VARIEDADES

Tolos no deserto: Os falsos deuses do Burning Man

“Alguns tolos no deserto sem mais nada para fazer, tão assustados com a escuridão que não sabiam se estavam indo ou voltando — então inventaram a mim, inventaram você e outros tolos, para manter tudo isso funcionando,” diz o Diabo ao se dirigir a Deus no disco ‘Faust’, de Randy Newman.

Sem dúvida, Deus conta a história de maneira diferente. No Livro do Êxodo, Moisés retorna do Monte Sinai com os Dez Mandamentos para encontrar os israelitas adorando deuses feitos pelo homem, ídolos. Mais tarde, como castigo por sua desobediência e falta de fé, Deus os confina ao deserto por 40 anos, até que a geração incrédula esteja morta.

As últimas semanas trouxeram suas próprias cenas preocupantes do deserto.

O festival Burning Man começou há 40 anos como um pequeno ritual na Baker Beach, em San Francisco. É uma combinação de espetáculo contracultural, festa e espiritualidade da Nova Era. Em 2014, um escritor do New York Times o descreveu como “um deserto branco fervente cheio de 50.000 hippies chapados e meio nus fazendo saudações ao sol enquanto a música techno ecoa pelo ar.” Isso ainda é preciso, embora este ano tenha havido cerca de 70.000 participantes (conhecidos como “burners”).

No Burning Man, o ídolo não é um bezerro de ouro, mas uma efígie de madeira, chamada de “Homem”. Durante as festividades, o Homem é queimado em uma celebração de “comunidade, arte, autoexpressão e autossuficiência”, de acordo com os burners.

Desde 1991, o evento é realizado no Black Rock Desert, no condado de Pershing, Nevada. O deserto tem 112 quilômetros de comprimento e 32 quilômetros de largura. A antiga casa do Lago Lahontan, o Black Rock Desert, é intransitável quando molhado. Isso apresenta desafios logísticos significativos para a organização do evento, que depende de bom tempo. Em 2018, tempestades de poeira forçaram os organizadores a fechar temporariamente as entradas. No último dia 8, mais de meia polegada [1,27 cm] de chuva inundou o chão do deserto, causando lama de um pé [30,48 cm] de profundidade e deixando dezenas de milhares de burners temporariamente presos.

O Burning Man tem sua própria versão dos Dez Mandamentos, conhecida como “princípios”. São eles: (1) inclusão radical, (2) doação, (3) descomodificação (ou seja, sem patrocínios comerciais, transações ou publicidade), (4) autossuficiência radical, (5) autoexpressão radical, (6) esforço comunitário, que significa se esforçar para “produzir, promover e proteger redes sociais, espaços públicos, obras de arte e métodos de comunicação que apoiem a cooperação e colaboração”, (7) responsabilidade cívica, (8) não deixar rastros, ou seja, limpar tudo após deixar o lugar, (9) participação e (10) imediatismo, que significa superar “barreiras que nos separam do reconhecimento de nossos seres interiores”.

Na melhor das hipóteses, a sabedoria desses princípios é incerta. Uma blogueira que já participou de um evento Burning Man escreveu que, embora “abraçasse a inclusão radical e [a ideia] de que a queima de todos era tão importante quanto a minha”, às vezes ela sentia que “o princípio da inclusão radical estava sendo explorado”. Por exemplo, ela e alguns amigos estavam caminhando tarde da noite quando foram abordados por um jovem. Eles lhe ofereceram um presente, de acordo com os princípios. Mas sua conversa logo se tornou “mais lasciva”.

Ela explicou seu dilema:

Se eu estivesse em casa em Nova York, teria dado meia-volta e saído sem mais uma palavra. Mas era o Burning Man, e então continuamos sorrindo. Parte de mim sentiu que ele estava se divertindo nos vendo lutar para manter a inclusão radical ao mesmo tempo em que enviava sinais sociais claros de que estávamos desconfortáveis. Isso se transformou em ele gritando ameaças sexuais explícitas enquanto finalmente nos afastávamos.

Em seus piores momentos, os princípios do Burning Man são completamente ignorados. Quando as tensões aumentam, brigas acontecem. Um xerife local reclamou este ano que os burners estavam “atacando uns aos outros”, uma violação dos princípios seis e sete, e deixando seu lixo para trás, uma violação do princípio oito. “Esse comportamento definitivamente não se enquadra nos dez princípios do Burning Man, mas isso não é culpa do [Burning Man Project], mas sim um problema da sociedade”, disse o xerife.

Mas o princípio da “autossuficiência radical” é falho. E os problemas da sociedade não são causados por estruturas de poder invisíveis, mas pela própria natureza humana que é fraca, facilmente corrompível e totalmente à mercê de forças além de nosso controle. O impulso religioso existe para nos ajudar a dar sentido a esse fato. No mundo moderno, assim como no antigo, adorar as coisas erradas pode nos deixar abandonados no deserto.

©2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês: Fools in the Desert: The False Gods of Burning Man

noticia por : Gazeta do Povo

Facebook
WhatsApp
Email
Print
Visitas: 72 Hoje: 4 Total: 7861769

COMENTÁRIOS

Todos os comentários são de responsabilidade dos seus autores e não representam a opinião deste site.