Em
30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha pelo
presidente Paul von Hindenburg. O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores
Alemães vinha conquistando um espaço expressivo na política do país: se em 1928
havia recebido 3% dos votos das eleições para o parlamento nacional, em 1930 já
havia saltado para 18% e, em 1932, alcançara 37%.
Em
agosto de 1934, com a morte de Hindenburg, aos 87 anos, Hitler se proclamou
Führer (“líder”) da Alemanha. Essa escalada, realizada em menos de dois anos, contou
com o apoio de um incidente aparentemente não motivado pelos nazistas, mas
muito bem explorado por eles: o incêndio no Reichstag, o Parlamento Alemão,
iniciado por volta das 21h de 27 de fevereiro de 1933, uma segunda-feira.
Fazia frio em Berlim: a temperatura estava em quatro graus negativos. “Parecia uma noite comum de inverno. Nada sugeria que os eventos que aconteceriam naquela noite teriam tamanho impacto para a história da Alemanha e provocariam debates acalorados ainda hoje”, relata o jornalista alemão Sven Felix Kellerhoff no livro ‘The Reichstag Fire’ [O Incêndio no Reichstag, sem edição no Brasil].
Incendiário confesso
O causador confesso do incidente foi Marinus van der Lubbe, então com 24 anos. Proveniente de família operária holandesa, ele tinha participado de uma organização juvenil do Partido Comunista no país natal. “Havia rompido com o partido em 1931 e chegou a Berlim em 18 de fevereiro de 1933”, narra o historiador inglês Ian Kershaw na biografia ‘Hitler’.
“Estava
decidido a fazer um ato solitário e espetacular de protesto desafiador contra o
‘governo de concentração nacional’, a fim de galvanizar a classe trabalhadora
para a luta contra a repressão. Em 25 de fevereiro, suas três tentativas
incendiárias feitas em diferentes prédios de Berlim fracassaram. Dois dias
depois, ele obteve sucesso em seu protesto — embora as consequências dificilmente
tenham sido aquelas que imaginara”.
Van der Lubbe foi detido, sem camisas e vestindo apenas calças com suspensórios, nos arredores do Reichstag, enquanto o incêndio ainda consumia parte considerável do edifício — mais de 60 veículos seriam mobilizados para conter as chamas. Confessou o crime rapidamente e alegou que agiu sozinho. A alegação despertaria dúvidas. Houve quem argumentasse que ele não teria condições de provocar um incêndio de tais proporções sem ajuda. Havia mesmo a suspeita de que ele sequer estava dentro do edifício quando o fogo começou.
Ele seria condenado à morte e executado na guilhotina em 10 de janeiro de 1934. O corpo foi enterrado numa vala sem identificação em Leipzig. Outros acusados de envolvimento, Georgi Dimitrov, Blagoy Popov e Vasil Tanev, seriam absolvidos e expulsos do país — eram integrantes de grupos comunistas da Bulgária e seguiram para a União Soviética (Popov seria preso durante os expurgos comandados por Josef Stalin e permaneceria detidos em gulags de 1937 a 1954). Ernst Torgler, líder do Partido Comunista alemão, também seria julgado e inocentado. Posteriormente, acabaria por colaborar com o Partido Nazista.
“Os arquivos que documentam a investigação policial e o julgamento somam exatas 50.494 páginas. Ainda assim, a situação permanece obscura. As versões variam, desde quem suspeita de que o ataque foi orquestrado pelos nazistas até quem acredita que Van de Lubbe disse a verdade”, relata Kellerhoff.
Pretexto útil
Posicionar
o comunismo como uma ameaça ao país já fazia parte do ideário nazista antes do
incidente. “Jamais, jamais me afastarei da tarefa de erradicar da Alemanha o
marxismo e seus efeitos secundários”, Hitler havia declarado em 11 de
fevereiro.
“A
unidade nacional, apoiada no camponês e no operário alemães — devolvidos à
comunidade nacional —, seria a base da sociedade futura”, narra Kershaw. Era,
declarou, “um programa de renascimento nacional em todas as áreas da vida,
intolerante para com quem pecar contra a nação, irmão e amigo de quem estiver
disposto a lutar pela ressurreição de seu povo, de nossa nação”.
Estimulado
pelos nazistas, o medo de um levante comunista estava no ar, aponta Kershaw, e
ajudou a mobilizar forças para a votação para o parlamento que aconteceria
poucos dias depois. “Quanto mais perto das eleições, mais estridente ficava a
histeria. A violência e a intimidação teriam provavelmente continuado mais ou
menos da mesma forma até as eleições de 5 de março. Nada sugere que a liderança
nazista tivesse algo mais espetacular em mente”. O incêndio mudou este cenário.
“Não vai haver perdão. Quem estiver no caminho vai ser atropelado. Toda
liderança comunista que encontrarmos pelo caminho deverá ser abatida”, Hitler
declarou, na noite do incêndio, diante das chamas.
Explorado
como a prova cabal de que havia uma conspiração comunista pronta para assumir o
controle da Alemanha, o caso levou Hitler a convencer o presidente Hindenburg a
declarar estado de emergência. Direitos individuais foram suspensos em um único
e curto parágrafo: liberdade de manifestação, de associação e de imprensa, bem
como privacidade das comunicações postais e telefônicas.
Ainda assim, nas eleições do Parlamento realizadas dias depois, em 5 de março, o Partido Nazista não alcançou a maioria que desejava — ainda que tenha alcançado o percentual expressivo de 45% do total de votos. Foi o suficiente para Hitler aprovar, no dia 23, um projeto que dava a ele o poder de decretar leis sem precisar da aprovação do Poder Legislativo. Na sequência, todos os partidos políticos do país foram banidos, com exceção, é claro, do nazista.
“Piada?”
O
ministro-comissário do Interior prussiano, Hermann Göring, foi informado por telefone
do incêndio no Reichstag. “Isso é uma piada?”, perguntou. Ao descobrir que a
notícia era verdadeira, informou Hitler, que seguiu até o local ao lado de Joseph
Goebbels, que construiu a máquina de propaganda do partido.
“Os
líderes nazistas estavam convencidos de que o incêndio era um sinal para um
levante comunista — uma ‘última tentativa’, como escreveu Goebbels, ‘de
espalhar confusão pelo fogo e pelo terror a fim de, no pânico geral, tomarem o
poder’”. Quanto a Hitler, rapidamente concluiu: “Isso é um sinal de Deus! Se
este incêndio, como acredito, é obra dos comunistas, então devemos esmagar essa
praga assassina com mão de ferro!”.
Conclamou
que os deputados comunistas deveriam ser enforcados naquela mesma noite e
realizou uma reunião improvisada por volta das 23h15, no Ministério do Interior
prussiano, em que ouviu do titular da pasta, o secretário Ludwig Grauert, que os
comunistas haviam incendiado o Reichstag e que era urgente implementar um decreto
de emergência contra incêndios criminosos e atos de terror, especialmente para
o estado da Prússia, onde havia a maior concentração de comunistas.
Decreto ditatorial
Na manhã seguinte, o ministro do Interior, Wilhelm Frick, já havia elaborado um decreto “Para a Proteção do Povo e do Estado”, que estendia as medidas de emergência a todo o país. “O decreto de emergência redigido às pressas equivalia a uma carta magna do Terceiro Reich”, escreveu Kershaw. Ele foi colocado em vigor rapidamente, ainda no dia 28 de fevereiro. O texto ficaria conhecido como “Decreto do Incêndio do Reichstag”.
O
decreto afirmava: “Se não forem tomadas as medidas necessárias para o
restabelecimento da segurança e da ordem públicas, o governo do Reich poderá
assumir temporariamente os poderes da mais alta autoridade estatal”. Desde
então, na Alemanha, quando qualquer grupo político busca um pretexto para tomar
o poder de forma abusiva, a expressão “incêndio do Reichstag” é utilizada.
Curiosamente, o edifício queimado, que havia sido construído entre 1884 e 1894, não seria reconstruído pelos nazistas — afinal, não fazia sentido resgatar um espaço de debates democráticos que pudessem abrir margem para dúvidas a respeito do comando nazista do país. Restaurado na década de 1960, ele seria redesenhado a partir de 1995, para uso do Parlamento da Alemanha reunificada.
noticia por : Gazeta do Povo