“Vinte e três anos após a adoção de uma resolução marcante do Conselho de Segurança da ONU sobre as mulheres, a paz e a segurança, a presença delas ainda é lamentavelmente insuficiente nas mesas de negociação”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta quarta-feira.
Em sessão sobre o tema, ele apelou para que os países eliminem “a lacuna entre retórica e realidade” por meio de ações concretas nas áreas de participação, financiamento e liderança.
Presença de mulheres em processos de paz
No mês em que o Brasil ocupa a presidência rotativa do órgão, o chefe da ONU iniciou seu discurso em português, sua língua materna. Ele agradeceu a organização da reunião e destacou o papel de Bertha Lutz, que participou da elaboração da Carta das Nações Unidas e aos direitos das mulheres.
Segundo Guterres, em 18 acordos de paz firmados no ano passado, apenas um foi assinado ou testemunhado por um representante de um grupo ou organização de mulheres.
Ele acrescentou que as mulheres também representaram apenas 16% dos negociadores ou autoridades em processos de paz liderados ou co-liderados pela ONU.
O secretário-geral da ONU destacou como as contribuições das mulheres são necessárias em um mundo “à beira do abismo devido a conflitos intensos, tensões crescentes, golpes, autoritarismo em ascensão, caos climático, ameaça nuclear e outras crises.”
Citando as crises no Afeganistão, Haiti, Sudão, Ucrânia e na recente escalada de violência no Oriente Médio, Guterres afirmou que as mulheres sofrem onde há guerras. Ele acrescentou que onde o autoritarismo e a insegurança predominam, os direitos delas ficam ameaçados.
O chefe da ONU ainda destacou que as mulheres e meninas estão entre as muitas “vítimas das brutais atrocidades do Hamas”,
“E mulheres e crianças são mais da metade das vítimas dos bombardeios implacáveis em Gaza. Dezenas de milhares de mulheres grávidas estão lutando desesperadamente para acessar assistência médica essencial”, disse ele.
Exclusão e insatisfação
Guterres pediu que a agenda de mulheres, paz e segurança seja totalmente implementada “porque as mulheres já estão cansadas de serem excluídas das decisões que moldam suas vidas”.
Ele adicionou que as mulheres exigem ações concretas, com o primeiro passo sendo garantir sua presença nas negociações de paz. Guterres incentivou os governos a apoiar a mediação de conflitos para estabelecer metas ambiciosas para as mulheres nas equipes de negociação.
O chefe da ONU também enfatizou a necessidade de investimento, afirmando que para apoiar as mulheres que impulsionam a mudança e enfrentam conflitos, bem como para eliminar as barreiras à participação, é necessário haver financiamento.
Financiamento e representação justa
Ele instou os países a alocar 15% de sua assistência externa na igualdade de gênero e um mínimo de 1% para organizações de mulheres que se mobilizam pela paz. Além disso, 15% do financiamento para mediação deve apoiar a participação das mulheres.
Os governos também devem apoiar o objetivo da ONU de arrecadar US$ 300 milhões até 2025 para o Fundo de Paz e Assistência Humanitária para Mulheres por meio de sua campanha “Invest-in-Women”.
Por fim, as mulheres devem ter participação plena, igualitária e significativa em todos os níveis de tomada de decisão sobre paz e segurança, bem como na vida política e pública.
Para o secretário-geral da ONU, isso significa promover a representação justa em governos nacionais e locais, gabinetes e parlamentos.
Ele também pediu “legislação robusta e abrangente” para combater a violência contra as mulheres e acabar com a impunidade dos agressores.
Esperança vinda da Colômbia
A diplomata brasileira Glivânia Maria de Oliveira trouxe notícias positivas da Colômbia, onde as mulheres participaram das negociações entre o governo e o maior grupo rebelde remanescente no país, o ELN, o que levou a um cessar-fogo bilateral de seis meses iniciado em agosto.
Ela representou o Brasil nas negociações e observou que “mais mulheres também estavam presentes como construtoras e promotoras da paz”.
Gilvânia Maria de Oliveira relembrou que negociações anteriores entre as autoridades colombianas e o grupo rebelde Farc, que puseram fim a cerca de 50 anos de conflito, também tinham uma “dimensão de gênero” que foi refletida no Acordo de Paz de 2016.
Ela concluiu prestando homenagem “às corajosas mulheres colombianas que enfrentaram os horrores da violência, da dor e da perda”.
600 milhões em áreas de conflito
A diretora executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous, apresentou o mais recente relatório do secretário-geral sobre a resolução 1325, que revela que no ano passado, 600 milhões de mulheres e meninas estavam vivendo em países afetados por conflitos, um aumento de 50% desde 2017.
Ela também destacou a crise atual em Israel e Gaza, onde mulheres e crianças dos dois lados foram mortas.
Muitas mulheres e crianças estavam entre os mais de 1,4 mil israelenses mortos pelo Hamas, e mulheres estão entre os cerca de 200 reféns capturados. Mais de 6 mil pessoas foram mortas em Gaza, sendo 67% delas mulheres e crianças.
A ONU Mulheres estimou que agora existem mais de 1,1 mil famílias chefiadas por mulheres em Gaza, e mais de 690 mil mulheres e meninas foram deslocadas.
Ela destacou que “todo ato de violência contra mulheres e meninas, incluindo violência sexual, é inequivocamente condenado, independentemente da nacionalidade, identidade, raça ou religião das vítimas”.
Conquistas e alertas
O relatório da ONU reflete uma queda na participação significativa das mulheres nos setores de paz e segurança, mas também fornece exemplos do que deu certo, especialmente em nível local.
Sima Bahous listou exemplos de conquistas das mulheres, incluindo liderar negociações de sucesso entre as partes para garantir acesso à água e ajuda humanitária, intermediar a libertação de prisioneiros políticos, prevenir conflitos tribais não resolvidos e mediar cessar-fogo locais.
A participação das mulheres nas Forças de Paz da ONU também aumentou no último ano. Elas estabeleceram tribunais móveis para condenar atos de violência de gênero e ajudaram a garantir a libertação de mulheres e meninas sequestradas por grupos armados.
Para a chefe da ONU Mulheres, esses exemplos podem servir de inspiração. No entanto, ela alerta que, à medida que as operações de paz se retiram dos países, a capacidade da ONU de monitorar e proteger os direitos das mulheres se torna mais limitada.
“A paz começa com ela”
Uma exposição interativa montada do lado de fora da sede da ONU em Nova Iorque dá vida ao tema da reunião do Conselho de Segurança.
50 grandes retratos de mulheres pacificadoras e construtoras da paz fornecem um poderoso lembrete da necessidade urgente de mais ações para garantir a inclusão das mulheres nos esforços para encerrar conflitos e construir uma paz duradoura.
Gênero em Conflitos
A Presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Cicv, também falou ao Conselho, dizendo que os desenvolvimentos no Oriente Médio e em outros lugares são “um lembrete chocante de como as condições humanitárias podem deteriorar rapidamente”.
Mirjana Spoljaric Egger pediu às partes em conflito a “manter um mínimo de humanidade” e a aderir ao direito humanitário internacional, que protege igualmente civis, combatentes, prisioneiros de guerra e feridos nos combates.
Ela chamou a atenção para os aspectos de gênero dos conflitos, observando que “muitas violações contra as mulheres não são registradas e continuam sendo consideradas um efeito colateral inevitável da guerra”.
A representante do Cicv pediu ação para prevenir e abordar a violência sexual, promover a responsabilização e garantir que seja sempre designada como crime de guerra de acordo com o direito internacional.
FONTE : News.UN