E quase certamente não é causado pela órbita da Terra em si. Mas sabemos que as flutuações climáticas de longo prazo estão ligadas às flutuações orbitais da Terra. E, se você quiser entender anomalias climáticas, ajuda estar confiante sobre o que a órbita da Terra está fazendo.”

“As simulações são cuidadosamente feitas, e acredito que a conclusão esteja correta”, afirmou Scott Tremaine, especialista em dinâmica orbital no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey. “Essa é uma mudança relativamente pequena em nossa compreensão da história da órbita da Terra, mas é uma mudança conceitualmente importante.”

A história realmente interessante, segundo ele, é como o caos na órbita da Terra poderia ter deixado uma marca no registro paleoclimático.

A capacidade de rastrear os movimentos de estrelas logo além do Sistema Solar melhorou com o telescópio espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), em 2013.

“Pela primeira vez, podemos realmente ver estrelas individuais, projetá-las de volta no tempo ou para frente, e descobrir quais estão próximas do Sol e quais não se aproximaram”, disse Kaib. De acordo com seus cálculos, cerca de 20 estrelas chegam a 1 parsec (cerca de 3,26 anos-luz) do Sol a cada milhão de anos.

No caso da estrela HD 7977, efeitos gravitacionais de um encontro mais próximo poderiam ter abalado as órbitas dos planetas gigantes externos, que por sua vez poderiam ter abalado os planetas internos como a Terra.

“Isso é potencialmente poderoso o suficiente para alterar as previsões das simulações sobre como era a órbita da Terra além de aproximadamente 50 milhões de anos atrás”, disse Kaib. Como resultado, ele disse, quase tudo é estatisticamente possível se você olhar para frente o suficiente. “Descobre-se que, por exemplo, se avançar bilhões de anos, nem todos os planetas são necessariamente estáveis. Na verdade, há cerca de 1% de chance de que Mercúrio atinja o Sol ou Vênus ao longo dos próximos 5 bilhões de anos.”

Seja o que for que aconteça, as chances são de que não estaremos por perto para ver.

noticia por : UOL

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