A certidão de casamento dos pais do ex-presidente Jair Bolsonaro está disponível gratuitamente na internet. O documento mostra que Percy Geraldo Bolsonaro e Olinda Bonturi formalizaram sua união em 19 de julho de 1952. Foi o casamento de número 4.865 registrado pelo cartório do 2 subdistrito de Campinas.
Até alguns anos atrás, obter uma cópia dessa certidão exigiria tempo, paciência e dinheiro (além de uma viagem a Campinas). Agora, é possível encontrar registros de nascimento, casamento, batismo e óbito de graça.
O Family Search, que é o maior site de busca genealógica do mundo, fornece gratuitamente arquivos digitalizados em todas as partes do mundo. O site nasceu em 1999 e tem cerca de 400 mil visitas por dia. A maior parte dos usuários provavelmente não sabe que a plataforma é mantida pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Os mórmons.
Justamente por contar com o apoio institucional da igreja, o Family Search conta com milhares de voluntários que se dispõe a digitalizarem acervos de cartórios, igrejas e órgãos do governo. A página tem dados sobre mais de 100 países.
A base de dados do Family Search é impressionante: tem mais de 1 bilhão de documentos. Mesmo dados que parecem de difícil acesso, como um registro do casamento em Sergipe em 1785, podem ser encontrados na plataforma. Em grande parte dos casos, é possível ver a versão digitalizada do documento original em alta resolução. A ferramenta também permite que os usuários montem uma árvore genealógica interativa, com base nos dados obtidos nos arquivos.
Não só isso: a plataforma mantém 5.000 centros de apoio à pesquisa espalhados pelo mundo; somente no Brasil, são 454. Todos eles funcionam em congregações da igreja.
E existe uma razão peculiar para o interesse dos mórmons por genealogia.
Interesse por genealogia tem razões teológicas
A teologia mórmon, que combina aspectos do Cristianismo com o idiossincrático Livro de Mórmon, estabelece que as famílias podem realizar batismos em nome de antepassados que morreram sem aceitar a fé da igreja.
A página oficial da instituição explica que os mortos têm a possibilidade de rejeitar o valor da cerimônia. “A validade do batismo de um morto depende da pessoa falecida aceitá-lo e escolher aceitar e seguir o Salvador enquanto vive no mundo espiritual”, explica a página.
Além disso, a igreja, que crê na continuidade do casamento após a morte, também defende que é possível realizar casamentos póstumos para familiares que viveram juntos sem terem passado pelo rito formal do matrimônio.
Por isso é tão importante identificar os antepassados: para reuni-los no céu.
O trabalho de pesquisa genealógica dos mórmons começou ainda em 1894, com a Sociedade Genealógica de Utah. A igreja afirma ter criado a “maior coleção de registros familiares no mundo”, com dados sobre aproximadamente 3 bilhões de pessoas. Além do Family Search, a instituição mantém a Biblioteca da História Familiar, na cidade americana de Salt Lake City.
O maior banco privado de DNA do mundo
Embora o Family Search seja 100% gratuito, a demanda por registros genealógicos levou ao surgimento de empresas especializadas em pesquisas genealógicas. Uma das mais famosas é o Ancestry.com, que diz ter investido mais de US$ 300 milhões para construir a “maior e mais distinta coleção de registros de história familiar”.
A Ancestry começou em 1983 como uma editora de livros e revistas voltada para o público mórmon. Já em 1990, a companhia lançou um software para ajudar em pesquisas genealógicas e, em 1996, lançou a própria página na internet. Os responsáveis pela guinada tecnológica foram Paul Brent Allen Dan Taggart, formados na universidade (mórmon) Brigham Young.
Em 2012, a empresa deu um passo adiante em relação às concorrentes: lançou o seu primeiro kit de teste caseiro de DNA. A ferramenta permite não apenas uma medição precisa da ancestralidade genômica como identifica possíveis parentes que fizeram o mesmo teste. Hoje, a empresa tem em mão o material genético de 22 milhões de pessoas.
A empresa também afirma ter “o maior arquivo digital de buscas em obituários”. A página tem mais de 3,5 milhões de assinantes e 27 bilhões de documentos.
O modelo de negócios da Ancestry.com deu tão certo que, ainda em 2007, a empresa teve a maioria das ações comprada por uma companhia de investimentos por US$300 milhões. Em 2009, a empresa chegou à NASDAQ e, em 2020, passou a ser controlada pela Blackstone, uma gigante multinacional. Hoje, a Ancestry.com vale US$ 1,4 bilhão (R$ 6,9 bilhões de reais).
Quem são os mórmons
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foi fundada por Joseph Smith, no interior do estado de Nova York, em 1830.
Entre 1820 e 1827, Smith disse ter recebido mensagens de um anjo chamado Moroni, que também lhe indicou a localização do chamado Livro de Mórmon. Segundo a igreja, a obra chegou a ele em uma língua até então desconhecida e foi traduzida por ele para o inglês em 1830.
O Livro de Mórmon conta como povos antigos da região de Israel migraram para o que viria a ser os Estados Unidos. Segundo o relato, os “lamanitas”, em especial, sobreviveram e se tornaram os antepassados dos indígenas americanos. Os mórmons também acreditam que, depois de ressuscitar (e antes de retornar ao céu), o próprio Jesus Cristo visitou a América do Norte.
Ironicamente, o desenvolvimento da pesquisa genética deixou os mórmons em situação delicada porque desmontou a teoria de que povos oriundos da região de Israel têm conexão genética com os indígenas dos Estados Unidos.
Embora também acreditem na Bíblia, os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias adotam uma teologia diferente, em muitos aspectos, das denominações cristãs tradicionais. Por isso, eles são considerados uma categoria à parte de protestantes e católicos.
Hoje, a igreja tem 17 milhões de membros no mundo — 6,8 milhões deles, nos Estados Unidos. Os primeiros mórmons chegaram ao Brasil no começo do século 20, entre imigrantes alemães. De acordo com a igreja, que mantém estatísticas detalhadas sobre sua membresia, a denominação tem 2.176 congregações e 1,5 milhão de membros no Brasil. Se os dados estiverem certos, os mórmons são 0,7% da população brasileira.
noticia por : Gazeta do Povo