VARIEDADES

Anatomia de uma queda: a da popularidade de Lula

Meu pai me liga todo feliz. Como há muito não ficava. “E a popularidade do Lula, hein? Despencou!”, pergunta e celebra ele, dando uma risada que mantém certo vigor infantil. Quase traquinas. Uma risadinha de inegável triunfo. Caxias que sempre fui, trato logo de mostrar que estou bem-informado, graças a esta Gazeta do Povo: “Não foram nem uma nem duas, e sim três as pesquisas que mostram a queda na popularidade do Lula”.

Continuamos conversando por algum tempo. “E você viu que a queda mais expressiva foi no nordeste?”, pergunta o sênior ao júnior. “Vi, sim, pai. Vi também que a desaprovação disparou entre os evangélicos”, digo. E concluo: “A verdade é que ninguém aguenta mais o Lula. Nem os lulistas”. Meu pai ri da piada boba, bobíssima. Ele está feliz. Nem do Coxa ele tem reclamado por esses dias. Tudo porque a popularidade de Lula está em queda.

E eu é que não sou nem louco de estragar a felicidade dele e sua, leitor. Afinal, acumulamos tantas derrotas nos últimos anos que agora só nos resta mesmo a sensação boa do “eu já sabia!”. Ou melhor, a sensação boa do “eu avisei!” dito a todos aqueles que acreditaram na balela do Lula democrata, do Lula estadista, do Lula pai dos pobres, do Lula honesto e bem-intencionado, do Lula ressocializado – enfim, todos aqueles que acreditaram que Lula tinha aprendido com seus erros e faria bom uso dessa terceira chance que Deus lhe dava.

Desligamos, meu pai e eu. Mas antes de lhe explicar o que o filme “Anatomia de uma Queda” tem a ver com a impopularidade do Lula e a felicidade repentina de tanta gente, permita-me dizer que levei décadas para entender que a maior qualidade do meu pai é a inocência – no sentido de uma ingenuidade infantil. A mesma ingenuidade que cultivo como quem cultiva prímulas e que para ele é fácil. Natural. E eu o admiro muito por isso. Agora, ao filme.

Atenção! Contém spoilers

Nessa celebração toda da impopularidade do Lula, uma coisa me incomoda. Na verdade, duas. A primeira: como é possível que ainda haja tanta gente (51% numa pesquisa, 47% em outra) disposta a defender, a aprovar um governo tão evidentemente desastroso quanto o Lula III? E a outra: por que e como foi que voltamos a acreditar no que dizem os institutos de pesquisa, com suas metodologias sempre questionáveis e suas perguntas cheias de artimanhas?

Eis que depois de uma conversa com meu querido amigo Rafael (vocês têm que conhecer o Rafael!) descubro que a resposta para as duas questões é a mesma: o probabilismo. Isto é, a ideia de que, na impossibilidade de se alcançar a verdade, temos que nos contentar com opiniões baseadas em probabilidades. Falávamos eu e ele sobre “Anatomia de uma Queda”, filme de que ele gostou e eu nem tanto. Mais especificamente sobre o depoimento final do filho cego – depoimento com cara de “crítica literária” e que [ATENÇÃO, SPOILER!! REPETINDO: ATENÇÃO, SPOILER!! LEIA O RESTANTE POR SUA CONTA E RISCO] acaba por livrar a mãe da cadeia.

“Ah, os franceses com suas referências óbvias”, comentei, me referindo à relação edipiana entre o filho e a mãe. Édipo, você há de se lembrar, furou os olhos e tal. É que não gostei muito do filme. Talvez por pura implicância com os franceses. Talvez porque tivesse prestado atenção a outras coisas. Já o Rafael, assistindo ao filme sob a ótica do probabilismo, adorou. Nas palavras dele, “é isso mesmo: quando a gente não tem todos os elementos (e nunca temos), escolhemos acreditar em alguma versão da história. Em alguma narrativa”.

No caso do filme, o filho opta por acreditar no suicídio do pai. Como “prova”, ele menciona uma conversa sobre a morte do cachorro – conversa que o menino interpreta como se o pai estivesse fazendo referência à própria morte num futuro próximo. Trata-se de uma escolha. Diante da ausência de provas inequívocas de que a mãe matou o pai, o menino prefere conviver com a ideia de ter um pai suicida a ter que conviver com a ideia de uma mãe assassina. Não é tão difícil entender por quê.

Já no caso da impopularidade de Lula, se agora optamos por acreditar nas mesmas pesquisas que antes considerávamos peça fundamental de uma intrincada teoria da conspiração é porque os números apresentados reforçam nossa visão de mundo: a de que Lula é um presidente sem povo. E porque nos dá prazer – e não há nada de mau nisso. Até porque fazemos esse tipo de escolha o tempo todo. Da mesma forma, se parte da população opta por dizer que o governo Lula III é supimpa é porque, para essas pessoas, reconhecer o erro é uma opção pior do que serem humilhadas pela realidade.

noticia por : Gazeta do Povo

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