Em uma aula com crianças de quatro e cinco anos de idade, Maria Teresa Alencar de Brito, a Teca, propôs que o grupo se esquecesse das mãos e dos olhos curiosos pelos instrumentos para que todos escutassem os sons mais atentamente. Foi quando veio a pergunta: “Quer dizer que, quando a gente escuta, a gente vira só ouvido?”.
Era comum ouvir relatos como esse sobre as preciosidades infantis colhidas por essa educadora de escuta apurada ao chegar à Teca Oficina de Música, escola que coordenou por 38 anos, frequentada por muitas gerações de crianças. A conversa era sempre acompanhada por um sorriso largo.
Oficina é mesmo o melhor termo para definir o laboratório de experimentos sonoro-musicais onde Teca aprofundou suas práticas e dizia que aprendia a fazer música nos jogos diários com as crianças. Na escola, o piano e a bateria se misturavam aos instrumentos mais inusitados que ela colecionava, como balalaica russa e queixada de burro do Peru.
Criada em 1985, inicialmente em sua casa, onde vivia com as filhas pequenas, Mairah Rocha e Maucha Rocha Barros, ambas artistas e educadoras, a escola recebia grupos de crianças ávidas em inventar mundos sonoros no tapete de sua sala. Logo ganhou espaço próprio, virou um reconhecido núcleo de educação musical voltado à formação de crianças, jovens e adultos.
Como sabia da importância de boas referências musicais para toda a família, um sábado por mês crianças e adultos se reuniam para receber figuras e grupos como Hélio Ziskind, Palavra Cantada, Fortuna e Barbatuques, amigos e admiradores da educadora tão dedicada em transformar crianças em mais do que músicos, mas em seres humanos abertos, sensíveis e criativos.
Esse era também um dos maiores ensinamentos de seu mestre, o alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), compositor e educador com quem conviveu por 20 anos, ao qual dedicou dois dos seus seis livros — “Hans-Joachim Koellreutter: Ideias de Mundo, de Música, de Educação” (2015) e “Koellreutter Educador – O Humano como Objetivo da Educação Musical” (2018), todos publicados pela Peirópolis.
Algumas de suas obras (livros e CDs), no entanto, foram feitas com seus maiores parceiros, meninos e meninas de idades diversas. Um desses livros é “Quantas Músicas Tem a Música? — Ou Algo Estranho no Museu”, de 2009. Tudo nascia em aulas cheias de experiências genuínas.
Teca foi referência fundamental na educação musical do Brasil e da América Latina. Mestre e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, bacharel em piano e licenciada em educação artística, atuou como professora e pesquisadora no Departamento de Música da ECA-USP e foi consultora do Fórum Latino-Americano de Educação Musical (Fladem).
A música entrou cedo em sua vida, aos cinco anos, pois a mãe sonhava que se tornasse pianista. Foi em casa, com o avô cearense e músico autodidata, que aprendeu a treinar o ouvido e a questionar metodologias de ensino rígidas. Costumava dizer que tinha sido salva pelo avô.
Além de educadora sensível e visionária, era considerada por seus pares uma pessoa de postura ética, generosa e coerente, como diz o musicólogo e compositor Carlos Kater, membro da Academia Brasileira de Música. Ele destaca o quanto Teca “dedicou-se, de maneira livre e criativa, a formar-se como ser humano íntegro e solidário”.
No primeiro semestre de 2023, foi lançado o documentário “A escuta das crianças — Teca Oficina de Música” (2023), dirigido pelo músico Gabriel Levy, disponível no YouTube. No filme, Teca contou que, quando questionada certa vez sobre até quando teria fôlego para dar aula para crianças, ela de pronto respondeu: “Até uns 85 anos… Dali em diante, eu começo a diminuir o ritmo”.
Foi o que fez até seus últimos dias. Morreu no dia 19 de agosto, aos 68 anos, vítima de tromboembolismo pulmonar. Além de cinco irmãos, duas filhas e quatro netos, deixa diversas gerações de crianças que exercitaram seus modos de ser, sentir e pensar em sua escola e centenas de educadores que formou e seguem espalhando seu vasto legado pelo país.
noticia por : UOL