SAÚDE

Cuidadores de pacientes com Alzheimer precisam de atenção e proteção




“Bom dia, pai”.


“Bom dia, filha”.


Nos encontros de palavras simples, os gestos também falam. O toque das mãos, o abraço, o olhar por todo o dia. No caminho de casa, a passada é lenta. Na sala, as novidades que chegam pela TV. Na mesa, a conversa do almoço. Depois, o jantar, o “boa-noite”. Mas nem todas as palavras dão conta de traduzir. “É um privilégio que eu ainda tenha o colo do meu pai”, diz Natália de Souza Duarte, de 57 anos, para falar do paizão, Ítalo, de 90 anos, diagnosticado desde 2019 com a doença de Alzheimer. Assim como o pai, a filha sabe que precisa ser cuidada também.





O cuidado é minucioso para tentar juntar as peças ou as fotos, em dias que a memória vai desfolhando lentamente. Esse amor é feito de uma rotina, mas não trivial. Depois do diagnóstico do pai, a filha, que é professora, foi ser vizinha no mesmo prédio dele, em Brasília. Uma atenção é para que ambos se cuidem. É importante que a filha esteja bem para melhor cuidar do pai.


“O meu pai e a minha mãe sempre foram muito autônomos. Eles eram funcionários públicos aposentados.” Em 2019, a mãe de Natália adoeceu e acabou falecendo no ano seguinte, por causa de um câncer. “Foi um momento muito conturbado quando houve o diagnóstico. Ele estava apresentando desorganização e perda de memória”. O irmão de Natália também se organizou com a família para apoiar o novo momento.


A progressão do Alzheimer de Ítalo tem sido lenta graças ao cuidado de profissionais e ao uso de vitaminas e do canabidiol.


“Além disso, temos procurado proporcionar muita atividade de socialização. Fizemos a opção de contar para ele sobre o diagnóstico”. Há momentos dramáticos no dia também com a lucidez.


Indiscutível é que a organização do dia a dia contempla manter independência e cuidado com a saúde mental e física da professora, que continua a trabalhar e busca fazer atividades físicas e cuidar da saúde mental.


“No começo fica muito bagunçado. Eu adoeci depois de dois anos como cuidadora, lidando com essa situação.”



Sair do isolamento



Natália viu que era necessário estar bem para cuidar do pai. Uma virada de chave ocorreu quando ela conheceu um coletivo, na capital, chamado Filhas da Mãe, que tem por objetivo gerar um sentimento que cuidadores precisam conversar, sair do isolamento e se divertir. Passear, andar de bicicleta, fazer atividade física.


“Precisamos de uma rede de proteção e poder conversar com quem está passando pelos mesmos desafios. Comecei a terapia. Hoje eu consegui organizar a minha vida de modo que eu consigo cuidar do meu pai e consigo manter uma vida também”, afirma a professora.


Segundo o médico Einstein de Camargos, pesquisador da doença de Alzheimer da Universidade de Brasília, o cuidador deve ter muita atenção com a própria saúde. “Ele precisa fazer exercício, dormir bem, dividir as tarefas com outras pessoas, profissionais ou familiares”, afirma.


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A professora de medicina Claudia Suemoto, da Universidade de São Paulo, também pesquisadora do tema, alerta para os riscos que corre o cuidador se não se cuidar também. “É importante que as pessoas não tentem abraçar o mundo, porque elas vão ficar doentes.”


Ela explica que é alto o índice de depressão e ansiedade nesses cuidadores. “Muitos deles desenvolvem problemas de pressão alta, diabetes e obesidade. O isolamento é ruim para cuidadores e pacientes.”



Luta na rotina



Foi o aprendizado de amor diário que mexeu com a jornalista Ana Castro, uma das criadoras do coletivo brasiliense Filhas da Mãe, há quase cinco anos. O projeto já foi homenageado com o Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, no Distrito Federal, neste ano. O grupo criou ainda o Guia de Serviços Públicos para Pessoas Idosas com Demências e para Cuidadoras/es no Distrito Federal.





Ana cuidou da mãe, Norma, por 14 anos, após o diagnóstico de Alzheimer. Mesmo depois da morte dela, a jornalista resolveu manter o ativismo e lutar por pessoas que viram sua vida mudar muito.


Norma tinha três cursos superiores, e isso garantiu resistência cognitiva para que o quadro evoluísse com menos velocidade. Mas tudo mudou muito. “Nasceu o meu neto. Enquanto ele aprendia a falar, andar e comer, minha mãe desaprendia comer, falar e andar”.


Hoje, aos 68 anos, Ana Castro defende a existência de atenção profissional também para quem cuida de pessoas com a doença. “A gente aprende muito com a troca de fralda, o horário do remédio. Custa muito caro no Brasil você cuidar de uma pessoa com demência”, afirma.


O grupo atua no acolhimento das cuidadoras e na troca de informações sobre serviços públicos e particulares. O coletivo, que promove saraus e desfiles de Carnaval (falando de Alzheimer), também luta por políticas públicas e para dar visibilidade às demandas de pacientes e cuidadores.


“Nós conseguimos, juntamente com o Fórum de Defesa do Idoso aqui do Distrito Federal, aprovar uma lei na Câmara Legislativa sobre a política distrital de tratamento das pessoas com demência e cuidadores. Infelizmente essa lei ainda não foi implementada no DF. A gente tem até uma audiência pública para cobrar.”


Uma das iniciativas está marcada para a manhã deste domingo (24), na avenida W3, na Asa Sul. Trata-se da caminhada da memória, com atividades gratuitas.


O grupo tem a preocupação de divulgar fatores de risco para a doença, como está no panfleto que o coletivo distribui.


A Associação Brasileira de Alzheimer reúne, em sua página, iniciativas voltadas para cuidadores e pacientes, a fim de diminuir o isolamento de quem passa por essa situação.



Fora do manual



A rotina atual de Ana Castro não é como a de antes, e, segundo ela, o processo deixa marcas. A jornalista se recorda de quando a mãe olhava, pelo celular, imagens da sua cidade natal, Santa Marta da Purificação (BA), e conta histórias que ficaram. “Eu era uma cuidadora, uma personal palhaça. Essas sacadas que a gente vai descobrindo não têm em manual médico.”


Para Ana, há posturas, dicas e informações que não estão em nenhum manual. Ela cita, como exemplo, a importância de manter o bom humor no dia a dia e conta que levava para a mãe materiais com texturas diferentes e comidas de consistências variadas.


“O cuidar está nos detalhes. Está na maciez do tecido, está na delicadeza de servir. Está nas cores da mesa. Então eu fui fazendo isso, e as pessoas me ensinando, e eu compartilhando.” Foi assim que Ana nunca mais parou de cuidar.

FONTE : R7.com

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