MUNDO

Google, 25, vive hegemonia na internet e controvérsias em privacidade

O Google comemora nesta quarta-feira (27) seus 25 anos. Tudo começou na Universidade de Stanford, na Califórnia, Estados Unidos, onde dois estudantes de doutorado criaram o que seria não somente o maior motor de buscas da internet mas também a tecnologia que alavancaria um império da publicidade digital e da economia da atenção —a disputa pelo tempo escasso das pessoas.

A mesma plataforma entrega respostas a 8,5 bilhões de buscas diárias, serviço de publicidade a 89 milhões de sites e recebe dados de fontes diversas, como o navegador Google Chrome, o sistema operacional Android, o serviço de email Gmail e a nuvem Google Drive. Esse ecossistema de marketing digital, serviços e vigilância faz a Alphabet ser avaliada em US$ 1,66 trilhões (R$ 8,21 trilhões) nesta segunda-feira (25).

O buscador não esclarece por que escolheu 27 de setembro de 1998 como sua data de criação, já que foi em 4 de setembro daquele ano que a empresa Google foi registrada.

DAS BUSCAS À LIDERANÇA NA PUBLICIDADE

Os fundadores Larry Page e Sergey Brin iniciaram esse império da tecnologia ainda antes, com um investimento inicial de US$ 100 mil (R$ 487 mil) e a invenção, em 1995, do PageRank —um índice de relevância para cada página da web. A medida proposta era o número e a qualidade dos links que, em outros endereços da web, indicavam a página em questão.

A suposição dos criadores do Google, que à época se chamava BackRub —massagem nas costas em inglês— foi a de que os sites mais importantes receberiam mais direcionamento dos outros endereços da web.

O nome Google é uma adaptação de googol, número equivalente a 10 elevado à centésima potência (dez duotrigintilhões), em referência exagerada ao número de páginas indexadas na plataforma.

O sistema de ranqueamento permitiu a criação de um buscador mais eficiente do que o da concorrência à época, representada sobretudo pelo Yahoo. Os mecanismos de pesquisa existentes consideravam quantas vezes o termo buscado aparecia em cada uma das páginas da internet para classificá-las. Uma busca a palavra “internet”, por exemplo, retornava em primeiro lugar uma página escrita em ideogramas chineses em que o vocábulo era repetido várias vezes sem contexto.

O sistema também serviu para tornar a ferramenta Google AdWords (2000), que vende anúncios no próprio buscador, mais eficiente em atrair compradores do que a concorrência. Esse modelo de marketing digital ultrapassou fronteiras em 2003, com o lançamento do AdSense, que faz o meio campo entre anunciantes e sites usuários do serviço.

Em 2018, o AdWords passou por uma reformulação completa, passou a também vender anúncios para terceiros e, desde então, se chama Google Ads. No fim de 2022, o Google recebia 28,8% do total de receitas ligadas a marketing digital, de acordo com a consultoria Insider Intelligence.

O teórico de mídia Jeff Jarvis, autor do livro “O que a Google Faria” (2009), avalia que o buscador dominou a internet com um modelo de negócios antigo —o da mídia de massas. O executivo Eric Schmidt liderou o Google entre 2001 e 2011 nessa virada em direção à publicidade.

“O que o Google fez foi criar um novo mercado de anunciantes que não podia pagar os preços cobrados por jornais, revistas, rádios e televisão. Assim, esses empreendedores puderam fazer marketing de maneira eficiente na escala adequada”, diz Jarvis.

Entre 2010 e 2011, o valor de mercado do Google já oscilava entre US$ 300 bilhões (R$ 1,5 trilhão) e US$ 400 bilhões (R$ 2 trilhões) em valores corrigidos pela inflação.

ECOSSISTEMA DE SERVIÇOS

A inovação técnica nesse serviço veio a reboque de análise de grandes quantidades de dados, modelos preditivos e inteligência artificial para entregar o anúncio adequado para o cliente mais provável, sem a necessidade de grandes departamentos de marketing.

O primeiro dado coletado foi o que os usuários buscavam, mas isso não bastava para abastecer a gigante com as informações necessárias. À medida que a máquina publicitária crescia, o Google montou um ecossistema de serviços de qualidade capaz de atrair milhões de usuários.

Na primeira leva, vieram produtos corporativos, como a pesquisa especializada para o ambiente empresarial, em 2002.

Dois anos depois, veio o Gmail, primeiramente para testadores e lançado para todos em 2007. No ano seguinte, nasceu o Chrome, um dos principais navegadores da internet. Os aplicativos de produtividade hoje imbuídos em todo o sistema Google, como a agenda digital, o editor de documentos, planilhas e apresentações, vieram em 2009.

Em 2006, a empresa comprou o YouTube, plataforma de compartilhamento de vídeos utilizada em todo o mundo e que hoje também funciona como serviço de streaming de músicas, filmes pagos e outros serviços de conteúdo audiovisual.

No entanto, a maior aquisição do Google nesse período foi a empresa de publicidade digital DoubleClick, principal concorrente do AdSense. A União Europeia avaliou à época que a compra não prejudicaria o mercado de atuação das empresas.

O DoubleClick se tornou líder deste mercado no início deste milênio ao colecionar informações de usuários procedentes de diversos sites, por meio dos chamados cookies (biscoito em inglês) —arquivo padrão que armazena dados durante a visita a um endereço virtual. O DoubleClick usava isso para direcionar anúncios de acordo com o comportamento da pessoa-alvo.

Essa tecnologia possibilitou que o Google ampliasse seu modelo de coleta de dados e afinasse o direcionamento de conteúdo.

O último movimento certeiro na consolidação do império em 2008 foi a liderança no desenvolvimento do sistema operacional Android —presente em celulares de marcas como Samsung, Motorola e Xiaomi, é o principal concorrente do iOS, sistema dos iPhones, da Apple.

Em 2014, os dispositivos móveis ultrapassaram os computadores pessoais como principal meio de acesso à internet no mundo, de acordo com a consultoria ComScore. Hoje, o Android responde por 71% do mercado de sistemas operacionais de celulares.

Nos smartphones, o Google coleta, além de dados de identificação do usuário, informações sobre uso de cada aplicativo ou serviço usado no dispositivo. “Antes da coleta, o sistema operacional notifica e pede consentimento”, diz a empresa. É possível consultar os dados que o Google coleta neste link.

Como resposta ao modelo de economia da atenção, governos e a sociedade passaram a reivindicar mais transparência e privacidade. Nesse movimento, os sites comeram a publicar se usam cookies e também políticas de privacidade. O próprio Google anunciou, em 2022, que deixaria de usar cookies de terceiros no próximo ano e testa, desde então, alternativas para seu sistema de publicidade.

“O Google, hoje, tem dados o suficiente para direcionar seus anúncios para sobreviver depois de legisladores acabarem com os cookies. A velha mídia é a que está menos preparada”, diz o escritor Jeff Jarvis.

GOOGLE NA POLÍTICA

Esse domínio sobre o mercado da atenção e os dados na internet também direcionou a relação do Google com governos.

Em 2020, a gigante de buscas, com outras big techs como Apple, Microsoft, Twitter, Amazon e Facebook precisou comparecer a sessões do Congresso americano para esclarecer suspeitas de estratégias anticompetitivas e amplo poder de monopólio, afetando ainda a dimensão política do país.

O produto destas oitivas foi um relatório de 449 páginas criado pela Câmara dos Representantes, afirmando que todas as companhias abusaram de seu poder de mercado, e recomendando uma total reformulação do modelo de negócios destas empresas.

A plataforma de vídeos preocupou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela falta de transparência na moderação e pelos incentivos financeiros para produtores de conteúdo extremista —desinformação dá audiência.

Entram na conta ainda as ameaças da empresa à retirada de serviços por todo o mundo em resposta à regulamentação da divulgação de conteúdo online.

Na Austrália, por exemplo, a gigante de buscas ameaçou deixar o país caso o projeto de lei obrigando as plataformas a remunerarem os meios de comunicação pelo uso de conteúdo noticioso avançasse. No Canadá, a empresa removeu os links para notícias dos resultados de pesquisa e de outros produtos quando uma lei obrigando as big techs a pagarem por conteúdo jornalístico entrou em vigor. Também tentou burlar a lei de proteção de dados da União Europeia.

Nesses casos, o Google enviou alertas aos usuários de que as legislações colocavam em risco os “serviços gratuitos” oferecidos pela plataforma nesses países.

No Brasil, por sua vez, o Google lançou uma ofensiva contra o PL 2630, conhecido como PL das Fake News, mostraram emails, capturas de tela e relatos obtidos pela Folha, e sugeriu um levantamento do NetLab.

Quem usava o buscador se deparava com um link bem embaixo da caixa de busca, com os dizeres: “O PL das Fake News pode piorar sua internet”. O link direcionava para um post do blog do Google com inúmeras críticas ao projeto, que não foi votado após a campanha, e não possui data para retornar à pauta.

À época, o Google afirmou à Folha que não privilegiava nenhum link na internet, o que incluiria os links da própria empresa. “Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas da web, incluindo aquelas administradas pelo Google.”

Neste mês de setembro, a empresa passou a responder ao maior julgamento antitruste da história sobre acordos bilionários com operadoras de telefonia móvel e outros que ajudaram a tornar o Google o mecanismo de busca padrão da maioria dos celulares do mundo.

A professora de tecnologia, mídia e comunicações da Universidade de Columbia (em Nova York), Anya Schiffrin, afirma que a relação com o governo e a sociedade sempre foram pilar dos negócios do Google. “Tanto é que o primeiro chefe-executivo do Google, Eric Schmidt, é um lobista experiente”.

Schmidt liderou o Google durante a escalada nos negócios entre 2001 e 2011. Depois, continuou na presidência do conselho da Alphabet, holding que controla o Google, até 2019. Ele deixou a empresa de forma definitiva em 2020 para se dedicar a projetos militares dos EUA envolvendo tecnologia.

Agora, comanda o Google Sundar Pichai, chefe-executivo da Alphabet desde 2015. Em 2017, a empresa redirecionou o foco dos smartphones para a inteligência artificial. Embora quase todos os produtos Google contem com IA, a principal esperança da gigante da tecnologia até agora é o Bard, um modelo similar ao ChatGPT. Os resultados dessa aposta, entretanto, ainda estão por vir.

noticia por : UOL

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