Embaixador ucraniano em Brasília entre 2012 e 2021, Rostyslav Tronenko havia recém-retornado à sua terra natal quando a invasão russa teve início, em fevereiro de 2022. Casado com a brasileira Fabiana e pai de uma jovem de 18 anos, ele decidiu enviá-las de volta para cá e permanecer na Ucrânia para participar da resistência.
Na semana passada, o diplomata – que no momento atua em missões especiais para o Ministério das Relações Exteriores de seu país – retornou ao Brasil para uma temporada de apenas 15 dias, a fim de cumprir agendas no Rio de Janeiro e em Curitiba. Na capital paranaense, onde vive sua família, Tronenko também conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.
Na entrevista a seguir, concedida na última segunda-feira (11), ele fala sobre a próxima fase da guerra, a continuidade dos apoios internacionais e a postura do governo brasileiro diante do conflito, entre outros assuntos.
Como o senhor avalia as
perspectivas da guerra com a chegada do inverno europeu, quando os combates e
avanços se tornam mais difíceis?
Já estamos no décimo ano de guerra e no segundo ano da agressão aberta da Rússia contra a Ucrânia. E o modus operandi dos russos não muda. Eles continuam tentando privar a população civil e as forças armadas da luz, da água e do aquecimento durante o inverno rigoroso ucraniano. Nós não temos “plano B”. A perspectiva é a nossa vitória. Só que não ela chega tão rápido quanto gostaríamos. Porque é muito difícil, uma luta muito desigual, um conflito com muitas assimetrias. Especialmente quanto aos recursos humanos e armamentos específicos, como mísseis de longo alcance e caças, que não temos até agora. Conseguimos afastar as frotas na parte leste do Mar Negro, mas ninguém avança sem domínio no ar.
Além disso, o líder deles toma decisões imprevisíveis. Muda as regras do jogo o tempo todo. É impossível negociar ou combinar com ele alguma coisa. Mas continuamos a exportação de nossos grãos e outros produtos para a África, Oriente Médio, Ásia. E também seguimos usando a nossa malha ferroviária para importação e exportação, abastecimento de armamento, etc. Por isso a perspectiva é continuar lutando, sobreviver a mais um inverno. Ficar firme, não desistir, não perder a fé na nossa vitória. Muitas vezes me perguntam: “Quando a guerra termina?”. A resposta é banal: quando a Rússia parar de agredir. Porque não podemos parar de nos defender, do contrário a Ucrânia não existirá mais. E uma das condições para sentarmos à mesa é que as tropas russas abandonem todos os territórios ocupados.
Parte da imprensa internacional afirma
que a contraofensiva ucraniana, lançada no verão europeu, não rendeu os
resultados esperados. O senhor concorda?
Não sei que resultado eles esperavam, já que as doutrinas militares dos países da Otan exigem o domínio do ar para o sucesso de qualquer ofensiva. Estamos gratos por toda a ajuda que temos recebido. Não resistiríamos tanto tempo sem o apoio político, diplomático, financeiro e militar da comunidade internacional. Mas também somos realistas. Não podemos, às custas de nossos jovens soldados, avançar só por avançar. Quando foi possível, avançamos. Só que os russos aprendem e se fortalecem enquanto esperamos mais fornecimento de armamentos, munições, sistemas antiaéreos. A Ucrânia agora é o país mais minado do mundo. Porque não há nenhum respeito ao Direito Internacional Humanitário. Para eles, é guerra total. Usam armas proibidas, como bombas de fósforo, e todos os tipos de mísseis.
O presidente Volodymyr Zelensky manifestou uma grande preocupação com a indefinição dos Estados Unidos quanto ao envio de mais ajuda militar à Ucrânia – um assunto que está em discussão no Congresso norte-americano. O senhor acredita que essa questão será resolvida e novos recursos serão liberados?
Isso vai ser resolvido, mas é um assunto interno da política norte-americana. E nossa preocupação é que o apoio à Ucrânia não fique refém desses assuntos internos, como também acontece com Israel e Taiwan. Sentimos que seguimos recebendo apoio bipartidário, mas sempre há as alas radicais. De qualquer forma, acredito que a presença de Zelensky em Washington, nesta semana, vai mudar esse quadro. Nossos parceiros, tanto europeus quanto americanos, entendem que essa é uma aposta no futuro do mundo, muitos mais do que no destino da Ucrânia.
Esse mesmo otimismo vale para a Polônia e a Eslováquia,
que recentemente anunciaram o corte da ajuda militar às forças armadas
ucranianas?
A Polônia elegeu um novo presidente [Donald Tusk], que é
pró-europeu – embora o governo anterior também fosse pró-ucraniano. E a
Eslováquia praticamente esgotou toda a sua ajuda militar. Mas temos contratos
de compra de armamento com empresas da Eslováquia. As companhias que fabricam
produtos de defesa estão em uma ascensão nunca vista antes, então é bom para
todos manter contato com a Ucrânia.
De qualquer forma, é muito estranho para mim, como diplomata e professor de Direitos Humanos e de Direito Internacional Humanitário, dizer “nos deem mais armas”. Mas tento ser otimista e acredito que isso é temporário. Precisamos entender os problemas pontuais dos países vizinhos. A diplomacia ucraniana nunca exige que seus parceiros cortem laços comerciais com a Rússia, ou saiam de determinados grupos de países, para nos ajudar. Para ser solidário com a Ucrânia, basta ser humano e ver o que acontece.
Apesar de que o foco foi tirado da Ucrânia após os ataques terroristas do Hamas contra Israel. E eu às vezes penso que isso foi proposital. Como aconteceu na Síria, um ano depois da anexação ilegal da Crimeia, quando o líder russo decidiu se intrometer na guerra civil e ficar do lado de Bashar Al-Assad. Lá também foram usadas munições de fragmentação, bombas de fósforo, armas químicas proibidas. E o mundo ficou assistindo.
Esse desvio de foco atrapalha o seu país?
Não chega a atrapalhar, pois são guerras distintas. Mas é uma distração. Ainda que por trás dos ataques a Israel estejam países que apoiam o Hamas. Como Irã, Catar, Turquia e, em quarto lugar, a Federação Russa – que recebeu, abertamente, uma delegação do Hamas em Moscou e conseguiu estragar sua relação com Israel. E o modus operandi dos autoritários é sempre o mesmo. Porque, se é permitido para um, é permitido para todos. Se foi permitido em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia, por que não é não permitido para os outros? A propaganda russa usa o pretexto da defesa dos russófonos, da justiça histórica. O que é isso no Direito Internacional? Não existe essa noção. Mas, por trás de tudo isso, sempre há jazidas de gás e petróleo em jogo.
E a História se repete agora na Guiana…
A História vai se repetindo, e o mal cresce quando fica impune. A gente precisa ter moral, decência e parar esse mal. Há seis anos, quando o presidente autoproclamado Juan Guaidó não conseguiu derrubar o regime de Maduro na Velezuela, quem estava lá dando suporte, na fronteira com Roraima? O grupo [paramilitar russo] Wagner. Muitos se esquecem ou fecham os olhos para isso. Quem queria construir uma fábrica de [rifles] Kalashnikov na Venezuela? Os russos. Se não agirmos, tudo isso cresce e aparece em outras regiões.
Precisamos nos unir, ser solidários e apoiar uns ao outros, apesar de nossas diferenças. Isso é sobre uma visão de futuro, baseada nos valores e princípios do Direito Internacional Público. Que mundo queremos deixar para nossos filhos e netos? Um mundo de caos, de guerras, de desordem total? De regimes autoritários que acendem fogos lá e cá para desviar a atenção, para chantagear? Veja a consequência dessa fase aberta da guerra. Inflação, falta de liquidez, falta de alimentos, alta no preço dos combustíveis. E tudo isso depois da pior pandemia mundial em 100 anos.
O presidente Lula voltou a dizer
que a prisão de Vladimir Putin, determinada pelo Tribunal Penal Internacional,
pode não ocorrer caso ele venha ao Brasil. Qual sua opinião sobre a postura do
governo brasileiro com relação ao conflito?
Claro que gostaríamos que o Brasil tivesse uma posição mais firme. Mas respeitamos muito a diplomacia brasileira, que é contundente, consistente, tem visão de longo prazo. É uma potência não só na região, mas mundialmente. Em maio, o presidente Lula enviou à Ucrânia seu assessor especial, Celso Amorim, que foi muito bem recebido e conheceu os lugares em que ocorreram os massacres em massa. Além disso, o Brasil ainda é um dos países que não retiraram sua embaixada da Ucrânia. O embaixador brasileiro participa, frequentemente, dos encontros e briefings que a nossa presidência apresenta. Então o Itamaraty sabe tudo o que acontece.
Temos todo respeito pelo artigo da constituição brasileira que trata da não ingerência em assuntos internos de outros Estados. Também compreendemos que o Brasil tem seus fluxos financeiros e depende do fornecimento externo de certos produtos e de combustível. Ou seja, entendemos a neutralidade brasileira. Mas não queremos que essa neutralidade seja uma indiferença.
Com a colaboração de Fábio Galão
noticia por : Gazeta do Povo