De um sonho distante em comentários de filósofos antigos,
pioneiros da astronomia e hereges queimados na fogueira, como Giordano Bruno, os
planetas que orbitam outras estrelas do Universo além do nosso Sol — conhecidos
como exoplanetas ou planetas extrassolares — hoje são uma realidade, com
milhares de exemplos confirmados. À parte a abordagem mais especulativa de
terem ou não seres vivos, quiçá inteligentes, há outro aspecto interessante
sobre eles: quais são capazes de abrigar seres humanos, caso desenvolvamos a
tecnologia para chegar até eles?
Um artigo
publicado ano passado na revista The Astronomical Journal, ligada à
Sociedade Americana de Astronomia, catalogou todos os planetas extrassolares conhecidos
até janeiro de 2023 que se encontram na zona habitável: é a região de órbita na
qual há condições do planeta, como sua distância em relação à estrela, que possibilitam
a presença da água líquida na superfície. Os mais promissores, segundo a
astrônoma Michelle L. Hill e seus coautores, são 11 planetas que incluem um que
orbita a estrela mais próxima do Sol.
Os astrofísicos apelidaram carinhosamente a região de zona “Cachinhos Dourados” — em referência à personagem de conto de fadas que se esforça para achar conforto entre extremos. A zona “é definida somente pelo grau de insolação, a energia que o planeta recebe de sua estrela”, explica Wladimir Lyra, doutor em astrofísica e professor na Universidade Estadual do Novo México, EUA, e especialista em formação planetária. Ele detalha que é calculada uma “temperatura de equilíbrio”, em que o planeta emite a mesma energia que recebe da estrela. “Se esta temperatura estiver entre 0 e 100 graus, diz-se que o planeta está na zona habitável”, acrescenta. “Dá para ver que esta definição tem seus problemas: a Lua e Marte estão na zona habitável. A definição não leva em conta a presença ou não de uma atmosfera. Sem pressão atmosférica, a Terra também não teria água líquida. Marte não tem água líquida porque a atmosfera é muito rarefeita”.
Portanto, o adjetivo “habitável”, no caso, vem com
asteriscos, mas é um bom ponto de partida para saber que outros mundos são
candidatos para a presença humana no futuro.
“Próxima Centauri b”: o exoplaneta possivelmente habitável menos distante
A estrela mais próxima do Sol está a pouco mais de quatro anos-luz de distância. Isso significa que a luz do Sol leva mais de quatro anos para chegar até lá, enquanto leva oito minutos para chegar na Terra. Com o apropriado nome Próxima Centauri, em seu entorno já foram descobertos três planetas. O que está na lista de Hill é o “Próxima Centauri b”, descoberto em 2016.
O nome segue as convenções de designação científica da União
Astronômica Internacional (IAU) — a entidade explica que o
comum é dar o nome da estrela conforme algum catálogo astronômico seguido por
uma letra minúscula, a ordem alfabética segue a ordem de descoberta em cada
estrela, sendo o primeiro planeta descoberto sempre “b”. A IAU também promove
votações para dar nomes próprios para os planetas. Brasileiros deram o nome
Guarani a um planeta a 109 anos-luz de distância, descoberto em 2001. É um
gigante gasoso com massa duas vezes e meia maior que a de Júpiter e diâmetro 11
vezes maior que o da Terra — improvável, portanto, que seja capaz de abrigar
vida. Gigantes gasosos como Júpiter dificultam a habitação por não terem superfície
sólida e apresentarem uma composição de gases simples como hidrogênio e hélio, pouco
aproveitáveis por seres vivos, além de pressões e temperaturas extremas.
O “Próxima b” pode nos abrigar? Ainda não sabemos muita
coisa sobre o planeta, comenta Lyra. “Ele foi descoberto pelo método de
velocidade radial, que é a detecção do movimento da estrela, induzido pelo
planeta segundo a terceira lei de Newton. Esse método dá apenas a distância e
uma massa mínima”. O “b” gira em torno da Próxima de muito perto: a um décimo
da distância em que Mercúrio orbita o Sol. Apesar disso, o planeta recebe menos
energia do que a Terra recebe do Sol, pois sua estrela é uma anã vermelha, o
menor e mais frio tipo de estrela — cerca de 75% das estrelas da Via Láctea são
desse tipo. Enquanto a Terra leva 365 dias para orbitar o Sol, o planeta “b” dá
uma volta completa em torno da anã vermelha em apenas 11,2 dias.
Se o “Próxima b” for como a Lua, rochoso e sem atmosfera, “a
temperatura média seria de 40 graus negativos”, calcula Lyra. Não é muito
diferente da Terra, que sem atmosfera teria uma temperatura de equilíbrio de 18
graus negativos. O efeito estufa dos gases atmosféricos e do vapor d’água eleva
essa temperatura em 15 graus por aqui, tornando a vida possível. “Se o mesmo
ocorrer neste planeta, ele poderia ser habitável”, comenta o astrônomo,
reiterando que, como sabemos só a massa mínima (1,3 vez a massa da Terra),
talvez a massa real seja tão grande quanto a de Júpiter, o que acabaria com a
esperança de ser habitável. A NASA, contudo, estima que o planeta tenha o mesmo
diâmetro aproximado da Terra.
Também há uma situação Cachinhos Dourados para atmosfera: se houver um excesso de efeito estufa, o planeta pode ser escaldante como Vênus, que tem quase o mesmo diâmetro que a Terra, mas temperatura média de mais de 460 graus, em grande parte por causa desse efeito. Um campo magnético planetário gerado pelo núcleo também é importante para proteger o planeta de tempestades solares.
Outros planetas promissores
Um dos mais impressionantes sistemas planetários já
descobertos é o da estrela TRAPPIST-1, uma anã vermelha que fica a 40 anos-luz
daqui. Já é, segundo a NASA, o sistema planetário mais estudado depois do
sistema solar, tendo sido descoberto em 2016 e 2017 e analisado pelo telescópio
James Webb, lançado em 2021. Sete planetas rochosos orbitam a estrela. No
catálogo de Hill de objetos em zona habitável, o planeta mais promissor dos
sete é o “d”, mas é seu vizinho, “e”, que ganha mais popularidade entre os astrônomos.
O primeiro tem 78% do diâmetro da Terra, o segundo tem 91%. Isso
é importante: uma das maiores dificuldades de terraformar (como chamam a
atividade de tornar um planeta habitável) Marte é que ele tem apenas um décimo
da massa da Terra, muito pequeno para reter uma atmosfera considerável (a
marciana é um centésimo da nossa). “E Marte tem gelo”, detalha Lyra. “Se todo o
gelo derretesse, o planeta seria coberto por um oceano global de 20 a 40 metros
de profundidade. O problema é descongelar essa água e mantê-la em estado
líquido. Para isso, deve-se aumentar a massa da atmosfera. Um gás de estufa
pesado como o CO2 seria ideal”.
Lyra concorda que o planeta mais promissor da anã vermelha é o “TRAPPIST-1 e”, “que está na borda da zona habitável, como a Terra”. Ele foi descoberto pelo método de trânsito — passa na frente da estrela, do nosso ponto de vista, permitindo calcular o diâmetro. O catálogo dos planetas em zona habitável de Hill mostra que há bom motivo para tanta atenção aos sete exoplanetas: eles têm a densidade mais próxima à da Terra, junto aos diâmetros e massas similares ao do nosso planeta.
Da lista de Hill, o planeta “GJ 414 A b”, descoberto em 2021
a uma distância de 39 anos-luz, é um dos planetas com sinal mais forte de
presença de atmosfera. De fato, é o sinal mais forte entre todos os planetas
descobertos por trânsito. Sua massa equivale a 7,6 vezes a massa da Terra, e
seu diâmetro é mais que o dobro. A NASA o compara a Netuno. Ele orbita em
apenas 50,8 dias uma estrela maior que uma anã vermelha, mas menor que o Sol.
Aqui, portanto, há também pontos contra e a favor do planeta como habitável.
Similar a este planeta, mas a 30 anos-luz, está o “HD 102365
b”, ainda mais massivo, equivalente a 16 Terras. Seu ano é mais longo, de 122,1
dias, e a boa notícia é que sua estrela é da mesma categoria do Sol. É uma boa
notícia porque as anãs vermelhas, mais comuns, apesar de serem menores que o
Sol são mais ativas em tempestades de partículas, “fritando” o que está ao redor
com mais frequência: mesmo os planetas na zona habitável.
Também orbitando uma anã vermelha, foi descoberta uma
“super-Terra” (um planeta semelhante ao nosso, mas mais massivo): o planeta “LHS
1140 b”, a 49 anos-luz do sistema solar. Ele tem 6,38 vezes a massa da Terra, completa
sua órbita em 24,7 dias. Outra super-Terra mais distante, a 144 anos-luz, é o
“K2-3 d”. Porém, tem mais chances de ser habitável: sua massa é de apenas 2,2
Terras, sua órbita é de 44,6 dias em torno de outra anã vermelha. A astrônoma Emily
Alemán calculou que este planeta é 80% similar ao nosso e que tem temperaturas
adequadas para abrigar pelo menos bactérias terrestres que vivem em condições
extremas.
Os astrônomos estão fazendo mais que tentar descobrir diâmetro, massa e mera intensidade dos sinais de atmosfera: eles já estão desvendando a composição de atmosferas. Em setembro passado, astrônomos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, usaram dados do telescópio James Web para analisar a atmosfera do planeta “K2-18 b”, outra super-Terra de uma anã vermelha a 125 anos-luz de distância. Eles descobriram que o planeta tem gases de carbono como metano e gás carbônico, que indicam que ele pode ser um mundo aquático, coberto por um gigantesco oceano. O líder do estudo, Nikku Madhusudhan, disse à NASA que “a busca por vida em exoplanetas tem dado atenção a planetas rochosos menores, mas os mundos oceânicos são mais condutivos para observações da atmosfera”. Os dados também sugerem a possibilidade de ocorrência do dimetil-sulfureto, uma substância malcheirosa contendo carbono e enxofre que, ao menos na Terra, só é produzida por seres vivos.
Outros planetas citados por Hill e colegas por estarem na zona habitável são “GJ 667 C c” (24 anos-luz), “Wolf 1061 c” (14 anos-luz), “Ross 508 b” (37 anos-luz) e “Teegarden b” (12 anos-luz), todos super-Terras que orbitam em poucos dias anãs vermelhas. O último é o menor, com massa de apenas 1,05 Terra, e completa uma órbita em apenas 4,9 dias — os astrônomos são otimistas quanto a ele ter água líquida, mas pessimistas a respeito de ter uma atmosfera.
Pela razão de o “Teegarden b” estar a um terço da distância dos planetas da TRAPPIST-1 e parecer mais promissor que o “Próxima b”, um cientista chinês, Tianxi Sun, sugeriu ano passado em uma pré-publicação que mandemos “astronautas de biologia sintética, criados por inteligência artificial e parecidos com plantas” para lá. “Esses astronautas terão pele verde, sangue azul, e a capacidade de fazer fotossíntese”. Por enquanto, isso está mais no campo da ficção científica que da ciência.
Estão nos ouvindo?
Nosso lar cósmico emite ondas de rádio com sinais da nossa
inteligência há um século, quando começamos a utilizar o rádio em maior escala.
Como as ondas de rádio são um tipo de luz invisível a olho nu, isso significa
que as notícias da nossa existência formam uma bolha com 100 anos-luz de raio
ao redor do sistema solar. Como a Próxima Centauri está a quatro anos-luz de
distância, se houvesse por lá uma civilização ouvindo o que se passa conosco,
estariam sabendo agora do início da pandemia de Covid-19. Já os habitantes dos
planetas da TRAPPIST-1, a 40 anos-luz, estariam sabendo só agora que uma
empresa Apple lançou um computador chamado Macintosh.
A nossa bolha de rádio tem “um volume muito pequeno
comparado com o volume da galáxia, mas contém mais de 100 mil estrelas”,
informa Wladimir Lyra. Nossas chances de estarmos sendo ouvidos, portanto, não
são tão pequenas assim. “Uma civilização mais avançada que nós talvez já o
tenha feito”.
Um americano e um soviético acertaram há 58 anos
Em 1962, o astrônomo soviético Iosif Shklovsky publicou uma
obra que chamou a atenção do astrônomo americano Carl Sagan, que propôs uma
tradução revisada. Sagan fez tantas anotações e adições que dobrou o tamanho do
livro, transformando-o em uma colaboração que furou a Cortina de Ferro:
“Intelligent Life In the Universe” (“Vida Inteligente no Universo”, em tradução
livre) foi publicado em 1966. No livro, os autores comentam que no começo do
século XX prevaleceu a opinião do astrônomo inglês Sir James Jeans, segundo o
qual o nosso sistema solar se formou em um cataclisma cósmico raro, de forma
que seria “altamente improvável que mais de uma estrela tivesse um sistema
planetário que lembre o nosso”.
Sagan e Shklovsky vão contra a ideia, dizendo que ela falha
em explicar as massas, movimentos e composição dos planetas solares, e propõem
que “há um número vasto de sistemas planetários dentro da nossa galáxia; nosso
sistema solar é a regra, não a exceção, em um universo de estrelas”. Eles
lamentam, contudo, que “essa teoria, também, ainda não foi demonstrada
conclusivamente”. Shklovsky faleceu em 1985, sem notícia de confirmação de
planetas extrassolares. Quando Sagan morreu, em 1996, 13 exoplanetas haviam
sido descobertos.
Giordano Bruno, queimado na fogueira em Roma no ano 1600,
disse que “existem inúmeros sóis; Terras inúmeras giram em torno desses sóis de
maneira similar à que os sete planetas giram em torno do nosso Sol. Seres vivos
habitam esses planetas”. Não é possível dizer que ele foi vingado quanto aos
seres extraterrestres, mas os “inúmeros” planetas sugeridos já estão sendo
contados.
A Enciclopédia dos Exoplanetas, site mantido por cientistas do Observatório de Paris, contabiliza 5.586 planetas descobertos, distribuídos por 4.119 sistemas planetários, 887 dos quais são sistemas com múltiplos planetas. O projeto cita dez formas diferentes de descobri-los, da velocidade radial ao trânsito, que é quando o planeta afeta a luminosidade da estrela ao passar na frente dela do nosso ponto de vista.
noticia por : Gazeta do Povo