VARIEDADES

Holocausto: Nunca mais?

Hoje é dia de
lembrar as milhões de pessoas assassinadas no Holocausto. O dia 27 de janeiro
foi designado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas como o “Dia Internacional
da Memória do Holocausto”. A data marca o aniversário da libertação pelas
tropas soviéticas do Campo de Concentração e Extermínio Nazista de
Auschwitz-Birkenau, ocorrido em 27 de janeiro de 1945. Holocausto é uma palavra
mal cheirosa, pesada, tinha que começar e terminar em si, para nunca mais se
repetir, para nunca mais precisar ser lembrada.

O escritor italiano Primo Levi, prisioneiro dos campos de concentração
Auschwitz-Birkenau, escreveu: “A memória humana é um instrumento maravilhoso,
mas falaz”. Assim começa o livro “Os afogados e os sobreviventes”. Primo Levi
tinha razão. Agora mais do que nunca, a memória falaz e enganadora se prova.

Quando a
geração contemporânea entoava o slogan “nunca mais” se referindo aos horrores
do holocausto, era como reforçar uma certeza, confirmar o óbvio: nunca mais
viveríamos o pesadelo do antissemitismo. Isso era coisa dos avós e bisavós dos
judeus de hoje, pensávamos, a humanidade tinha se envergonhado de seu passado.

Mas o 7 de
outubro de 2023 mostrou que estávamos enganados. Apesar de nunca ter
desaparecido, o antissemitismo, que era condenado pela maioria e se manifestava
apenas em grupos restritos, reapareceu descarado, indiscriminado, disseminado.
Hoje se permite falar coisas sobre os judeus que as pessoas não ousariam falar
antes. Qualquer pretexto serve para inverter a ordem moral e legitimar o
preconceito.

Por isso, o
dia da memória do holocausto deste ano está diferente, carrega uma desesperança
e uma dor dupla. Desde o terrível 7 de outubro, os judeus não estão apenas
lutando pelo direito de serem judeus, mas lutando também pela verdade. A moralidade
mudou de lado, a verdade se inverteu, a decência se diluiu no ódio, a vítima
virou culpada, o estupro virou arma de guerra e a crueldade foi relativizada. O
triunfalismo sádico e impiedoso do negacionismo, arranca a fórceps as angústias
e os traumas que moram no interior de cada judeu; não apenas viola o seu
passado, mas pisoteia no seu sofrimento.

Quando foi
perguntado para uma sobrevivente dos campos de concentração o que ela sentia em
relação às pessoas que negam o Holocausto, ela não compreendeu a pergunta.
“Como assim?” Ela realmente não entendeu, não porque não falasse a língua ou
estivesse senil. Para ela aquela era uma pergunta impossível. Os campos estavam
vivos dentro dela, seu corpo personificava essa história.

Como um vírus
latente, o antissemitismo voltou com uma nova cepa e se revela da forma mais
covarde possível, camuflado pela balela do discurso antissionista. Criticar a
política de Israel é legítimo, o que não é legítimo é pregar pela eliminação do
Estado. Não há movimento identitário honesto que justifique ou relativize o
ódio contra os judeus.

E o mundo
volta a silenciar. O mesmo silêncio que no passado abriu as portas para o lado
mais sombrio da humanidade. Um silêncio cúmplice, nada inocente. “O que me
preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”, disse Martin Luther
King. Existem pessoas que preferem se calar e até negar a verdade, mesmo que
isso signifique corromper os próprios corações.

Recentemente José Genoino, ex-deputado federal ligado ao governo, propôs desaforadamente um boicote às empresas de judeus. José Genoino foi genuíno, com o perdão do trocadilho, revelou o que habita nas entranhas do seu inconsciente: seu antissemitismo, não tem outro nome. O pior, passou incólume.

O
antissemitismo está nas ruas, nas nossas esquinas, na porta ao lado, nas telas,
nas universidades. Quando se normaliza o discurso de ódio (contra judeus),
quando o feminismo se torna relativo (com relação a mulheres judias), quando se
subverte o conceito de genocídio e apartheid, quando países que violam direitos
fundamentais representam o “progressismo”, é sinal de que o mundo está indo
para o caminho errado.

Porque o ódio que começa com os judeus nunca termina com os judeus. Temos que voltar a acreditar: nunca mais!

Becky S. Korich é advogada e escritora.

noticia por : Gazeta do Povo

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