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Operação voltando em paz: governo envia avião presidencial para buscar brasileiros em Gaza

Politicídio

Quando os palestinos em Gaza tentaram eleger a sua própria liderança em janeiro de 2006, o Hamas – que foi formado durante a primeira Intifada (Revolta) de 1987 em Gaza – ganhou as eleições. A vitória do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) foi condenada pelos israelenses e pelo Ocidente, que decidiram recorrer à força armada para anular os resultados eleitorais. A Operação Chuvas de Verão e a Operação Nuvens de Outono introduziram uma nova dinâmica aos palestinos: bombardeios pontuais como punição coletiva pela eleição do Hamas nas eleições legislativas. Nunca foi concedido a Gaza um processo político, aliás, nunca foi permitida a formação de qualquer tipo de autoridade política para falar em nome do povo. Israel tentou, pela força, erradicar a vida política de Gaza e forçar o povo a uma situação em que o conflito armado se tornasse permanente. Quando os palestinos realizaram uma Grande Marcha do Retorno não violenta em 2019, o exército israelense respondeu com força bruta, matando duzentas pessoas. Quando um protesto não violento é confrontado com a força, torna-se difícil convencer as pessoas a permanecerem nesse caminho e a não pegarem em armas.

À medida que este conflito ganha ares de perpetuidade, a frustração da política palestina passa da impossibilidade de negociações para a necessidade da violência armada. Nenhum outro caminho está aberto. A liderança política palestina ou foi restringida pela União Europeia e pelos Estados Unidos, ficando assim afastada das aspirações populares, ou – quando foi fiel a essas aspirações – acabou mandada para uma das diversas e rigorosas prisões israelenses (quatro em cada dez homens palestinos estão ou estiveram na prisão, enquanto os líderes da maioria dos partidos de esquerda passaram longos períodos sob ordens de “detenção administrativa”). O sociólogo israelense Baruch Kimmerling argumentou que a política israelense em relação aos palestinos resultou em um “politicídio”, a destruição deliberada dos processos políticos palestinos. A única via que restou aberto é a luta armada.

De fato, segundo o direito internacional, a luta armada contra uma potência ocupante não é ilegal. Há muitas convenções internacionais e resoluções das Nações Unidas que afirmam o direito à autodeterminação: entre elas, o Protocolo Adicional 1 das Convenções de Genebra de 1949, a Resolução 3314 da Assembleia Geral da ONU (1974) e a Resolução 37/43 da Assembleia Geral da ONU (1982). A resolução de 1982 “reafirma a legitimidade da luta dos povos pela independência, integridade territorial, unidade nacional e libertação do domínio colonial e estrangeiro e da ocupação estrangeira por todos os meios disponíveis, incluindo a luta armada”. Não poderia haver uma declaração mais contundente que desse sanção legal à luta armada contra uma ocupação ilegal.

Porque é que o Hamas ataca Israel? Porque uma gramática política foi imposta à relação entre palestinos e israelenses pela natureza da ocupação israelense De fato, sempre que há um modesto avanço em negociações – muitas vezes mediadas pelo Qatar – entre o Hamas e o governo israelense, essas negociações são silenciadas pelo som dos caças israelenses.

Crimes de guerra

Cada vez que os caças israelenses bombardeiam Gaza, os líderes dos países ocidentais alinham-se meticulosamente para anunciar que “estão com Israel” e que “Israel tem o direito de se defender”. Esta última afirmação – sobre Israel ter o direito de se defender – é legalmente equivocada. Em 1967, as forças israelenses atravessaram as “linhas verdes” israelenses estabelecidas em 1948 e apoderaram-se de Jerusalém Oriental, de Gaza e da Cisjordânia. A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas exigia a “retirada das forças armadas [israelenses] dos territórios ocupados no recente conflito”. A utilização do termo “ocupado” não é um ato casual. O artigo 42º dos Regulamentos de Haia (1907) afirma que um “território é considerado ocupado quando é efetivamente colocado sob a autoridade de um exército hostil”. A Quarta Convenção de Genebra obriga a potência ocupante a ser responsável pelo bem-estar daqueles que foram ocupados, tendo o governo israelense violado a maioria dessas obrigações.

De fato, no que diz respeito a Gaza, desde 2005, os altos funcionários israelenses não tem usado a linguagem da autodefesa. Eles falaram na linguagem da punição coletiva. Na preparação para os bombardeios atuais, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse: “Decidimos suspender o fornecimento de eletricidade, combustível e mercadorias a Gaza”. O seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, prosseguiu, dizendo: “Ordenei um cerco completo à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem alimentos, nem combustível, está tudo fechado”. Depois, o ministro da Energia de Israel, Israel Katz, afirmou: “Dei instruções para que o abastecimento de água de Israel a Gaza fosse cortado imediatamente.” Depois de terem cumprido estas ameaças, isolaram Gaza – inclusive bombardeando a passagem de Rafah para o Egito –,  interditando a vida de dois milhões de pessoas. De acordo com as Convenções de Genebra, isto é “punição coletiva”, o que constitui um crime de guerra. O Tribunal Penal Internacional abriu uma investigação sobre os crimes de guerra israelenses em 2021, mas não conseguiu avançar nem sequer na coleta de informações.

As crianças amontoam-se nos seus quartos à espera das bombas, sentam-se no escuro porque não há eletricidade e esperam – com a garganta seca e a barriga esfomeada – pelo fim. Após os bombardeios israelenses de 2014, Umm Amjad Shalah falou do seu filho Salman, de 10 anos. O menino não deixava a mãe sair de perto, aterrorizado com o barulho das explosões e com a morte à sua volta. “Às vezes, ele grita tão alto”, diz ela. “Até parece que está rindo alto.”

(*) Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. É redator e correspondente principal da Globetrotter. É editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Os seus últimos livros são Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

(*) Tradução de Raul Chiliani

noticia por : UOL

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