VARIEDADES

A “cidade flutuante” chinesa que ameaça o mar argentino

Em meio a
várias mudanças devido a nova gestão de direita, o governo de Javier Milei
lançou, na metade do mês de janeiro, uma nova operação para fortalecer o
combate contra os navios pesqueiros chineses que exploram ilegalmente o
Atlântico Sul. A falta de controle por parte da Argentina tem facilitado este
tipo de atividade ilícita em território nacional.

As imagens das
centenas de embarcações estrangeiras instaladas no limite da Zona Econômica
Exclusiva Argentina (ZEE) formando a chamada “cidade flutuante” (devido às
luzes dos barcos avistadas durante a noite) não deixam de impactar ano após
ano. 70% dos navios são chineses, os demais são de origem taiwanesa,
sul-coreana, russa, espanhola, entre outros.

Na região, ao
longo da Patagônia, as correntes ricas em nutrientes produzem grandes
quantidades de plâncton que a termina transformando em uma área fértil para a
alimentação de determinadas espécies marinhas como a merluza, o camarão e a tão
cobiçada lula.

“As águas
argentinas apresentam uma enorme abundância e diversidade de vida marinha,
incluindo mais de 330 tipos de peixes, quase 120 deles de águas profundas, e
uma variedade de invertebrados”, indica documento divulgado pela ONG americana
Oceana.

A Oceana conta
em seu relatório que “os pescadores comerciais procuram entre 60 e 70 destas
espécies, incluindo a lula argentina (Illex argentinus), que constitui a
segunda maior pescaria de lula do mundo”.

Segundo Marla
Valentine, porta-voz da ONG, “essas lulas têm uma vida útil muito curta, cerca
de um ano. Como essas embarcações capturam centenas de toneladas, não deixam
que elas possam se reproduzir nos próximos anos”.

Milha 201

A ZEE é uma
faixa que estende-se, além do limite exterior do mar territorial, até uma
distância de 200 milhas náuticas das linhas de base estabelecidas no artigo 1º
da Lei 23.968, sobre a qual o país tem prioridade para a utilização de seus
recursos naturais e responsabilidade na sua gestão ambiental. Isso representa
para a Argentina um espaço marítimo de 2.809.237 km2.

Nas últimas
duas décadas, a milha 200 emergiu como o ponto central das atividades de pesca.
Estima-se que naquela área operam-se nada menos que 500 barcos por ano, segundo
dados da Marinha Argentina. Enquanto os navios argentinos vão à região apenas
em janeiro, respeitando os ciclos do ecossistema, centenas de embarcações de
diversas nacionalidades convergem do Oceano Índico e do Pacífico a partir de
novembro. Ao posicionar-se no limite jurisdicional das águas argentinas, esses
navios conseguem ficar suficientemente próximos para atrair as lulas com suas
luzes.

Para poder
permanecer no mar durante longos períodos, os buques utilizam a modalidade de
“transbordo”, na qual transferem suas cargas para outros que, por sua vez, as
reabastecem com combustível e alimentos em águas internacionais.

Contudo, o que
mais alarma às autoridades argentinas, é que os navios não respeitam a
demarcação da ZEE e utilizam diversas técnicas para poder pescar dentro da
faixa sem receber qualquer sanção, sendo uma delas, a desativação do Sistema de
Identificação Automática (AIS) que dificulta o trabalho da guarda costeira para
identificá-las.

Em 2020 o
Congresso argentino aprovou um novo sistema de multas com um mínimo de 300 mil
dólares e um máximo de 1,75 milhões de dólares. O esquema permite a captura e
detenção da embarcação no porto até o pagamento da multa. No ano da sua
promulgação, a nova lei permitiu a captura de três barcos pesqueiros e a
cobrança de multas no valor de 2,91 milhões de dólares.

China

A presença
chinesa nestas águas distantes do Oceano Atlântico não é novidade. De acordo
com o informe da Fundação Latino-Americana de Sustentabilidade Pesqueira
(FULASP), este cenário na Argentina começou a ocorrer há 25 anos. A primeira
vez que a Prefeitura Naval Argentina (PNA), uma das Forças Federais de
Segurança da Argentina, detectou buques chineses em águas argentinas foi em
2001, quando apenas representavam algum tipo de ameaça aos recursos pesqueiros.
O gigante asiático construiu em apenas duas décadas a maior frota pesqueira do
mundo, com quase 3.000 embarcações, das quais mais de 400 operam ilegalmente no
Atlântico Sul.

Impulsionado
principalmente pelo financiamento e subsídios governamentais, o seu crescimento
e suas atividades são descontrolados, em parte porque a própria China não dá
importância às regulamentações deste tipo de operações.

Segundo
relatório da organização InSight Crime, hoje ela é considerada a “maior
infratora do mundo de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada”. O
documento também destaca que “a frota chinesa representa uma ameaça séria e
permanente à soberania, economia e biodiversidade argentinas”.

Apesar das
inúmeras provas e acusações, a China continua negando ligações com a pesca
ilegal no Atlântico Sul.

No entanto, as
ameaças ao mar argentino vão além das garras chinesas. Nas próximas semanas as
atividades devem intensificar-se na área. Acontece que uma grande frota de
navios espanhóis já navega em direção às águas patagônicas depois de renovar as
garantias de pesca com o Reino Unido que hoje administra as Ilhas Malvinas após
vencer a Argentina na guerra de 1982.

O Reino Unido
concede anualmente cem licenças e quotas de pesca (conhecidas como ITQB, Quota
Individual Transferível) por um período de 25 anos. Cerca de 120 embarcações
têm permissão para pescar na ZEE. Até o momento, em 2023, foram emitidas 106
licenças de ITQB para a pesca de diversas espécies. Contudo, estas autorizações
por parte do governo britânico, gera tensão com o governo argentino que alega
ser prejudicial para seu território este tipo de atividade e que constituem uma
violação grave das regras do Sistema do Tratado da Antártica, firmado em 1961,
que regula a atuação dos países e indivíduos naquela região.

20% das lulas
consumidas na Europa, especialmente na França, são capturadas nas águas que
rodeiam o arquipélago. De acordo com o informe oficial do Governo das Ilhas
Malvinas, em 2022, a pesca espanhola no arquipélago ultrapassou as 101 mil
toneladas de lulas e algumas outras espécies marinhas, o que constitui o
segundo recorde histórico desde 1989 (quando foram capturadas 118 mil
toneladas).

Impacto na Argentina e prevenção

Segundo estudo
realizado pela Fundação Latino-Americana para a Sustentabilidade Pesqueira
(FULASP), a Argentina é o terceiro país mais afetado pela pesca ilegal no mundo
e é o mais afetado na América Latina. As perdas globais devido à atividade são
estimadas em até 50 bilhões de dólares. No caso da Argentina, ela experimenta
anualmente perdas de até 3,5 bilhões de dólares.

O documento da
FULASP indica que o impacto econômico é substancial, uma vez que as empresas
argentinas exportam para os mesmos destinos que os navios ilegais. Caso essas
embarcações tenham sucesso em suas atividades de pesca, os preços da lula, por
exemplo, podem cair de uma faixa de 2.700 a 3.000 dólares por tonelada para
menos de 2.000 dólares por tonelada. Além disso, os custos operacionais das
empresas nacionais são consideravelmente mais elevados.

Essa competição
é considerada desleal por muitos devido a que os navios estrangeiros remuneram
seus trabalhadores com salários de 200 dólares por mês, totalizando cerca de
4.000 dólares mensais para uma tripulação média de 20 pessoas. Em
contrapartida, para um navio argentino, os mesmos serviços implicam em um custo
superior a 50 mil dólares.

Para enfrentar
a problemática da pesca ilegal em território nacional, o ministro da Defesa,
Luis Petri, lançou uma nova operação de vigilância e controle dos espaços
marítimos do Atlântico Sul.

Petri
acompanhou desde Mar del Plata a partida do buque ARA “Contraalmirante
Cordero”, que se dedicará durante duas semanas ao patrulhamento da zona e
controlará a localização dos barcos de pesca de bandeira estrangeira que se
encontram na milha 201 para proibir a sua entrada sem autorização na ZEE
Argentina. Ele contará com 40 tripulantes e é o último de uma série de 4 navios
polivalentes de patrulha oceânica destinados à Marinha Argentina.

De acordo com
Petri, “o governo nacional planeja a criação de um espaço interagências e
multidisciplinar para garantir a proteção e sustentabilidade dos recursos
marinhos”.

Ao longo de
mais de duas décadas, a Prefeitura Naval apreendeu 80 embarcações que
transgrediram a ZEE. Em 2016, ela até conseguiu, por meio da Interpol, deter um
barco de pesca chinês “Hua Li 8” em um porto indonésio, que havia
escapado ao não respeitar a linha das 200 milhas.

Porém, apesar de todas as medidas implementadas, “deve ser sancionado um novo marco regulatório e sancionatório”, enfatizou o ministro desde a Base Naval na cidade costeira.

noticia por : Gazeta do Povo

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