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Salvador celebra Senhor do Bonfim; conheça a história das fitinhas

Os 270 anos de fundação da Basílica de Nosso Senhor do Bonfim, serão comemorados com muita novena, rezas e batuques esta semana, tendo como ponto alto esta quinta-feira (11) com a Lavagem do Bonfim, considerada a festa de maior participação popular em Salvador depois do Carnaval.

A história centenária do templo, fundado em 1754, guarda segredos que até hoje são desvendados. A fitinha do Bonfim, o suvenir da Bahia mais conhecido no mundo, usado como amuleto no pulso de milhares de anônimos e famosos, tem antecedentes que remontam à Idade Média.

A popularização de Senhor do Bonfim se deve a sua sincretização com Oxalá. O santo e o orixá foram arrebanhando devotos da Igreja Católica e candomblé que passaram a homenageá-lo de forma festiva, o que sempre incomodou a cúpula do clero baiano.

O motivo, explica o antropólogo Arthur Ramos no livro “O Negro Brasileiro”, era o clima pouco respeitoso da parte profana que ocorria nos primeiros anos da festa, realizada no segundo domingo após o Dia de Reis.

Na quinta anterior ao dia, um animado cortejo “tomava de assalto” a igreja com o pretexto de asseá-la para o domingo. Homens e mulheres com potes de água na cabeça e empunhando vassouras “ziguezazeavam de um modo infernal nas lages” cantando benditos, chulas e sambas. A maioria se embriagava. Depois, o preceito era quebrar os potes na porta do templo e deixar as vassouras na sacristia.

A festa profana se ampliou com o passar dos anos, e a Arquidiocese proibiu a lavagem dentro do templo. Hoje, após o cortejo festivo que sai da Basílica da Conceição percorrendo oito quilômetros da Cidade Baixa até o Bonfim, “baianas” lavam o adro e as escadarias com água de cheiro. E a festa profana corre solta ao longo do dia na cidade.

Se a Lavagem ganhou corpo no século 19, a origem da fitinha do Bonfim é mais antiga. A pesquisadora Helenita Hollanda, que vem coletando nos últimos 20 anos curiosidades da religiosidade oficial e popular, encontrou nos arquivos da Irmandade do Bonfim documentos sobre a ancestral da fitinha, a “medida do bonfim”, material publicado no nosso livro “Basílicas e Capelinhas” (2006).

A peça tinha o tamanho (47 centímetros) do braço da imagem do Senhor do Bonfim, existente no altar da igreja. No livro “A Devoção do Senhor Jesus do Bom-Fim e sua História” (1923), o autor José Eduardo Freire Lima escreveu que “desde 1809 foi introduzido o uso de medidas e registros, estampas do Senhor do Bom-Fim pelo Thesoureiro Manoel Antonio da Silva Serva, e assim tem continuado há mais de cem annos”.

Comerciante português fundador do segundo jornal do país, o “Idade do Ouro do Brazil”, Serva ficou com a fama de ter sido inventor das medidas quando, na verdade, foi apenas um fomentador da sua fabricação e venda na igreja. As peças eram elaboradas com tecidos de boa qualidade como seda e decoradas com imagens do santo por artistas contratados pela irmandade. Eram vendidas para arrecadar dinheiro usado na manutenção do templo.

O Livro de Compromissos do Bonfim, de 1792, descoberto no século 21 pelo tesoureiro da irmandade, Luiz Urpia, “retirou” o título de inventor das medidas de Serva: elas já existiam na igreja em 1792, quando Serva ainda morava em Portugal.

Mas as peças não foram criadas em terras lusas. As chamadas “medidas de santo” já circulavam na Europa na Idade Média e eram usadas como objeto de cura por rezadores, inclusive um famoso, católico, padre Angelo Sequeira, autor do livro “Botica Preciosa” (1754).

Consta que desde 1223 romeiros que peregrinavam por Jerusalém levavam “cordões-medidas” do tamanho da coluna em que supostamente Jesus foi açoitado, exposta em Roma. Faziam medidas também do tamanho do pé de imagens do Senhor usadas nas costas de grávidas para apressar o parto.

As medidas medievais se assemelham a peças usadas na Caldeia, mil anos antes de Cristo. Sacerdotes escreviam o nome de deuses locais junto com fórmulas mágicas em picotas ou fitas do tamanho de certas imagens, usadas como talismãs.

Em Portugal o uso de medidas de santo por rezadores foi proibida no século 15. Mas a coisa afrouxou nos séculos seguintes. Na produção do livro “Com Dois te Botaram, Com Três eu Te tiro” (2023), sobre rezas e rezadores, encontramos cartas do século 18, de católicos portugueses enviando medidas para parentes enfermos curarem suas doenças.

E na religiosidade popular a tradição, adaptada, continua presente. Alguns rezadores medem com um cordão a ponta do dedo das mãos até as costas de uma pessoa para “diagnosticar” se ela está com “espinhela caída”. Estando, pronuncia rezas como esta: “Quando Deus andou no mundo / Três coisas deixou / Arcas e ventos / E espinhela levantou”.

Se nos dias atuais a fitinha do Bonfim é usada nos pulsos para proteção e a realização de desejos, ela está seguindo a tradição de cura das milenares medidas de santo.

noticia por : UOL

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