Laura, 6, trata de um tumor cerebral desde 2019. Fez cirurgia e quimioterapia por um ano e meio, e o câncer regrediu. Em outubro do ano passado, porém, houve uma recidiva e a menina retomou as sessões de quimioterapia.
Enquanto recebe a infusão no serviço de oncologia pediátrica do Hospital Santa Marcelina (zona leste de São Paulo), abraçada à sua boneca, ela observa o grupo que se aproxima e grita: “oi, presidente da Tucca! Eu sei falar inglês. Quer ver?” E repete as instruções que costuma ouvir no metrô de São Paulo.
O oncologista pediátrico Sidnei Epelman, presidente da Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer) e que dirige o serviço oncológico, aproxima-se da menina e inicia uma conversa. Laura e a mãe, Adriana Vicente, moram em Suzano, região metropolitana de São Paulo, e se deslocam uma vez por semana até o hospital para o tratamento.
A menina é uma das crianças que vêm sendo beneficiadas pela medicina de precisão, uma abordagem que permite escolhas mais acertadas de remédios e doses mais adequadas, o que aumenta as chances de cura e reduz os efeitos colaterais.
Graças a uma parceria entre a Tucca e o Santa Marcelina, que existe desde 2001, crianças e adolescentes com câncer atendidos pelo SUS têm tido acesso a mapeamento genético de tumores e a tratamentos mais personalizados.
Desenvolvido pelo laboratório de patologia e biologia molecular, mantido pela Tucca, esse trabalho acaba de receber um prêmio internacional (Bayer Popia 2023), voltado a iniciativas que enfrentem as desigualdades e melhorem o acesso a cuidados oncológicos de crianças com câncer em todo o mundo.
“Para tratar câncer hoje, precisamos ter detalhes da doença. Com o meduloblastoma [tumor cerebral], a gente sabe que tem quatro subtipos ou até mais. Conhecendo qual é a alteração molecular, conseguimos saber qual é a agressividade e podemos tratar melhor. Consigo, por exemplo, diminuir a radioterapia e, com isso, reduzo a sequela lá para frente. Curo com menos agressividade”, explica Epelman.
Um dos poucos no país especializados em tumores pediátricos, o laboratório da Tucca é responsável pela análise de tumores de crianças e adolescentes em tratamento no Santa Marcelina. Investiga também, de forma gratuita, amostras de instituições parceiras não só do Brasil mas de outros países da América Latina. O material é enviado em blocos de parafina pelos Correios, evitando o deslocamento de pacientes.
O biomédico Antonio Fernando da Purificação Júnior, coordenador do laboratório, diz que o trabalho vai além da análise e de um laudo com as alterações genéticas observadas nas amostras de tumor recebidas. “A gente discute com o oncologista se as questões clínicas batem com as questões genéticas e quais os melhores caminhos a serem tomados.”
Atualmente, estão em andamento no laboratório estudos de diversos tipos de tumores pediátricos. Entre eles, o retinoblastoma, os osteossarcomas, a leucemia linfoblástica aguda, a leucemia mieloide crônica, o neuroblastoma e os tumores cerebrais raros.
Em oito anos, o diagnóstico de tumores em crianças e adolescentes triplicou no Brasil, mas muitos dos casos são descobertos tardiamente, quando diminuem as chances de cura. “Infelizmente, o tratamento também tem sido inadequado e insuficiente, e a falta de recursos limita a oferta de cuidado e o acesso de pacientes”, diz Epelman.
A verba de US$ 50 mil (cerca de R$ 257 mil) recebida do prêmio será aplicada no desenvolvimento de um algoritmo de classificação molecular de baixo custo, específico para o meduloblastoma, a forma mais comum de câncer cerebral a afetar crianças e adolescentes.
Segundo Epelman, os custos do laboratório, de alguns remédios oncológicos que não estão na lista do SUS, de transporte e de alimentação das crianças e seus acompanhantes são bancados por meio de doações e dos eventos que a Tucca realiza.
“A gente consegue complementar o que o SUS não dá conta de suprir. É um modelo sustentável. Não adianta fazer teste genético, oferecer um remédio de R$ 100 mil, se a criança lá da Cidade Tiradentes [zona leste de São Paulo] não consegue chegar até aqui. Por isso, é importante oferecer uma assistência integral.”
O serviço tem uma média geral de sobrevida acima da nacional: 80% contra 64%. Por ano, a Tucca injeta no ambulatório de oncologia pediátrica um total de R$ 12 milhões —cerca de R$ 1,5 milhão no laboratório.
O oncologista afirma que uma preocupação constante tem sido o acesso aos medicamentos de alto custo que não estão no SUS. “A gente tem conseguido, mas a velocidade [com que essas novas drogas são lançadas] é grande e não sabemos como vai ser. Não adianta eu fazer o diagnóstico, achar a mutação e não dar o remédio que a criança precisa.”
Ele cita o exemplo do medicamento blinatumomabe, oferecido às crianças que têm recaída da leucemia. A droga custa cerca de R$ 150 mil por paciente. Dos 40 casos novos de leucemia que o serviço atende por ano, em média, cinco crianças vão precisar dessa medicação.
“O remédio representa uma segunda chance de vida a essas crianças. Eu consigo dar para as do nosso serviço, mas não para todas do Brasil que nos procuram.”
A Tucca também banca próteses de titânio, que custam entre R$ 18 mil e R$ 24 mil, nos casos de tumores que levam a amputações. Os pacientes passam por sessões de reabilitação e têm 15 dias para se adaptar à prótese. O SUS oferece uma prótese mais simples, e a espera chega a dois anos.
“Com a prótese de titânio, o paciente consegue ter uma melhor aderência, consegue desenvolver o processo da marcha e os treinos de forma muito mais rápida”, diz o fisioterapeuta do serviço, Luiz Henrique Nicolau.
Felipe Scheneider, de Juína (MT), teve diagnóstico de osteossarcoma em outubro do ano passado, aos 17 anos. Ele lutava judô e começou a sentir muitas dores no joelho.
No dia 11 de janeiro deste ano, o jovem precisou amputar uma perna. Em seguida, fez quimioterapia. Nos meses seguinte, uma tomografia de controle mostrou uma metástase no pulmão. Ele fez nova cirurgia e está na penúltima sessão de quimioterapia. Também se prepara para colocar a prótese na perna.
Na semana passada, ele testou pela primeira vez a sua nova perna. Na reabilitação, que envolve jogos eletrônicos, ele treina a nova marcha. “Não vejo a hora de voltar a andar com as duas pernas e ter a minha liberdade de volta”, diz Felipe, agora com 18 anos.
noticia por : UOL